Trabalho[*] elaborado e gentilmente enviado para publicação por Wellington Venâncio de Moraes.
Resumo
Este estudo focaliza o tema Ressocialização a partir de uma interação entre indivíduo e sociedade, aproveitando a nossa experiência no sistema prisional, por ocuparmos o cargo de agente penitenciário do Estado de Pernambuco, dando fundamento a esta pesquisa, sendo imprescindível o conhecimento teórico. Não se cogita querer ressocializar o detento, sem antes colocar em dúvida ou analisar o contexto social no qual se pretende reinseri-lo, questionando-se, assim, tanto o ambiente prisional, indagando sobre a aplicabilidade e eficácia do instituto da ressocialização, como também, o ambiente social ao qual se pretende reintegrá-lo. Com efeito, esta monografia pretende averiguar a possibilidade de ressocialização do egresso do presídio de Vitória-PE, confrontando a realidade prisional com a Lei de Execução Penal, pois como se percebe, o sistema prisional atual é bastante questionado e reiteradamente criticado por muitas vezes vilipendiar, aviltar, desmoralizar, denegrir e embrutecer o detento. Sabe-se que hoje, de forma geral, os presídios são verdadeiras universidades do crime, reforçando cada vez mais os valores negativos do apenado impondo uma inversão de valores distintos da sociedade e em conseqüência, tornando inócua a ressocialização.
Palavras-chave: Ressocialização, Pena, Detento, dignidade da pessoa humana.
INTRODUÇÃO
A questão que envolve o processo de ressocialização tem sido tema de muitos debates ultimamente, sendo que, em sua grande maioria, os criminalistas que opinam a respeito do famigerado instituto, emitem pareceres de forma bastante pessimista não acreditando numa possibilidade de sucesso de reintegração do egresso, por ser o nosso sistema capitalista, bem como, pelo fato do modelo do sistema carcerário hodierno não favorecer esta reinserção, pois, as políticas de ressocialização não acompanharam o comando normativo, a saber, a lei nº 7.210/84, pois esta estabeleceu que, no prazo de seis meses após sua publicação as unidades da federação, em convênio com o Ministério da justiça deveriam “projetar a adaptação, construção e equipamento de estabelecimentos e serviços penais previstos nesta lei” (art. 203,§ 1º). Também no mesmo prazo, deveria, “ser providenciada a aquisição ou desapropriação de prédios para instalação de casas de albergados” (art. 203,§ 2º). Escoaram-se os seis meses, e de 1984 a 2010 às referidas determinações não foram atendidas. Não há também nenhuma notícia de que qualquer unidade federativa tenha, diante do injustificado descumprimento, sofrido qualquer penalidade administrativa de “suspensão de qualquer ajuda financeira a elas destinada pela União, para atender às despesas de execução das penas e das medidas de segurança” (LEP, art. 203, § 4º).
Apesar da desobediência do administrador público em matéria de provisão de estabelecimentos e serviços penitenciários, o presente estudo propõe uma análise que possa demonstrar que apesar de opiniões e circunstâncias desfavoráveis como as condições desumanas que são impostas aos detentos, esta monografia pretende fornecer subsídios necessários para descobrir até que ponto é possível programar efetivamente a reeducação do detento. E, indagar se já existem políticas prisionais que possam viabilizar de forma eficaz esta reintegração sem que estes indivíduos voltem ao convívio social com desequilíbrios emocionais, mais violentos, desesperados, sem nenhuma condição psicológica, financeira e moral de retornar ao contexto social do qual foi posto à margem.
Com efeito, trata-se de reconhecer e entender que a aplicação da pena e seu cumprimento não podem, de forma alguma, ferir a dignidade da pessoa humana, nem submeter o detento a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes, como preconiza a convenção americana sobre direitos humanos, art. 5º, I “Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.” Dessa forma, prevê a convenção americana o chamado princípio da humanidade da pena. Como princípio cardeal do direito penal ele proíbe a tortura assim como o tratamento cruel desumano e degradante.
O princípio da humanidade da pena, ele constitui uma das características fundamentais das penas e da política criminal dos últimos três séculos. É fato que ainda estamos muito longe de um sistema prisional ideal, ou seja, um sistema prisional no mínimo humanizado, mas é inegável que a luta de Beccaria, no período iluminista, e seus contemporâneos e sucessores como Lardizábal, Benthan, etc., combatendo vigorosamente a crueldade das penas, obteve um progresso no sentido desta tão sonhada humanização das penas.
Levando em consideração todos os aspectos da realidade prisional, esta monografia tem como objetivo demonstrar a necessidade de mudanças no sistema prisional, buscando elevar a auto-estima dos detentos através de apoio psicológico que vise resgatar laços familiares, valorização pessoal e social do apenado.
Para alcançar este objetivo a presente monografia está dividida em cinco capítulos. O primeiro capítulo contém o projeto de pesquisa, no segundo abordaremos a pena e sua evolução histórica, no terceiro discorreremos sobre os sistemas prisionais comparando-os com a realidade prisional. Breve comparação entre o sistema convencional e o modelo APAC.
No quarto capítulo, serão comparadas a lei de execução penal e a realidade de tratamento prisional dispensado ao apenado, questões que ensejam a inviabilidade da ressocialização. No quinto capítulo apresentaremos soluções que podem viabilizar a ressocialização, tais como: o trabalho, a assistência religiosa, construções de presídios, etc..
Portanto, a proposta do presente estudo é dar enfoque a eficácia da ressocialização, bem como, analisar as políticas sociais para esse fim, alertar a sociedade que os apenados que hoje se encontram a margem, amanhã serão reinseridos no seio social.
Destarte, a prisão, em vez de conter a delinqüência, na verdade, tem lhe servido de estímulo, convertendo-se em um instrumento que viabiliza toda sorte de atrocidades e desumanidades. Não traz nenhum benefício ao apenado, pelo contrário, produz um fenômeno chamado dissocializador e possibilita a prática de toda espécie de vícios e aprendizado no desenvolvimento do crime.
Diante do exposto, o presente trabalho busca descobrir as causas responsáveis pela inaplicabilidade de ressocialização, o porquê dos altos índices de reincidência, quais as dificuldades de programar estudos e pesquisas que possibilitem deslindar os aspectos que podem ter influencia sobre a reinserção social, indicar fatores importantes que possam contribuir com a falência do modelo prisional, ou se essa falência tem a ver com acontecimentos posteriores a libertação, como por exemplo, o fato do egresso não encontrar trabalho, pois é certo que este de algum modo, vai sofrer o estigma de ser ex-presidiário, e, em decorrência disto, não ser aceito pelos demais membros da comunidade não delinqüente.
CAPÍTULO I
1.1) Problemática
Até que ponto as políticas sociais têm contribuído para que o detento não retorne ao crime; as políticas públicas têm possibilitado o convívio social do ex-detento, especialmente no que é pertinente ao reeducando do Presídio de Vitório de Santo Antão/PE?
1.2) Objetivos
1.2.1) Objetivo Geral
Analisar qual o grau de eficácia existente nas políticas sociais públicas de ressocialização implantadas pelo governo e se efetivamente estas políticas podem contribuir para a não reincidência e reintegração do preso à sociedade.
1.2.2) Objetivos Específicos
a) Descrever as políticas de ressocialização desenvolvidas hoje no presídio de Vitória;
b) Identificar quais os critérios para aplicação de tais políticas;
c) Verificar o nível de eficiência e efetividade destas medidas.
1.3) Justificativa
Do ponto de vista teórico, este presente estudo justifica-se por procurar apontar formas que, de algum modo, possibilitem mudanças e programem políticas ressocializadoras que viabilizem eficazmente o retorno harmonioso do detento ao convívio social evitando a reincidência.
Destaca-se a importância deste trabalho pela possibilidade de identificar problemas no sistema prisional e apontar possíveis soluções que possibilitem a reinserção do egresso à sociedade, sendo imprescindível que esta reintegração seja benéfica tanto ao egresso quanto para o seio social que o recebe.
Neste diapasão, cumpre argumentar que se justifica a análise ora proposta, porquanto a temática, a despeito de discutida diariamente nos meios de comunicação não adentra na realidade prisional, observando os segregados como indivíduos à parte da sociedade. Não à toa, são os famigerados marginais quem estão amontoados em condições subumanas, segregados e esquecidos à margem do convívio social e a sociedade, na realidade em sua grande maioria se torna apática e insensível a tão relevante problema.
A própria sociedade é responsável solidária pela segurança pública (art. 144, CF/88), e esta, pouco tem feito em benefício de uma paz social duradoura, dessa forma, a injustiça social tem contribuído para o atual quadro prisional com números alarmantes de superlotação, e cada vez mais o quadro tende a piorar por vários fatores, e, são esses fatores que pretendemos identificar para apontarmos formas que possam minimizar e até solucionar a problemática ora lançada na presente monografia concernente à execução penal.
Entrementes, no aspecto teórico, atrelado à praxis, ainda há muito a avançar em matéria de execução penal. Observamos, inclusive, uma postura preconceituosa por parte da sociedade civil quando a temática é lançada.
Urge ressaltar que a discussão acerca do tema, pode contribuir de modo pragmático para uma conscientização e harmonia social, haja vista o retorno do detento à sociedade de forma harmônica, pacífica e sem traumas, em que pese á experiência de um enclausuramento.
Dessa forma, denota-se à importância de analisar os aspectos relevantes que possam contribuir ou impedir a ressocialização do egresso no âmbito da unidade prisional de Vitória-PE, pois mesmo a identificação de fatores impeditivos para uma harmoniosa reinserção social daquele que infringiu a ordem jurídica e se encontra em um determinado espaço, in casu, o presídio de Vitória, pode servir como embasamento e referencial para explicar o fenômeno, da dificuldade de ressocializar, que ocorre em todo o Brasil.
O fator principal que legitima e justifica o estudo ora em comento, é a possibilidade de regenerar e reintegrar o delinqüente, valorizando o ser individual, valoriza-se todo o corpo social, é como tratar de um órgão do corpo, uma célula, tratando a pequena parte do corpo, este passa a trabalhar harmonicamente, já um pequeno órgão do corpo ficando doente e se degenerando todo o sistema fisiológico entra em colapso.
Com efeito, o sistema carcerário da forma degenerativa que se apresenta é um verdadeiro câncer social, destruindo a vida dos reclusos e dos seus familiares, podemos simplesmente ficar alheios a esse quadro? Qual a importância da sociedade, das autoridades públicas, do meio acadêmico em se envolver com o objetivo de descobrir e apresentar soluções?
Estes e outros questionamentos precisam ser respondidos e é com essa intenção de visualizar no fim do túnel uma luz, uma solução para o presente tema que nos propomos a elaborar o presente trabalho.
1.4) Metodologia
1.4.1) Quanto à Natureza da Pesquisa
1.4.2) Quanto aos fins
A presente monografia apresenta fins descritivos e explicativos conforme preleciona (GIL, 1999). Descritiva, pois tem como finalidade principal a descrição das características de determinados populações e fenômenos. Uma de suas características está na utilização de técnicas padronizadas de coletas de dados, tais como, questionário e a observação sistemática. Como também, estabelecer relações entre variáveis, pois o objetivo da pesquisa descritiva é estudar as características de um determinado grupo (idade, sexo, procedência etc.). (GIL, 1999, p.44).
Como também, esta pesquisa, visa apresentar fins explicativos pela necessidade primordial de identificar fatores que possam determinar e contribuir para ocorrências de fenômenos que, impliquem favoravelmente ou positivamente na ressocialização (GIL, 1999, p.44).
1.4.3) Quanto aos Meios
A presente monografia se valerá dos seguintes meios de pesquisa sempre em consonância com (GIL, 1999).
a) Pesquisa bibliográfica, com base em material já elaborado, como livros, artigos científicos, internet, etc.;
b) Pesquisa documental, baseada em material que ainda não receberam um tratamento analítico, tais como: documentos oficiais, reportagens de jornais, revistas, etc. ou outros materiais que ainda possam ser reelaborados de acordo com o objetivo da pesquisa;
c) Pesquisa de opinião, desenvolvida com base nas informações de um grupo significativo das pessoas que estejam sendo observadas, estas se manifestando acerca do problema estudado, para em seguida mediante análise quantitativa, dispor das conclusões correspondentes à coleta de dados;
d) Estudo de caso, desenvolvido a partir do conhecimento empírico (aproveitando a nossa experiência no cotidiano prisional), que, investiga um fenômeno atual dentro do seu contexto de realidade (GIL, 1999, P. 65 a 72).
1.4.4) Quanto à forma de abordagem
Ainda na escorreita lição de (GIL, 1999, p. 31), quantidade e qualidade são características iminentes a todos os objetos e fenômenos e estes estão inter-relacionados, destarte, a presente pesquisa se valerá tanto de uma abordagem quantitativa como qualitativa. Quantitativa, pois importa em elaborar uma pesquisa acerca do aumento ou diminuição da reincidência através de estatísticas, qualitativa, por seu turno, uma vez que urge à necessidade de confrontar a eficácia das políticas públicas com a efetiva ressocialização. Além de levar em consideração que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do infrator penal.
1.4.5 Análise de dados
A análise dos dados consiste em recombinação das evidências a serem coletadas, para compreender, esclarecer, validar ou refutar os objetivos iniciais do estudo. Tendo em vista a proposta desta monografia e adequar a análise a uma abordagem qualitativa, pretende-se fazer uso de um método interpretativo dos discursos contidos nos dados da abordagem documental, de campo, bibliográfica, empírica, jurisprudencial e doutrinária coletados à luz da fundamentação teórica elaborada para o presente trabalho, objetivando entender e descobrir as causas que inviabilizam a tão almejada ressocialização de detentos, sempre respaldados pelos princípios constitucionais como: dignidade da pessoa humana, proporcionalidade, presunção de inocência, etc..
1.4.6 Coleta de dados
Para a elaboração deste trabalho, utilizamos como procedimentos metodológicos a revisão bibliográfica, a observação cotidiana e a coleta de dados no interior da Unidade Prisional PVSA, buscando informações importantes entre a população carcerária, analisando os grupos e os seus comportamentos para, desta forma, atrelar teoria e prática e alcançarmos as respostas construídas na nossa problemática.
CAPÍTULO II – DAS PENAS
2.1) Conceito de Pena
Antes de adentrarmos efetivamente na análise da evolução da pena, é imperioso para efeitos didáticos adotarmos, para o presente estudo, o conceito de pena dado por Nucci, (2009) pelo qual a pena é:
É a sanção do Estado, valendo-se do devido processo legal, cuja finalidade é a repressão ao crime perpetrado e a prevenção a novos delitos, objetivando reeducar o delinqüente, retirá-lo do convívio social enquanto for necessário, bem como reafirmar os valores protegidos pelo Direito Penal e intimidar a sociedade para que o crime seja evitado (NUCCI, 2009, p. 379).
Mesmo examinando perfunctoriamente o conceito de pena dado por Nucci, prima face, extrai-se que a função da pena não é só intimidatória, retributiva e aflitiva, mas também, objetiva reeducar o delinqüente.
2.1.1) Espécies de Pena
As penas são as seguintes: penas privativas de liberdade, penas restritivas de direitos, pena pecuniária.
As penas privativas de liberdade são: reclusão o regime de cumprimento da pena deve ser inicialmente fechado, detenção o regime de cumprimento inicialmente é semi-aberto ou aberto e prisão simples que deve ter como cumprimento da reprimenda apenas o regime aberto. As duas primeiras são penas aplicadas quando em decorrência de cometimento da prática de crimes, enquanto a terceira é aplicada tão somente quando da prática de contravenções penais.
Quanto às penas restritivas de direito podemos dizer que são as seguintes: prestação de serviço à comunidade ou entidades públicas, interdição temporária de direitos, limitação de fim, de semana, prestação pecuniária e perda de bens e valores.
A pena pecuniária é a multa. Vale ressaltar que no ordenamento jurídico pátrio a norma constitucional proíbe expressamente as penas de: morte, exceto em caso de guerra declarada; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento; e cruéis. Apesar disso, ainda se vê pelos meios de comunicação cenas de verdadeira selvageria contra os presos, num verdadeiro atentado à norma constitucional vigente.
2.1.2) Evolução histórica da Pena
2.1.2.1) Tempos primitivos
Consoante preleciona (MIRABETE, 2004), embora a história do direito penal tenha surgido com o próprio homem, não se pode falar em sistema organizado de princípios penais nos tempos primitivos, pois os grupos sociais primitivos viviam envoltos em ambiente místico, mágico e religioso. Dessa forma, a peste, a seca e todos os fenômenos naturais maléficos eram tidos como resultantes das forças divinas (“totem”) encolerizadas pela prática de fatos que exigiam reparação.
Para aplacar a ira dos deuses, criaram-se sérias proibições (religiosas, sociais e políticas), conhecidas por “tabu”, que, não obedecidas, acarretavam castigo. A infração totêmica ou a desobediência tabu levou a coletividade à punição do infrator para desagravar a entidade, gerando-se assim o que, modernamente, denominados “crime” e “pena”. “O castigo infligido era o sacrifício da própria vida do transgressor ou a oferenda por este de objetos valiosos (animais, peles e frutas) à divindade, no altar montado em sua honra”. (MIRABETE, 2007, p.16).
A pena em sua origem remota, nada mais significava senão a vingança, revide à agressão sofrida, desproporcionada com a ofensa e aplicada sem preocupação de justiça.
Várias foram às fases da evolução da vingança penal, etapas essas que não se sucederam sistematicamente, com épocas de transição e adoção de princípios diversos, normalmente envolvidos em sentido religioso. Noronha (apud MIRABETE, 2007), distingue as fases de vingança privada, em vingança divina e vingança pública.
2.1.2.2) Fases da vingança penal
No período conhecido como vingança privada, cometido um crime, ocorria à reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção à ofensa, atingindo não só o ofensor, como também todo seu grupo. Se o transgressor fosse membro do grupo, podia ser punido com a “expulsão da paz” (banimento), que o deixava à mercê de outros grupos, que lhe infligiam, invariavelmente, a morte. Caso a violação fosse praticada por elemento estranho à tribo, a reação era a da “vingança de sangue”. Considerada como obrigação religiosa e sagrada, “verdadeira guerra movida pelo grupo ofendido àquele a que pertencia o ofensor, culminando, não raro, com a eliminação completa de um dos grupos” (MIRABETE, 2007, p.17).
Com a evolução social, conforme ensina MIRABETE (2007), para evitar a dizimação das tribos, surge o talião (de talis=tal), que limita a reação à ofensa a um mal idêntico ao praticado (sangue por sangue, olho por olho, dente por dente). Adotado no código de Hamurabi (Babilônia), no Êxodo (povo hebraico) e na lei das XII Tábuas (Roma), foi ele um grande avanço na história do Direito Penal por reduzir a abrangência da ação punitiva.
Posteriormente, ainda segundo o citado autor, surge à composição, sistema pelo qual o ofensor se livraria do castigo com a compra de sua liberdade (pagamento em moeda, gado, armas etc.). Adotada, também, pelo código de hamurabi, pelo Pentateuco e pelo código de manu (Índia), foi a composição largamente aceita pelo direito Germânico, sendo a origem remota das formas modernas de indenização do Direito Civil e da multa do Direito Penal.
A fase da vingança divina deve-se à influência decisiva da religião na vida dos povos antigos. O Direito Penal impregnou-se de sentido místico desde seus primórdios, já que se devia reprimir o crime como satisfação aos deuses pela ofensa praticada no grupo social. O castigo, ou oferenda, por delegação divina era aplicado pelos sacerdotes que infligiam penas severas, cruéis e desumanas, visando especialmente à intimidação. Legislação típica dessa fase é o código de manu, mas esses princípios foram adotados na Babilônia, no Egito (cinco livros), na China (livro das cinco penas), na Pérsia (avesta) e pelo povo de Israel (Pentateuco).
Com a maior organização social, atingiu-se a fase da vingança pública. No sentido de se dar maior estabilidade ao Estado, visou-se à segurança do príncipe ou soberano pela aplicação da pena, ainda severa e cruel. Também em obediência ao sentido religioso, o estado justificava a proteção ao soberano que, na Grécia, por exemplo, governava em nome de Zeus, e era seu interprete e mandatário. O mesmo ocorreu em Roma, com aplicação da lei das doze tábuas. Em fase posterior, porém libertou-se a pena de seu caráter religioso, transformando-se a responsabilidade do grupo em individual (do autor do fato), em positiva contribuição ao aperfeiçoamento de humanização dos costumes penais.
2.1.2.3) Direito Penal dos hebreus
Após a etapa da legislação mosaica, evoluiu o Direito Penal do povo hebreu com o talmud. Substituiu-se a pena de talião pela multa, prisão e imposição de gravames físicos, sendo praticamente extinta a pena de morte, aplicando-se em seu lugar a prisão perpétua sem trabalhos forçados. Os crimes poderiam ser classificados em duas espécies: delitos contra a divindade e crimes contra o semelhante. O talmud, assim, foi um formidável suavizador dos rigores da lei mosaica. Estabeleciam-se, inclusive, garantias rudimentares em favor do réu, contra os perigos da denunciação caluniosa e do falso testemunho, de conseqüências gravíssimas e tantas vezes irreparáveis para o condenado inocente, máxime num sistema repressivo em que a palavra das testemunhas assumia excepcional importância na pesquisa da verdade, tudo em consonância com MIRABETE (2007).
2.1.2.4) A pena no direito romano
Ainda na esteira da lição de Mirabete, em Roma, ainda seguindo a mesma linha de raciocínio, evoluindo-se das fases de vingança, por meio do talião e da composição, bem como da vingança divina na época da realeza, Direito e Religião separam-se, dividem-se os delitos em: crimina pública (segurança da cidade), parricidium, ou crimes majestatis, e delicta privata (infrações consideradas menos graves, reprimidas por particulares). Seguiu-se a eles a criação dos crimina extraordinária (entre as outras duas categorias). Finalmente, a pena torna-se, em regra, pública. As sanções são mitigadas, e é praticamente abolida a pena de morte, substituída pelo exílio e pela deportação (interdictio acquae et igni).
2.1.2.5) A pena no Direito germânico
No Direito Penal germânico, segundo FRAGOSO (1980), determinava-se a punição do autor do delito sempre em relação ao dano por ele causado e não de acordo com aspecto subjetivo do seu ato. No processo, vigoravam as “ordálias” ou “juízos de Deus” (prova de água fervente, de ferro em brasa etc.) e os duelos judiciários, com os quais se decidiam os conflitos, “pessoalmente ou, por muitas vezes, através de lutadores profissionais”.
Em relação às ordálias ou juízos de Deus, era pouco provável que algum acusado pudesse demonstrar sua inocência, haja vista, ser quase impossível, para não dizer impossível que alguém submetido a testes com água fervendo ou um ferro em brasa não viesse a se queimar. Necessário a obtenção de um verdadeiro milagre para escapar de tão severo e bestial castigo, devendo o réu apelar com veemência para a clemência divina para poder se salvar.
2.1.2.6) A pena no Direito canônico
Entre a época dos direitos romanos e germânicos e a do direito moderno, estendeu-se o Direito canônico ou o Direito penal da igreja, com a influência decisiva do cristianismo na legislação penal. Assimilando o Direito romano e adaptando este às novas condições sociais, a igreja contribuiu de maneira relevante para a humanização do Direito Penal, embora politicamente sua luta metódica visasse obter o predomínio do papado sobre o poder temporal para proteger os interesses religiosos de dominação.
Proclamou-se a igualdade entre os homens, acentuou-se o aspecto subjetivo do crime e da responsabilidade penal e tentou-se banir as ordálias e os duelos judiciários. Promoveu-se a mitigação das penas que passaram a ter como fim não só a expiação, mas também a regeneração do condenado pelo arrependimento e purgação da culpa, o que levou, paradoxalmente, aos excessos da inquisição. A jurisdição penal eclesiástica, entretanto, era infensa à pena de morte, entregando-se o condenado ao poder civil para a execução, tudo em consonância com MIRABETE (2007).
2.1.2.7) A pena no direito medieval
No chamado período medieval, houve um entrelaçamento e influência recíproca nas práticas penais concernente aos direitos romano, canônico e bárbaro. Nesse período foi marcante a prodigalidade do direito penal na cominação da pena de morte, executada de formas variadas e cruéis (fogueira, afogamento, soterramento, enforcamento etc.), tinha como finalidade específica à intimidação, difundindo terror aos destinatários da sanção penal, estas, por seu turno, eram desiguais, e variavam conforme as condições sociais e políticas do réu, sendo bastante comuns o confisco, a mutilação, os açoites, a tortura e as penas consideradas infamantes.
2.1.2.8) A pena no período humanitário
No decorrer do iluminismo dá-se início ao período conhecido como Humanitário do direito Penal, movimento que pregou a reforma das leis penais e da administração da justiça no fim do século XVIII. A partir desse momento o homem moderno passa a ter consciência crítica do problema penal como problema jurídico e filosófico.
O grande expoente desse período foi, sem sombra de dúvidas, Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria (nascido em Florença, em 1738), influenciado pelos pensadores da época, dentre eles Rousseau e montesquieu, publicou em Milão, a obra Dei deltti e Delle pene (dos delitos e das penas) que, até nos dias hodiernos é considerado como no dizer de Mirabete, “ Um pequeno livro que se tornou o símbolo da reação liberal ao desumano panorama penal então vigente” (MIRABETE, 2007, p. 19).
2.2) Escolas Penais
2.2.1) Escola Clássica
Na verdade, não houve uma escola clássica propriamente, entendida como um corpo de doutrina comum relativamente ao direito de punir e aos problemas fundamentais apresentados pelo crime e pela sanção penal.
Com efeito, as idéias e postulados fundamentais do iluminismo expostas de forma genial pelo Marquês de Beccaria no seu opúsculo, Dos Delitos e das Penas, estão nas compilações de diversos autores que escreveram nos meados do século XIX, e são reunidos sob a denominação de Escola Clássica, nome que foi criado pelos positivistas com sentido pejorativo, embora hoje sirva para designar os doutrinadores daquela época.
Conforme ensinamento de MIRABETE (2006) o maior expoente deste período foi Francesco Carrara, autor do monumental programa del corso de diritto criminale (1859). Para este autor, o delito é um “ente jurídico” impelido por duas forças: a física que é o movimento corpóreo e o dano do crime, e a moral, constituída da vontade livre e consciente do criminoso. Sendo assim, o livre arbítrio como pressuposto da afirmação da responsabilidade e da aplicação da pena é o eixo do sistema carrariano.
Carrara definia o crime apud (MIRABETE 2006, P. 20), como “a infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso”. Nesse caso, o crime é infração da lei do Estado em decorrência do princípio da legalidade, segundo o qual só é crime o fato concreto que incide e infringe a lei Penal.
2.2.2) Escola positivista
A escola Positivista surgiu num contexto em que crescia de forma bastante célere o conhecimento nas várias áreas das ciências sociais (Antropologia, Psiquiatria, Psicologia, sociologia, etc.). E isso foi um fator determinante para que houvesse uma diferente orientação nos estudos criminológicos, pois a Escola Positiva dá ênfase à necessidade da defesa do corpo social contra a ação do delinqüente, enquanto a contrário sensu, a Escola Clássica priorizava pelo individualismo. Nesse sentido, explicando a ressocialização na Escola positiva, Cesar Roberto Bitencourt:
Por isso, a ressocialização do delinqüente passa a um segundo plano. A aplicação da pena passou a ser concebida como uma reação natural do organismo social contra a atividade anormal dos seus componentes. O fundamento do direito de punir assume uma posição secundária, e o problema da responsabilidade perde importância, sendo indiferente a liberdade de ação e de decisão no cometimento do fato punível. Admitindo o delito e o delinqüente como patologias sociais, dispensava a necessidade de a responsabilidade penal fundar-se em conceitos morais. A pena perde seu tradicional caráter vindicativo-retributivo, reduzindo-se a um provimento utilitarista; seus fundamentos não são a natureza e a gravidade do crime, mas a personalidade do réu, sua capacidade de adaptação e especialmente sua periculosidade (BITNCOURT, 2008, p. 56).
Em consonância ainda com os ensinamentos de Bitencourt (2008), a Escola positiva pretendeu aplicar ao direito os mesmos métodos de investigação que eram utilizados em outras disciplinas, no entanto, logo se constatou que tal metodologia era inaplicável em algo tão circunstancial como a norma jurídica, sendo assim propuseram uma substituição da atividade jurídica científica por uma sociologia ou antropologia do delinqüente, surgindo com isso o nascimento da criminologia.
A Escola Positiva apresenta três fases, diferentes e bem peculiares predominando em cada uma determinado aspecto e um representante máximo. São elas: a) fase antropológica: Cesare Lombroso (L’Uomo Delinquente); b) fase sociológica: Enrico Ferri (Sociologia Criminale); e c) fase jurídica: Rafael Garofalo (Criminologia)
Conforme Bitencourt (2008), em síntese, os aspectos principais da Escola Positiva são: a) o Direito Penal é um produto social, fruto da obra humana; b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida em sociedade); c) o delito é um fenômeno natural e social (fatores individuais, físicos e sociais); d) a pena é um meio de defesa social, com função preventiva; e) o método é o indutivo ou experimental; f) os objetos de estudo do Direito Penal são o crime, a pena, o delinqüente e o processo.
2.3) Finalidades da Pena
2.3.1) Teoria Absoluta
Para a teoria absoluta conhecida também como retribucionista ou de retribuição, a finalidade da pena é meramente o castigo, isto é, a retribuição pelo mal praticado. O castigo compensa o mal e dá reparação à moral, sendo a pena imposta por uma exigência ética em que não se vislumbra qualquer conotação ideológica. Dentre os defensores das teses absolutistas ou retribucionistas da pena destacaram-se Kant e Hegel, dentro do esquema filosófico Kantiano, a pena deve ser aplicada tão somente porque houve infringência à lei.
Em síntese, Kant considera que o réu deve ser castigado pela única razão de haver delinqüido, sem nenhuma consideração sobre a utilidade da pena, para o réu ou para os integrantes da sociedade. No dizer de Kant, “o mal não merecido que fazes a teu semelhante, o fazes a ti mesmo; se o desonras, desonras a ti mesmo; se o maltratas, maltratas a ti mesmo; se o matas, matas a ti mesmo.” (Kant, 1978, p. 168).
Para Hegel, consoante preleciona BITTENCOURT (2008), a pena é a única maneira de retribuir o delito e recuperar o equilíbrio social perdido, aceitando que a pena venha restabelecer a ordem jurídica violada pelo infrator. A tese de Hegel se resume em sua conhecida frase: “A pena é a negação da negação do direito” (HEGEL, apud, BITENCOURT, 2008, P.86).
Para explicar melhor tal postulado invocamos a escorreita lição de Cezar Roberto Bitencourt,
A fundamentação hegeliana da pena é ao contrário ao da Kantiana, mais jurídica, na medida em que para Hegel a pena encontra sua justificação na necessidade de restabelecer a vigência da vontade geral, simbolizada na ordem jurídica e que foi negada pelo delinqüente. Isso significa que, se a vontade geral for negada pela vontade do delinqüente, ter-se-á de negar esta negação através do castigo penal para que surja de novo a afirmação da vontade geral. A pena vem, assim, retribuir ao delinqüente pelo fato praticado, e de acordo com o quantum ou intensidade da negação do direito será também o quantum ou intensidade da nova negação que é a pena. (BITENCOURT, 2008, p. 86).
2.3.2) Teorias Relativas ou Preventivas da Pena
Ainda na esteira da lição de BITENCOURT (2008), para a teoria preventiva dava-se à pena um fim exclusivamente prático, em especial o da prevenção geral (com relação a todos) ou especial (com relação ao condenado). Isto se consegue, de um lado, com a cominação penal, isto é, com a ameaça da pena, avisando aos membros da sociedade quais as ações injustas contra as quais se reagirá; e, por outro lado, com a aplicação da pena cominada, deixa-se patente a disposição de cumprir a ameaça realizada. Para a teoria da prevenção geral, a ameaça da pena produz no indivíduo uma espécie de motivação para não cometer delitos.
Entre os defensores da teoria da prevenção geral da pena destacam-se Bentham, Beccaria, Filangieri, Schopenhauer e Feuerbarch. A teoria da prevenção geral tem como fulcro duas idéias básicas: a idéia da intimidação, ou da utilização do medo, e a ponderação da racionalidade do homem.
Já a prevenção especial não busca a intimidação do grupo social nem a retribuição do fato praticado, visando apenas aquele indivíduo que já delinqüiu para fazer com que não volte a transgredir as normas jurídico-penais.
2.3.3) Teoria mista ou unificadora da pena
Para as teorias mistas a pena reúne a prevenção geral e especial; tentam agrupar em um conceito único os fins da pena. Esta corrente tenta juntar os aspectos mais destacados das teorias absolutas e relativas. “Merkel foi, no começo do século XX, o iniciador desta teoria eclética na Alemanha, e, desde então, é a opinião mais dominante”. (BITENCOURT, 2008, p.95).
Dessa forma, a principal finalidade da pena é a prevenção geral em seus aspectos intimidatórios (intimidar a sociedade para não delinqüir) e limitadores (impor limites ao estado para evitar abusos), sem deixar de lado as necessidades de prevenção especial, no tocante à ressocialização do delinqüente. Entende-se que a ressocialização do delinqüente não deve ser concebida de forma coativa, arbitrária, mas esta implica em um processo comunicacional e interativo entre indivíduo e sociedade. Não se pode ressocializar o delinqüente sem colocar em dúvida, ao mesmo tempo, o conjunto social normativo no qual se pretende reintegrá-lo. Se assim fora, estaríamos admitindo, de forma equivocada que a ordem social é perfeita, o que, no mínimo, é discutível.
Com efeito, as penas privativas de liberdade, no dizer de GOMES (2009), devem ter por finalidade essencial a reforma e readaptação do condenado. É evidente que no ordenamento jurídico-penal brasileiro o legislador pátrio (até 1984) não havia se posicionado de modo preciso, claro e explicito sobre a finalidade da pena no âmbito dogmático teórico, com certa tradição nossos doutrinadores, em sua grande maioria, se mantiveram filiados as teorias ecléticas que unificam as idéias de retribuição e prevenção, tanto gerais, como especial.
E esse posicionamento, com certeza, influenciou o código penal que, em seu art. 59 assumiu expressamente um duplo sentido para a pena retribuição e prevenção. Dispõe textualmente: art. 59. “O juiz, atendendo à culpabilidade (...), estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime: I- as penas aplicáveis dentre as cominadas (...)”. No entanto, o art. 1º da LEP, por sua vez enfatiza que, “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado”. E seu art. 22, dispõe que, “a assistência social tem por finalidade amparar o preso e prepará-lo para o retorno a liberdade”.
Na mesma esteira o art. 5.º, 6, da convenção americana de Direitos Humanos proclama o seguinte: “As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e readaptação social dos condenados”.
De tudo quanto foi exposto, infere-se que, mutatis mutandis, é perfeitamente adequada ao ordenamento jurídico brasileiro a fórmula tripartida e dialética oferecida por Roxin:
a) No momento da cominação legal abstrata a pena tem por finalidade preventiva geral (seja negativa: intimidação; seja positiva: definição ou chamada de atenção para a relevância do bem jurídico protegido);
b) Na fase da aplicação judicial a pena tem por finalidade preventiva geral (confirmação da seriedade da ameaça abstrata, assim como da importância do bem jurídico violado), repressiva (reprovação do mal do crime, fundada e limitada pela culpabilidade) e preventiva especial (atenuação do rigor repressivo para privilegiar institutos ressocializadores alternativos: penas substitutivas, sursis etc.) e
c) Na última etapa, na da execução, prepondera formalmente à finalidade de prevenção especial positiva (proporcionar condições para a ressocialização).(...).
(ROXIN, apud, GOMES, 2008, p. 45)
Necessário tecer um breve comentário, pois embora, a despeito de tudo que preconiza doutrina, jurisprudência, direito posto, ordenamento jurídico, etc., na prática o que se cumpre é a função preventiva negativa da inocuização (mero enclausuramento, com um mínimo de assistência ao recluso, de forma bastante precária, sem a oferta das condições propícias a sua reinserção social). O Estado através de sua assistência social deve ter como finalidade principal amparar o preso e prepará-lo para o retorno à liberdade e ao convívio social. É o que disciplina de modo enfático o art. 5º, 6 da Convenção Americana de Direitos Humanos: “As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”.
CAPÍTULO III - SISTEMAS PRISIONAIS
3.1) Sistema Pensilvânico ou Celular
3.1.1) Origens Históricas
Este Sistema tem como ideologia a possibilidade de manter várias pessoas sob uma vigilância única como no modelo Panóptico (FOUCAULT, 2002), o isolamento do detento, a obrigação estrita do silêncio, a meditação e oração.
Na escorreita lição de Bitencourt (2008) a primeira prisão nos moldes desse sistema, foi construída em 1776 nos Estados Unidos da América, pelos Quacres e os mais respeitáveis cidadãos da Filadélfia, em walnut Street jail. Seu expoente máximo foi Benjamin Franklin que difundiu as idéias de houward, no que se refere ao isolamento do detento, característica fundamental deste sistema (BITENCOURT, 2008, p. 125).
Contudo, não se aplicou o sistema celular completo, impôs-se o isolamento total apenas daqueles delinqüentes considerados mais perigosos, os demais foram mantidos em celas comuns e lhes eram permitido trabalhar conjuntamente durante o dia. Tal sistema tinha uma ideologia eminentemente de cunho religioso, pois as autoridades que organizavam as instituições achavam que o isolamento, a abstinência total as bebidas alcoólicas, a meditação e as orações podiam salvar as almas dos detentos.
O crescente contingente carcerário foi uma das causas do fracasso do sistema pensilvânico conforme preleciona Bitencourt, in literis:
A experiência iniciada em walnut street, onde começaram a aparecer claramente às características do regime celular, sofreu em poucos anos graves estragos e converteu-se em um grande fracasso. A causa fundamental do fracasso foi o extraordinário crescimento da população penal que se encontrava recolhida na prisão de Walnut street. Ao enfrentarem esses retrocessos, a sociedade de Pensilvânia e a sociedade de Filadélfia, para o alívio das misérias das prisões públicas, ambas inspiradas nos quacres, solicitaram uma nova oportunidade a um sistema fundado na separação. As pressões foram aceitas e construídas duas novas prisões nas quais os prisioneiros foram encarcerados separadamente. (...) conclui-se que este regime era impraticável, e, por essa razão ao inaugurar a prisão oriental, no mesmo ano, decidiu-se por aliviar o isolamento individual permitindo algum trabalho na própria cela (BITENCOURT, 2008, P.126).
É pertinente no momento tecer um breve comentário acerca do RDD, pois mesmo nos moldes do sistema prisional Pensilvânico em 1776, conclui-se que o isolamento celular era impraticável, decidindo as autoridades da época por mitigar e aliviar o isolamento permitindo o trabalho em conjunto nas celas, pois o estrito isolamento celular é totalmente desastroso e desumano, a respeito do confinamento solitário para os presos perigosos de Auburn, ensina Bitencourt: “Essa experiência de estrito confinamento solitário resultou em grande fracasso: de oitenta detentos em isolamento total contínuo, com duas exceções, os demais resultaram mortos, enlouqueceram ou alcançaram o perdão”.
Apesar da malfadada experiência de três séculos atrás, no ano de 2003, o CN aprovou a lei 10.792, que entrou em vigor em 01-12-2003, estabelecendo a possibilidade do isolamento do detento, condenado ou provisório, com duração máxima de 360 dias, sem prejuízo da repetição da sanção administrativa pelo cometimento de nova falta grave da mesma espécie, até o limite de 1/6 da pena aplicada, com recolhimento em cela individual.
O que se vê na realidade, é um desrespeito ao próprio limite de 360 dias de duração da sanção, pois independente de falta grave esta sanção está se perpetuando, pelo menos com relação aos delinqüentes famigerados nos meios de comunicação que já há alguns anos permanecem nesse regime e o Estado se mostra inoperante e incompetente para resolver o problema e a mídia mostra a falta de harmonia entre os Estados da federação quando da transferência de presos do RDD, de um Estado para outro, e, o Estado que deveria receber o recluso não o aceita, e o manda de volta para o estado de origem, isso sem contar que são realizados gastos astronômicos com todo o aparato Estatal, como, avião, força policial, etc. Destarte, ressurge em pleno século XXI, o velho sistema de confinamento celular com seu famigerado método de alienação mental.
O RDD tem gerado uma série de discussões sobre sua inconstitucionalidade. Nunes aduz: “o RDD compromete a integridade física do preso, sem contar, que a sua reintegração social, uma das finalidades da pena, restará prejudicada” (NUNES, 2010, P. 66).
Sem dúvida, o RDD é um retrocesso em matéria de execução penal, inviabilizando a ressocialização do preso, configurando mais uma das tantas dificuldades do Estado para programar políticas de reinserção social, em detrimento dos direitos fundamentais dos detentos.
O CNPCP, chamado a se manifestar sobre o regime disciplinar diferenciado, após a vigência da lei federal nº 10.792/03, através de parecer relatado pelo conselheiro Pedro Sérgio dos Santos, em julho de 2005, aprovado pelo seu plenário, entendeu que se trata de um modelo disciplinar que viola a constituição federal, tratados internacionais e regras mínimas das Nações Unidas, concluindo que o RDD tem caráter vingativo do Estado mediante tratamento desumano e cruel à pessoa do detento (NUNES, 2010, p. 67).
3.2) Sistema Auburniano
3.2.1) Origens Históricas
O sistema auburniano surge da necessidade e do desejo de suplantar todas as falhas e mazelas trazidas pelo regime de confinamento celular, sendo assim, conforme (BITENCOURT, 2008), em 1796, o então governador de Nova Iorque, Jhon Jay, enviou uma comissão para estudar o sistema celular, durante esse período ocorreram mudanças bastante significativas em relação às penas, dentre estas mudanças destaca-se a substituição da pena de morte e de castigos corporais pela pena privativa de liberdade, estas mudanças surgiram em virtude dos relatórios elaborados pela referida comissão.
No ano seguinte, foi inaugurada a prisão de Newgate, nesta prisão não houve possibilidade de aplicar o sistema de confinamento celular, pois o referido estabelecimento prisional não tinha capacidade arquitetônica, isto é, era muito pequeno.
Como a prisão de Newgate não correspondeu às expectativas, em 1809 houve uma proposta para construção de uma nova prisão no interior do Estado para absorver o número crescente de delinqüentes. O que só ocorreu em 1816 com a autorização definitiva para construção da prisão de Auburn.
3.2.2) Características e objetivos do sistema de Auburn
O sistema de auburn, também conhecido como, silent system, adotou, além do trabalho em comum, a regra do silêncio absoluto, nesse sentido Bitencourt:
Os detentos não podiam falar entre si, somente com os guardas, com licença prévia e em voz baixa. Neste silêncio absoluto Foucalt vê uma clara influencia do modelo monástico, além da disciplina obreira. Esse silêncio, ininterrupto, mais que propiciar a meditação e a correção, é um instrumento essencial de poder, permitindo que uns poucos controlem uma multidão (BITENCOURT, 2008, p.128).
No modelo auburniano o objetivo era que o delinqüente através do seu silencio pudesse meditar e refletir sobre seu crime e dessa forma sofrer uma reforma no seu comportamento, apesar de foucalt discordar aduzindo que “não aceita o modelo auburniano como instrumento propiciador da reforma ou correção do delinqüente, tal como consideram os mais otimistas; ao contrário, considera-o como um meio eficaz para imposição do poder”. (FOUCALT, apud, BITENCOURT, 2008, P. 128).
Outra característica do sistema auburniano era o trabalho, entretanto, este, só era permitido àqueles detentos que eram menos perigosos e considerados como corrigíveis, os presos considerados perigosos sofriam confinamento total e não podiam trabalhar. O fracasso do trabalho ocorreu por causa da pressão imposta pelas associações e sindicatos que se opunham ao desenvolvimento de um trabalho carcerário por este representar menores custos, o que é verdade até hoje, e, isto significava uma competitividade desleal ao trabalho livre, e é bem verdade que este não pode competir com a mão de obra carcerária que, além de ser mais barata, quando o trabalho carcerário demanda energia elétrica, água, etc., quem paga as contas, diferentemente do empresário particular, é o Estado.
Na lição de Bitencourt, outro aspecto que influenciou negativamente no silent sistem, foi o rigoroso regime disciplinar dispensado aos reclusos, inclusive com castigos cruéis e maus tratos.
A importância dada à disciplina deve-se, em parte, ao fato de que o silent sistem acolhe, em seus pontos, estilo de vida militar. A razão é simples: a nova instituição necessita organizar e gerir uma vida coletiva complexa. A influência da disciplina e da mentalidade militar tem sido uma constante nas prisões, desde sua origem. Insiste-se na necessidade de as prisões não adotarem uma mentalidade castrense, embora persista essa influência nos sistemas penitenciários de muitos países, especialmente no Brasil (BITENCOURT, 2008, p. 129).
Sempre se criticou os excessivos castigos empregados no regime auburniano, pois, tais
Castigos refletiam a vontade de impor um controle total e estrito e uma obediência sem qualquer reflexão por parte do recluso. A justificativa para a aplicação dos castigos excessivos e cruéis era acreditar que estes, certamente, propiciariam a recuperação e reforma do criminoso. Indubitável que nos dias hodiernos ainda haja, de forma mitigada, linha de pensamento que infirma e comunga desse mesmo absurdo.
3.3) Diferenças Básicas Entre Os Dois Sistemas
Na realidade apesar dos dois sistemas adotarem um conceito meramente punitivo e retributivo da pena, havia algumas diferenças entre ambos, pois o sistema pensilvanico, também conhecido como celular, fundamentou-se exclusivamente no misticismo e na religiosidade, enquanto o sistema auburniano, por sua vez, objetivava apenas o lado meramente econômico.
Também no sistema celular havia a separação total dos presos durante todo o dia enquanto no auburniano os detentos eram reunidos durante o dia para dedicar-se ao trabalho produtivo. Na lição de Bitencourt (2008),
O sistema auburniano impõe-se nos EUA não só porque oferece maiores vantagens que o filadélfico, mas porque o desenvolvimento das forças produtivas, assim como as condições imperantes do desenvolvimento econômico, o permitia. O silent system era economicamente mais vantajoso que o celular, já que permitia alojar maior número de pessoas na prisão, diminuindo os custos de construção (BITENCOURT, 2008, P. 129).
Ainda hoje temos resquícios dos dois sistemas, no tocante ao sistema celular com seu rigoroso isolamento, vemos surgir esse tipo de sistema nos dias de hoje no famigerado RDD, e, de forma mais mitigada, com as celas destinadas aos presos que cumprem castigos por cometimento de falta disciplinar, enquanto do sistema auburniano, por força do capitalismo, temos uma enorme superlotação carcerária e um mínimo de esforço político para construir presídios evitando gastos com a construção destes, pelo menos é o que parece com o descaso que as autoridades têm enfrentado o problema.
3.4)Sistema Progressivo
Conforme aduz Bitencourt (2008), esse sistema consistia em medir a duração da pena pelo somatório de dias trabalhados e pela boa conduta do condenado, demonstrando o aproveitamento reformador por parte do recluso. Tem tudo a ver com a progressão de regime dos dias atuais, com a progressão do regime fechado para o semi-aberto e deste para o aberto, lembrando que por falta de vontade política, o regime aberto praticamente não existe no Brasil, em virtude de não haver casa de albergado, sendo assim quando alguém é condenado ao regime aberto simplesmente fica livre só assinando de quinze em quinze dias no foro da respectiva comarca.
O aspecto importante desse regime é a possibilidade de reincorporar o recluso à sociedade antes do término da pena, nesse sentido dispõe Bitencourt:
A meta do sistema progressivo tem dupla vertente: de um lado pretende constituir um estímulo à boa conduta e à adesão do recluso ao regime aplicado, e, de outro, pretende que este regime, em razão da boa disposição anímica do interno, consiga paulatinamente sua reforma moral e a preparação para a futura vida em sociedade.
O regime progressivo significou, inquestionavelmente, um avanço penitenciário considerável. Ao contrário dos sistemas auburnianos e filadélfico, deu importância à própria vontade do recluso, além de diminuir significativamente o rigorosismo na aplicação da pena privativa de liberdade (BITENCOURT, 2008, p.131).
Em que pese todo o avanço do sistema progressivo este entrou em crise, pois se põe em cheque a pretensão de querer que o regime carcerário possibilite uma vida mais humana e racional, acreditando que o confinamento rigoroso, violento e brutal, possa preparar e estimular o preso para o regime semi-aberto.
Mesmo ocorrendo mudanças significativas, no que concerne a um aumento de sensibilidade social, nos últimos tempos, urge a necessidade de uma maior conscientização por parte das autoridades e da sociedade como um todo a respeito de tão importante tema, sabendo que, estes reclusos, mesmo tendo infringido o ordenamento jurídico, são seres humanos.
3.5)Sistema ou Método APAC
3.5.1) Evolução histórica
A primeira Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC). Foi criada em 18 de novembro de 1972 em São José dos Campos-SP. A partir da idéia de um advogado paulista, Mário Ottoboni, e do apoio de um grupo de amigos cristãos que comungavam da mesma idéia de minimizar o sofrimento dos detentos da cadeia pública do Município de São José dos Campos.
Em 1974, este mesmo grupo denominado de Pastoral Carcerária passou a ter apoio jurídico, e, começou a desenvolver sistematicamente suas atividades, no Presídio de Humaitá na cidade de São José dos Campos e desde então foi efetivamente consolidado o celebrado método APAC.
3.5.2) Objetivos da APAC
Dentre os diversos objetivos do modelo APAC, destacamos a reintegração social e recuperação dos reclusos, a evangelização destes e a adoção de procedimentos que viabilizem aos sentenciados uma reinserção social com dignidade.
3.5.3) Modelo APAC x modelo prisional convencional
O modelo APAC diferencia-se do sistema carcerário tradicional, pois naquele não há a intervenção de agentes penitenciários nem policiais, os próprios detentos são os responsáveis tanto pela segurança do presídio como pela sua própria recuperação.
Os detentos participam de atividades diversas, freqüentam cursos profissionalizantes, em contrapartida, o modelo prisional tradicional pouco fomenta cursos profissionalizantes ao contrário o que se vê muito é o desenvolvimento da atividade de artesanato que, só é viável naquelas cidades em que o turismo predomina, a não ser isso o artesanato é de pouca utilidade para a ressocialização, pois muitas vezes é a própria família do detento quem compra o artesanato por ele produzido.
Não que a atividade do artesanato seja de todo inócua, de forma alguma, mas fomentar e estimular a profissionalização dos presos para capacitá-los para o mercado de trabalho é, sem dúvida mais eficaz para recuperação e valoriza a pessoa humana. E quanto a isso dispõe a LEP, in verbis:
Art. 32. Na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as oportunidades oferecidas pelo mercado.
§ 1º Deverá ser limitado, tanto quanto possível, o artesanato sem expressão econômica, salvo nas regiões de turismo.
Outra diferença entre o modelo APAC e o modelo tradicional é que naquele os próprios detentos são responsáveis pela disciplina, enquanto neste, os responsáveis são os agentes penitenciários, quanto a esta problemática em particular, não vislumbramos uma diferença tão substancial, pois pelo baixo nível de escolaridade dos detentos é um pouco temerário atribuir tamanha responsabilidade a eles, como também pelo histórico de violência, de todo tipo, inclusive de natureza sexual entre reclusos nos presídios.
No tocante aos ASPs, pelo que ultimamente tem se mostrado pelos veículos de comunicação, em especial os tele-jornais, existe uma verdadeira enxurrada de matérias mostrando a violência cometida pelos agentes contra presos que estão sob sua custódia demonstrando até mesmo a falta de preparo psicológico no desempenho de suas atribuições o que é passível de duras críticas e de providencias duras por parte do estado no sentido de coibir tão repugnáveis condutas.
Sendo assim, seria de bom alvitre que os dois modelos pudessem repensar e rediscutir a disciplina em outros moldes, v. g. que esta fosse desempenhada por agentes ressocializadores como profissionais da área da psicologia, assistência social, etc., pois pela experiência que adquirimos ao longo dos anos exercendo o cargo público de agente penitenciário, bem sabemos as mazelas que podem ser introduzidas em qualquer sistema pela figura do chaveiro, já discorrido nessa monografia no tópico das causas que inviabilizam a ressocialização no capítulo IV, e tão decantado até o momento pelo método APAC, para fundamentar nossa crítica, além dos problemas e conflitos ocasionados pela atividade do chaveiro no cotidiano prisional, também vivenciamos no ambiente carcerário que é natural do ser humano não aceitar de forma pacífica a subordinação a outro que esteja nas mesmas condições de igualdade.
È de se destacar no modelo APAC a preocupação de se evitar ao máximo à famigerada superlotação carcerária, os estabelecimentos dessas unidades são de pequeno porte com capacidade em média para cem detentos e a filosofia do método APAC é de trabalhar apenas com o limite da capacidade, evitando com isso, a superlotação, dando preferência aos detentos daquela localidade, para que possam estar cumprindo sua pena próximo aos seus familiares, valorizando sempre a pessoa humana.
Outra nota de destaque no sistema APAC, é que o detento que está na progressão de regime, este tem um acompanhamento profissional para avaliar seu comportamento, Maria Beatriz Martins da Anunciação, em sua monografia, Humanização da Execução Penal: comparação entre modelos prisionais aduz:
A vida prisional dos detentos é rotineiramente acompanhada no que se relaciona à progressão de regime concedida segundo a avaliação do seu comportamento. Ai atua a Comissão Técnica de Classificação, a CTC, formada por profissionais familiarizados com a filosofia apaqueana. Esses profissionais trabalham na classificação do interno quanto à necessidade de receber atendimento individualizado, nas recomendações para exames necessários à progressão de regime, tais como os toxicológicos, de sanidade mental e na avaliação de cessação de periculosidade (BEATRIZ, 2008, P. 17).
Enquanto no modelo tradicional prisional, esse tipo de acompanhamento por profissionais das áreas jurídicas, psicólogos, assistentes sociais, etc., só existe, na prática, enquanto o detento está efetivamente preso, isto é, no regime fechado, após a progressão de regime este acompanhamento não acontece, nem na saída do preso no regime semi-aberto, tampouco na saída do preso que saiu de livramento condicional, a não ser que este detento seja amigo do pessoal do quadro técnico, psicólogo, assistente social, etc..
Diferença gritante entre o modelo APAC e o sistema prisional tradicional fica por conta do item reincidência, segundo dados do Projeto começar de novo CNJ, a reincidência no sistema prisional atual é de aproximadamente setenta por cento, enquanto no modelo APAC, conforme dados da APAC de Itaúna, a reincidência gira em torno de seis a oito por cento, entende-se tão flagrante disparate entre os dois sistemas, pois diferentemente do modelo tradicional a APAC tem como meta que o apenado cumpra sua pena e passe por uma transformação nos valores éticos, morais, sociais e religiosos, humanizando a pena.
CAPÍTULO IV - A LEP E AS DIFICULDADES DE RESSOCIALIZAR
4.1) Histórico da Lei De Execução Penal
Consoante MIRABETE (2004), no Brasil, a primeira tentativa de uma codificação a respeito de execução penal foi o projeto de Código Penitenciário da República, de 1933, elaborado por Cândido Mendes, Lemos de Brito e Heitor Carrilho, que veio a ser publicado no Diário do Poder Legislativo, Rio de Janeiro, edição de 25-2-1937. Estava ainda em discussão ao ser promulgado o Código Penal de 1940, sendo abandonado, além do mais, porque discrepava do referido código. Mas, desde tal época, a necessidade de uma lei de execução penal em nosso ordenamento jurídico foi posta em relevo pela doutrina, por não constituírem o código penal e o código de processo penal lugares adequados para um regulamento da execução das penas e medidas privativas de liberdades. De um projeto de 1951, do deputado Carvalho Neto, resultou a aprovação da lei nº 3.274, de 2-10-1957, que dispôs sobre normas gerais de regime penitenciário. Tal diploma legal, porém, carecia de eficácia por não prever sanções para o descumprimento dos princípios e das regras contidas na lei, o que a tornou letra morta no ordenamento jurídico do país. Em 28-4-1957, era apresentado ao Ministro da Justiça um anteprojeto de código penitenciário, elaborado por uma comissão de juristas sob a presidência de fato do Vice-Presidente Oscar Penteado Stevenson. Por motivos vários, o projeto foi abandonado. Em 1963, Roberto Lyra redigiu um anteprojeto de Código de Execuções Penais, que não foi transformado em projeto pelo desinteresse do próprio autor em face da eclosão do movimento político de 1964. Em 1970, Benjamin Moraes Filho elaborou novo anteprojeto de código de execuções penais, submetido a uma subcomissão revisora composta por José Frederico Marques, José Salgado Martins e José Carlos Moreira Alves. Encaminhado ao Ministro da justiça em 29 de outubro daquele ano, não foi aproveitado. Enfim, em 1981, uma comissão instituída pelo Ministro da Justiça e composta pelos professores Francisco de Assis Toledo, René Ariel Dotti, Miguel Reale Junior, Ricardo Antunes Andreucci, Rogério Lauria Tucci, Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, Benjamin Moraes Filho e Negi Calixto apresentou o anteprojeto da nova lei de execução penal. Foi ele publicado pela portaria nº 429, de 22-7-1981, para receber sugestões e entregue com estas, à comissão revisora constituída por Francisco de Assis Toledo, René Ariel Dotti, Jason Soares Albergaria e Ricardo Antunes Andreucci, que contaram com a colaboração dos Professores Evandro da Cunha Luna e Sérgio Marcos de Moraes Pitombo. O trabalho da comissão revisora foi apresentado em 1982 ao Ministro da Justiça. Em 29-6-1983, pela mensagem nº 242, o presidente da República João Figueiredo encaminhou o projeto ao Congresso Nacional. Sem qualquer obrigação de vulto, foi aprovada a Lei de Execução Penal que levou o nº 7.210, promulgada em 11-7-1984 e publicada no dia 13 seguinte, para entrar em vigor concomitantemente com a lei de reforma da parte geral do Código Penal, o que ocorreu em 13-1-1985 (PIMENTEL, 1983 p.129).
4.1.1) A LEP e a Realidade Prisional
Os momentos do dinamismo penal (cominação, aplicação e execução das penas) demonstram que há um sistema global do direito penal integrado por diversos sistemas parciais. Tal situação pode levar a flagrantes contradições, já que não se pode negar a contrariedade existente nesse sistema de estabelecer a culpabilidade como fundamento de aplicação da pena e a periculosidade como fator determinante do regime de execução. São totalmente divergentes o processo de valoração de culpabilidade que é o fundamento jurídico para submeter o condenado ao cumprimento da sanção, necessário à fixação da pena, e à execução desta, teleologicamente destinada a promover a aptidão do condenado a uma convivência social sem violação de direitos.
Assim, o chamado processo penal de execução, e especialmente o das medidas privativas de liberdade, é, na verdade, um procedimento não só afastado essencialmente de muitos princípios e regras de individualização, personalidade, proporcionalidade da pena etc., como também um sistema em que a prisionização modela valores e interesses opostos àqueles cuja ofensa determinou a condenação. Como bem acentua René Ariel Dotti, apud (MIRABETE, 2004, p. 27).
Essa disfuncionalidade dos sistemas parciais, que levou à crise da execução penal, demonstrou a necessidade de uma política geral de governo e intervenção efetiva da comunidade para reduzir os índices alarmantes da criminalidade violenta. Resultou disso que o combate às causas e às condições determinantes da crise do chamado “sistema penal global” tem sido estudado e desenvolvido com meios e métodos que, embora relacionados mais ou menos intimamente com as ciências penais, são autônomos e oriundos de outras disciplinas e técnicas de atuação humana, com medidas de informação, dissuação e proteção destinada a atenuar o sentimento de insegurança social e, de outro lado, a preparação do preso para a vida social, seu acesso ao mundo do trabalho etc. Com fundamento nas idéias da nova defesa social e tendo como base as medidas de assistência ao condenado é que se elaborou a lei de execução penal.
Conforme se depreende do art. 1º, da LEP, in verbis: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmoniosa integração social do condenado e do internado”.
Sendo assim, numa interpretação literal é fácil extrair do texto as duas finalidades básicas da LEP. A primeira delas é a correta efetivação dos mandamentos existentes e a segunda proporcionar condições para que o condenado possa ser inserido novamente no meio social.
Partindo desses postulados que demonstram a finalidade da LEP, passemos a analisar quais seriam as supostas causas que inviabilizariam essa tão almejada reintegração do egresso ao convívio social.
4.2) Causas que Inviabilizam a Ressocialização
4.2.1) Superlotação Carcerária
É óbvio que não pretendemos esgotar todas as causas que torna inviável a ressocialização dos detentos, porém é necessário elencar as principais e dentre estas, destacamos a famigerada superlotação carcerária. Um dos mais graves problemas que atinge o sistema prisional brasileiro.
Ocorre que a nossa realidade prisional é bastante arcaica, além de serem mínimos os esforços envidados nas construções de novas penitenciárias, a grande maioria destas ainda são bastante velhas com construções totalmente inviáveis para o contingente carcerário atual, tornando a vida dos detentos insuportável, em virtude da falta de acomodação, de higiene, etc., pois conforme MIRABETE (2004), a prisão se destinava apenas ao homem que estava aguardando a instrução criminal ou a execução da pena, os locais para isso usados exigiam apenas características que lhe dessem condições de servirem a finalidade única do recolhimento, ou seja, a de impedir que o preso fugisse.
À medida que esses prelúdios cautelares para a aplicação ou execução da pena foram evoluindo e a privação de liberdade na prisão passou a ser adotada como pena surgiu à preocupação com os locais apropriados para essa nova finalidade. Mirabete traz relatos das primeiras prisões;
Segundo informações históricas, a primeira construção erguida especificamente para ali serem cumpridas penas privativas de liberdade, com características arquitetônicas que podem ser consideradas como ponto de partida para a arquitetura prisional, foi à prisão de sistema celular criada no século VI por são João escolástico nas proximidades do mosteiro de raite. Uma etapa importante na arquitetura dos estabelecimentos prisionais, porém, só ocorreu no século XIX, quando a preocupação com as possibilidades de fuga levou à criação do sistema de isolamento em celas individuais que, nesse aspecto, contribuiu para diminuir a promiscuidade reinante até então nos presídios. Essa preocupação às primeiras teorias a respeito dos regimes penitenciários fundados no sistema celular pensilvânico, reconhecendo-se então que o estabelecimento penal devia obedecer a um desenho especialmente idealizado para a prisão, ou seja, que ele devia ser construído em função dos objetivos propostos para a pena privativa de liberdade. A partir desse momento foi instalando-se a idéia de que o estabelecimento penal deveria ser construído em função das finalidades dessa sanção, em que se salientavam a prevenção penal e a recuperação do criminoso (MIRABETE 2004, p.249 e 250).
Ressalte-se que, mesmo após tanto tempo, as construções prisionais não satisfazem a segunda finalidade, ou seja, a recuperação do preso. Dito isto, urge salientar que os presídios atuais necessitam de reformulações de estrutura como acomodações e higiene, pois quanto a isso é preciso trazer à colação que celas de cerca de doze metros quadrados que, deveria abrigar de um a dois detentos, em regra, comportam cerca de vinte a trinta detentos, e, nestas, só tem uma privada, ou seja, um único vaso sanitário para que os detentos possam fazer suas necessidades fisiológicas e isto é um grande problema, a prisão é um poço de problemas, no dizer de Bitencourt, “O problema da prisão é a própria prisão” (BITENCOURT, 2008, p. 103).
Não há dúvidas que só a simples construção de novos presídios não resolveria de forma cabal todo o problema do sistema carcerário nacional, nem tampouco a superlotação, mas, com certeza, contribuiria bastante para atenuar, de forma significativa, o contingente carcerário, pois as mudanças não devem ser só de fachadas, isto é, só no aspecto material, mas também filosóficas, políticas, educacionais e sociais. Com relação ao déficit de vagas nos presídios brasileiros, conforme Nunes, “em dezembro de 2007 o País possuía cerca de 384.000 mil detentos, nas 1.189 unidades prisionais existentes” (NUNES, 2010, p. 230). Por ai já se percebe a flagrante desproporcionalidade entre a quantidade de detentos e a quantidade de penitenciárias construídas. Para que se tenha uma idéia do que isso representa, suponhamos que cada presídio dispusesse de 200 vagas (o que não é verdade, pois a grande maioria dispõe de um número de vagas menor que estas), o Brasil ainda estaria em déficit na metade das vagas em relação ao contingente prisional.
Os estabelecimentos prisionais brasileiros, em sua grande maioria, dispõem de pequenas celas, com pouco espaço, insalubres, úmidas e anti-higiênicas, e nestas, os detentos se amontoam como animais, de tal modo que, por muitas vezes, o preso chega a dormir sentado ou até mesmo revezar em pé com outros presos. Sem contar que nestas condições, muitas vezes o preso é obrigado a conviver com outros presos com doenças contagiosas como pneumonia, tuberculose, etc., pois não há área de isolamento, pelo menos é o que ocorre no presídio de Vitória, o que se verifica na prática é um isolamento apenas parcial, isto é, durante o dia o preso contaminado com o vírus da tuberculose fica numa área aberta separado dos demais, só que à noite por questões óbvias de segurança o tuberculoso é novamente fechado na cela apenas com uma máscara facial que não é de todo segura.
Conforme dados da enfermaria do PVSA, naquela unidade prisional tem um detento com AIDS, dez detentos com DST, três detentos com hanseníase, quatro detentos com tuberculose. O que comprova que o problema da superlotação tende a disseminar com maior facilidade a propagação das doenças contagiosas, tanto no âmbito prisional, como pode migrar para a comunidade através dos familiares dos detentos que mantêm contato com estes quando da oportunidade da visita semanal e dos encontros conjugais.
Para que se possa ter uma idéia, embora parcial, do problema da superlotação carcerária, analisaremos a totalidade interna do presídio de Vitória no dia 25-04-2010, que era de quatrocentos e trinta detentos, sendo que, só no pavilhão “A”, o contingente era de nada menos que cento e noventa e três presos, este pavilhão é o maior do presídio de Vitória com um total de 07 (sete) celas, todas com mais ou menos doze metros quadrados, isto significa dizer que há uma média de 27 (vinte e sete) presos aproximadamente por cela, o que é um verdadeiro absurdo, pois nestas condições convivem prisioneiros de alta periculosidade com prisioneiros de escassa ou nenhuma periculosidade que cometeram delitos ocasionais, sendo estes dominados muitas vezes pela maioria, e, tendo sua intimidade violada, causando com isso verdadeira deturpação mental, e, dificultando a ressocialização nessas condições até para o mais otimista adepto da ressocialização.
Sem contar que, desse total de quatrocentos e trinta detentos do PVSA, apenas oitenta e cinco são condenados os demais são provisórios, contrariando o preceito inserido no art. 102 da LEP que diz: “a cadeia pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios”. Em consonância com as regras mínimas da ONU, que preconizam que deve haver separação entre os presos sentenciados e os que estão cumprindo pena provisoriamente, pois a finalidade da prisão provisória é apenas a custódia daquele a quem se imputa a prática de um crime a fim de que fique à disposição da autoridade judicial durante o inquérito ou a ação penal.
O artigo 45, § 2º da LEP, proíbe o encerramento do preso em cela escura, pois muitas vezes são cometidos abusos a pretexto de disciplinar ou manter segurança, ocorre que, tais celas como as destinadas à triagem e ao castigo, embora não sendo escuras são inadequadas sem qualquer tipo de acomodação digna, sem contar que muitos detentos não têm sequer colchões. O confinamento nesse tipo de cela com infiltrações, sem aeração, mesmo por curto período de tempo, no caso da triagem (momento em que se avalia o perfil do detento recém chegado para ver qual o pavilhão que ele melhor se adapta), quinze dias, já no caso do castigo o detento pode ficar por até trinta dias, e, isso pode causar, sem dúvida, males físicos aos detentos.
Com efeito, tal tipo de cela fere a dignidade da pessoa humana, pois até mesmo no RDD, o regime mais rigoroso do nosso modelo prisional as acomodações das celas são imensuravelmente melhor do que as do PVSA, sem contar que no RDD os detentos ficam sós ou compartilham a cela no máximo com mais um detento, e, tomam banho de sol todos os dias por duas horas, enquanto no PVSA os detentos que estão de castigo que às vezes chegam a um número de dez, numa cela com capacidade para dois, só tomam banho de sol aos sábados por uma hora, na oportunidade em que se fazem a faxina da espera e do castigo.
Em se tratando das celas dos pavilhões do PVSA, dezenove ao todo, a maioria com capacidade para seis detentos, embora estas não sejam escuras e tenham aeração, entretanto, com um espaço aproximado de doze a dezesseis metros quadrados com aproximadamente trinta presos amontoados uns por cima dos outros, alguns presos chegam a dormir sentados e até em pé e isso demonstra um total desleixo e falta de comprometimento do Estado em relação aos detentos que estão sob sua tutela.
Ressalte-se que o art. 84, da LEP preconiza que os presos provisórios devem ficar separados do condenado por sentença transitada em julgado, o que não ocorre na realidade, e, isto causa um impacto negativo, tanto no que concerne a superlotação, como também pelo fato de se juntar num mesmo espaço um preso contumaz que às vezes é “doutorado” no crime com aquele preso ocasional, primário e provisório que muitas vezes no final do processo que o levou aquela segregação, sequer chega a ser condenado.
Além disso, contrariando dispositivos expressos da LEP, os locais de prisão e particularmente os destinados a alojar os presos durante a noite, devem, levando-se em conta o clima, corresponder às exigências mínimas de higiene e saúde, conforme preceitua o artigo 13, primeira parte da LEP, in verbis, “O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais (...)”. Destarte, as instalações sanitárias devem ser de tal modo disponível que o preso possa satisfazer as suas necessidades naturais quando sentir vontade, o que não ocorre na realidade, pois no Presídio de Vitória e nos presídios de Pernambuco de uma forma geral, numa cela, só existe uma privada, portanto, ocorre que, cada cela de doze metros quadrados comporta aproximadamente uma média de 27 (vinte e sete) presos, sendo assim, é indubitável que vários reclusos sentirão vontade de fazer necessidades fisiológicas ao mesmo tempo, em várias ocasiões detentos chegam a fazer suas necessidades em bolsas de plástico, o que é uma situação bastante difícil e constrangedora e tais situações fere o princípio da dignidade da pessoa humana inviabilizando a ressocialização.
4.2.2) Chamamento Nominal
Dentre os direitos do preso elencados no art. 41, da LEP, destacamos o chamamento nominal (art. 41, XI), que, a nosso ver, também, é causa impeditiva de ressocialização quando descumprido, o que ocorre freqüentemente, pois a maioria dos agentes ao invés de chamar o detento pelo nome (e aí são várias as causas, muitos presos, o agente não sabe o nome de todos, o que é praticamente impossível, etc.), chama o preso de “ladrão” e isso já criou um paradigma, ou seja, os novos agentes quando ingressam no sistema prisional, vêem os agentes antigos com esse tipo de tratamento e alguns aderem sem saber o porquê, como na história da experiência dos macacos[1]. E esse tipo de tratamento também afronta, sem dúvida, a dignidade da pessoa humana.
Decerto, quando o preso é tratado dessa forma denota-se claramente uma ofensa a sua integridade psicológica, pois nota-se visivelmente que o semblante deste muda, entretanto, mesmo assim, apesar da situação constrangedora, os presos continuam atendendo o chamamento pejorativo de alguns agentes por medo de retaliações.
4.2.3) Comércio no presídio
Outra causa que, a nosso ver, também é um fator que implica na inviabilidade da ressocialização é o comércio dentro do presídio, este, pode ser legal ou ilegal. Passemos a discorrer sobre o primeiro, trata-se da comercialização de gêneros alimentícios feita pelo próprio detento, ou seja, o detento tem a posse da cantina do presídio e isso tem gerado graves conflitos no âmbito prisional, pois os preços são super faturados ao ponto de uma “coca cola” ser vendida até por R$ 5,00 (cinco reais), na maioria das vezes os produtos são vendidos a prazo, o famoso fiado, e, quando o devedor não paga no dia combinado, geralmente o domingo, dia em que as visitas levam dinheiro para seus parentes reclusos, ocorrem vários fatores negativos no convívio prisional, quando o detento devedor cai nas graças do credor, no caso o cantineiro, o conflito se resolve com um acumulo de juro sobre a dívida, sendo que esse juro, pasmem, chega ao limite absurdo de até cento e cinqüenta por cento e a família do devedor não mede esforços para pagar tentando evitar que aconteça algo pior.
Quando o devedor não tem nenhuma credibilidade com o cantineiro, ai o problema é inevitável, chegando muitas vezes a lesões corporais e até morte do devedor, pois o dono da cantina tem sempre outros detentos que trabalham para ele, os chamados robôs, que fazem a cobrança de uma forma, digamos, não muito amigável.
Ocorre que, essas cantinas são normatizadas pela portaria nº 171/2006 de 30 de novembro de 2006, do Governo do Estado publicada no boletim interno da SERES (Secretaria Executiva de Ressocialização), nº 48/2006, de 01-12-2006, que dispõe em seu art. 3º, in verbis: “As cantinas em operação serão desativadas na medida em que o interno que a explore seja transferido para outra unidade prisional ou posto em liberdade”.
Pela redação do art. infere-se que há uma preocupação do governo do Estado de acabar gradativamente com este tipo de comercialização; acontece que na prática, esta recomendação é totalmente descumprida, pois quando um preso está para ser solto ou transferido ele trata logo de fazer o repasse (venda) da cantina para outro preso e isso é um círculo vicioso que nunca acaba, pois as autoridades competentes parecem desconhecer a recomendação da portaria que, denota claramente a vontade de acabar com este vínculo gerador de tantos problemas, e, por outro lado, o governo, através de seu órgão competente SERES, não fiscaliza se suas normas estão ou não, sendo cumpridas.
Na verdade, existe uma verdadeira concorrência para ver quem detém o monopólio destas cantinas que são vendidas por valores bastante elevados dependendo do presídio algo que gira em torno de R$ 15.000,00 a R$ 90.000,00, pois o lucro é muito grande em conseqüência dos preços abusivos, e, os detentos não dispõem de muitas alternativas, pois quando o presídio tem mais de uma cantina os donos destas combinam os preços, já quando tem apenas uma, é o caso do presídio de Vitória, o cantineiro detém o monopólio e pratica o preço que quer.
Certa feita um dono de cantina do presídio de vitória, perguntado se faltava pouco tempo para ele sair, isto é, para ser posto em liberdade, ele disse que, “não queria sair, pois lá fora ele não conseguiria ganhar tanto dinheiro em tão pouco tempo, já que, até trabalho para ganhar salário mínimo estava difícil”.
Isto demonstra que, além de todo transtorno que esse tipo de “negócio” entre o preso e o Estado causa, ainda inviabiliza a ressocialização do próprio beneficiado, sem dizer que o Estado proíbe qualquer tipo de negócio entre os seus agentes (agentes penitenciários) e os presos e ele próprio (Estado) mantém negócios com os detentos.
Outro tipo de comércio que há nos presídios, são os alugueis de eletrodomésticos e esses não são autorizados, ou seja, não tem nenhuma portaria disciplinando tal procedimento, sendo dessa forma, ilegal. O que há é uma autorização para o detento portar os aparelhos eletrodomésticos como: rádios e aparelhos de som “3 em 1” em modelos compactos e portáteis, ventiladores e TVs de até 14 polegadas, ocorre que, pela própria lógica, numa cela que, em média tem mais de vinte detentos, não vai ser viável ter igual número de televisão, sendo assim, poucos detentos têm autorização para possuir TVs em suas celas e é ai que entra o detento que aluga TVs, DVDs, vídeos games, ventiladores, etc.
Alguns detentos que gozam de certo privilégio chegam a ter cerca de cinqüenta TVs dentro da unidade prisional, sendo que o aluguel de cada aparelho de TV, custa em média R$ 10.00, levando o detento locador a obter um faturamento de aproximadamente R$ 500.00 por mês, só com as TVs, fora os outros tipos de locação.
4.2.4) Os Chaveiros
No sistema prisional Pernambucano existe uma figura denominada de chaveiro, este é um detento que goza de algumas prerrogativas diante da direção da unidade prisional, o chaveiro em regra é um detento de bom comportamento e por isso ganha a confiança do diretor e do chefe de segurança da unidade prisional.
O trabalho destes chaveiros é tomar conta do seu respectivo pavilhão, abrindo e fechando as celas destes, informando qualquer tipo de indisciplina aos ASPs, e tentando impor de alguma forma a disciplina interna no seu pavilhão e para isso eles são remunerados ganhando concessão e remissão decorrentes do direito do trabalho do detento.
Ocorre que, alguns dos detentos que assumem este encargo dentro da unidade criam muitos conflitos, pois em decorrência de certo poder que eles passam a ter, em virtude de manter as chaves de cada cela do pavilhão, da anuência da direção do presídio para que eles possam dirimir em primeiro momento qualquer eventual conflito, isto é, eles são uma espécie de monitores, o que acontece é que estes chaveiros são responsáveis para elaborar escalas de faxina nas celas e também no pavilhão, às vezes o critério para escalar os demais detentos é bastante subjetivo, ou seja, têm alguns que gozam da simpatia dos chaveiros, outros da antipatia, e quando algum detento se recusa a fazer a faxina por achar que o critério de escala é injusto, quase sempre ocorrem espancamentos; no PVSA já houve até rebelião no pavilhão “C”, pois os detentos não aceitavam mais o chaveiro daquele pavilhão e reivindicavam a sua imediata substituição.
Outra praxis comum de alguns chaveiros é o comércio das camas, chamadas na linguagem prisional de “barracos”; estas camas são feitas de cimento e o formato é de beliches, ou seja, uma embaixo e outra em cima, a debaixo é sempre mais cara (os detentos chamam as camas de baixo de BR ou de pista) girando em torno de R$ 300,00 a 400,00, este comércio quem detém o monopólio é o chaveiro, imperioso explicar que, quem compra a cama tem intenção de ficar por um bom período com esta, nesse caso, aquele detento que tem pena de mais de um ano para cumprir, inviabiliza o lucro ou o negócio do chaveiro, por isso este usa de certas artimanhas para tirar o antigo proprietário da cama e vender para um novo, sendo assim o chaveiro está sempre ganhando dinheiro, e, estas artimanhas são de todo tipo, desde mandar os amigos, também chamados “comparsas” ou “robôs” entrarem em luta corporal e espancarem o proprietário da cama, depois o chaveiro leva o nome do detento que apanhou para o ASP chefe de segurança, dizendo que ele provocou a confusão e por questão de segurança até do próprio indivíduo que apanhou é necessário que este seja transferido de pavilhão, e com isso a cama fica livre para outra efetiva negociação.
Como também, muitas vezes o chaveiro inventa qualquer tipo de acusação falsa, no linguajar deles “cutruca”, como v.g. dizer que o proprietário da cama está vendendo drogas etc. Com efeito, esta figura do chaveiro tem que ser repensada, talvez em outros moldes, com rodízios destes, sem muitos privilégios, com uma triagem melhor para escolher quem vai exercer tal função, pois nos moldes atuais tem sido fator gerador de conflitos e isso sem dúvida inviabiliza a reintegração dos detentos ao convívio social.
Em nossa experiência no trato com os detentos na unidade prisional já ouvimos queixas de presos dizendo o seguinte: “meu chefe se eu apanhasse de um ASP, eu ficava até calado, mas apanhar de um chaveiro! um detento igual a mim”.
E isto ocorre por haver, ainda, uma cultura de violência no sistema prisional de que qualquer cometimento de falta por parte dos reclusos deva desembocar em penas corporais, o que é vedado pela nossa constituição art. 5º XLIX.
4.2.5) Segurança X Ressocialização
É importante analisarmos a luz da LEP, bem como da doutrina, até que ponto todos os procedimentos de segurança e disciplina são compatíveis ou não inviabilizam a ressocialização; é indubitável que qualquer grupo social necessita de ordem e disciplina, indispensável em todas as manifestações da vida social, para que seja possível a convivência harmônica entre os indivíduos.
As prisões, como agrupamentos humanos que são, com a peculiaridade de serem compostas por pessoas que infringiram a lei, muitas destas não demonstraram a devida sensibilidade para obedecer às normas e costumes de convivência social enquanto estavam em liberdade, provavelmente continuarão desobedecendo as regras de convivência quando do momento do encarceramento. Um dos problemas básicos de uma prisão é a manutenção da disciplina nos estabelecimentos prisionais.
É evidente que não se pode permitir que se afrouxe a observância das normas vigentes em um estabelecimento penitenciário, criando-se a desordem e indisciplina, em contrapartida também é inaceitável que em nome da disciplina se estabeleçam normas rígidas e desumanas, que acabam por originar outros males como, revoltas, motins e desordens.
A despeito disso urge trazer à colação o problema das revistas nas celas, sem dúvidas, é um procedimento padrão para manter a necessária e mínima segurança, o problema é a maneira como esta é feita; em regra as revistas são feitas por ASPs, em algumas oportunidades podem ser feitas pela Polícia Militar em conjunto com os agentes. Não se discute a imperiosa necessidade das revistas.
A crítica fica por conta da maneira que é feita, é certo que não tem como deixar a cela arrumadinha como estava antes, pois é necessário olhar em todos os lugares e os ASPs, após o término das revistas, é obvio, não vão ter tempo de arrumar tudo, mas o que se contesta é, em alguns casos, alguns agentes rasgam colchões, travesseiros, fotos, roupas, a pretexto de encontrar drogas, o que na maioria das vezes não acontece.
É importante lembrar que o agente é de segurança e não ressocializador; querer que este desempenhe os dois papéis é muito difícil, a nosso ver; seria mais fácil o governo disponibilizar um quadro técnico com professores, psicólogos, assistentes sociais, que estivessem no dia a dia dos detentos imbuídos a este propósito de ressocialização, num contato direto, contínuo e permanente, enquanto os agentes de segurança desenvolvessem atividades voltadas apenas para área de segurança, tais quais: escolta dos detentos às audiências no fórum, ao hospital, realização de revistas, tanto nas celas como aquelas revistas que se fazem aos domingos nas bolsas de alimentos levadas pelos familiares dos detentos na oportunidade da visitação.
Ainda no tocante à segurança penitenciária, é bom lembrar que existe uma PEC de nº 308, tramitando no CN, para mudar a nomenclatura de Agente de Segurança Penitenciária, para Polícia Penitenciária; o lado negativo é exatamente no que tange à ressocialização, pois quanto mais o ASP se reveste das características repressoras da polícia, fica mais difícil estimular o lado educador destes, sem mencionar que a relação de confiança entre delinqüente e policial é bem mais difícil em virtude do histórico entre ambos.
Quanto às escoltas é importante trazer à colação que estas, por sua vez, são as mais perigosas para o ASP e porque não dizer até para o próprio detento, mas devemos analisar no caso concreto que, muitas vezes, também, determinadas escoltas não são de todo, tão perigosas, são aqueles casos em que o detento está preso por um porte de arma, sua conduta não é voltada para o mundo do crime, falta pouco tempo para ele cumprir sua pena (meses), seu comportamento carcerário demonstra claramente a possibilidade de reintegração social, a escolta tem três agentes armados para apenas um preso desarmado e que não é perigoso e surge a oportunidade deste detento precisar sair para um velório de um ascendente ou descendente, cônjuge, irmão etc. ou para uma consulta médica, odontológica, um casamento de uma filha, etc., o que ocorre com certa freqüência; não são difíceis tais situações, nesses casos, como já foi dito, analisando o caso em concreto, seria de bom alvitre não usar as algemas, haja vista a súmula vinculante de nº 11, do STF, dispor que:
Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado (Súmula 11 do STF).
Interpretando de forma literal a referida súmula editada pelo STF, extrai-se que no Brasil o uso de algemas é proibido, sendo assim, se faz necessário que haja uma regulamentação informando e uniformizando o uso de algemas, pois como é do conhecimento de todos no Brasil há um tratamento diferenciado de acordo com as diversas classes sociais.
Destarte, o uso da algema sem uma imperiosa justificativa ou necessidade causa um verdadeiro mal estar e constrangimento, tanto ao preso como para seus familiares, portanto quando não houver perigo de fuga nem ameaça de dano a integridade física dos agentes, do preso ou de qualquer outra pessoa, bom seria, dependendo do caso em concreto, se evitar esse tipo de constrangimento.
É bem verdade que não pretendemos esgotar todas as causas que podem inviabilizar ou tornar ineficaz a ressocialização, o assunto é delicado e de grande complexidade, demandando um estudo muito mais aprofundado.
CAPÍTULO V - POSSIBILIDADE DE RESSOCIALIZAÇÃO
5.1) Causas que Podem Viabilizar a Ressocialização
5.1.1) O Trabalho
O trabalho do detento é algo que causa grande polêmica, primeiro no tocante ao direito subjetivo do preso de trabalhar para remir seus dias de pena através do trabalho; a remição consiste em descontar de cada três dias trabalhados, um dia de pena. Na lição de NUNES (2009), “a remição é uma proposta do sistema e tem, entre outros méritos, o de abreviar, pelo trabalho, parte do tempo de condenação, três dias de trabalho correspondem a um dia de resgate” (NUNES, 2009, p. 153).
O tempo remido pelo trabalho, também será computado para efeito da concessão de livramento condicional, como também do indulto. Ocorre que, por conta da superlotação carcerária, não há trabalho para todos os detentos, portanto quem pode efetivamente se beneficiar com esse instituto, são aqueles presos que já estão no regime semi-aberto, já que o número de vagas disponível para os reclusos são desproporcionais ao número da lotação carcerária; para que se tenha uma idéia do problema, no PVSA, são disponibilizadas cerca de trinta concessões de emprego para um universo de pouco mais de quatrocentos presos.
Dessa forma, mais de trezentos e setenta presos vão ficar sem poder trabalhar, e, isso gera um prejuízo enorme, pois estes excluídos que, em sua grande maioria são oriundos de famílias pobres, deixam de manter suas famílias, que, também na grande maioria dependem do detento e passam muitas vezes a viver de mendicância, por falta de políticas que possam desenvolver programas que acolham as famílias de presos que dependiam única e exclusivamente destes.
Os detentos que não conseguem concessões para trabalhar, além de não receber seu respectivo salário, não podem remir seu tempo de pena, a não ser que estudem, pois como forma de estimular a educação nos presídios, a partir de 2001, foi garantido ao preso o benefício da remição pelo estudo, Súmula nº 341, do STJ, “A freqüência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semi-aberto”.
Necessário se faz nesse ponto tecer um breve comentário e uma crítica ao art. 127 da LEP, que aduz: “o condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido (...)”. Essa questão gerou bastante controvérsia entre os doutrinadores alguns como Silva e Boschi, (Apud, MIRABETE, 2004, p. 532), cujos dizem que tal dispositivo ofende o art. 5º, XXXVI, da CF/88, que assegura a inviolabilidade, diante de lei nova dos direitos adquiridos, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.
A despeito do art. 127 da LEP, que, para muitos viola tão relevante princípio constitucional do direito adquirido, o STF, já se posicionou através da súmula vinculante nº 9, estabelecendo que o referido dispositivo foi recepcionado pela ordem constitucional vigente.
Infelizmente discordamos, data venia, desse entendimento do STF, por razões muito óbvias, além de concordarmos que o disposto no art. 127, da LEP fere o principio constitucional do direito adquirido que deveria ser preservado, também não atentam para o princípio da proporcionalidade, pois vejamos, se o recluso tivesse adquirido dois anos de remição, por seis anos trabalhados e tivesse infringido o art. 39, II, da LEP, que aduz “ser dever do preso obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva se relacionar”.
Nesse caso em particular, trazendo a respectiva conduta para a esfera do direito penal criminalizando-a, talvez a segunda parte do dispositivo ora em comento subsume-se no tipo penal de difamação ou injúria, que, tem como preceito secundário o máximo em abstrato de um a três meses.
Ora, percebe-se, claramente, abraçando o princípio da proporcionalidade que este crime seria de competência dos Juizados Especiais Criminais, ou seja, da Lei nº 9.099/95, cujo procedimento fundamenta-se no não encarceramento, e, por conseguinte, principalmente por ser a ação penal de iniciativa privada, bem como com todos os institutos benéficos aplicados ao rito, no máximo, este indivíduo alcançaria, uma prestação de serviços á comunidade.
No que concerne às regras do sistema prisional, em sede de execução penal, com o cometimento da falta, o reeducando perderia toda a remição implicando, desta feita, numa imposição administrativa muito mais gravosa que a imposição jurisdicional.
Para parte da doutrina o trabalho é direito subjetivo do preso e já que o Estado obriga o preso sentenciado a trabalhar, pois para o provisório o trabalho é facultativo (art. 31,§ único da LEP), deveria beneficiá-lo com a remição, mesmo sem este desempenhar a atividade laborativa, já que a culpa de não ter vagas para o trabalho é única e exclusiva do estado, nesse sentido Osni de Souza, “Não se desincumbindo o Estado de seu dever de atribuir trabalho ao condenado, poderá este se beneficiar com a remição mesmo sem o desempenho da atividade. Não cabendo ao sentenciado a responsabilidade por estar ocioso” (OSNI DE SOUZA, apud, NUNES, 2009, P. 94).
Discussões a parte, a verdade é que o trabalho tem o condão de resgatar a dignidade ao ser humano, seja este preso ou livre. O trabalho nas prisões tem como objetivo principal a reintegração social do condenado, por isso deve-se levar sempre em consideração as habilidades, condição pessoal e as necessidade futuras do preso é o que preconiza o art. 32, da LEP. Ainda seria bom, embora saibamos das dificuldades, que o preso permanecesse desempenhando a atividade que exercia antes de sua prisão, pelo simples motivo de que com o tempo e a falta de praticar um determinado ofício, faz com que se perca gradativamente a capacitação, deixando o sentenciado de fora da competitividade do mercado de trabalho quando sair da prisão. Na lição de Nunes:
Imagine-se um bom pintor que sustenta a sua família com a sua profissão, gozando da liberdade. Preso, de repente não pode mais exercer a sua profissão dentro da prisão, porque as prisões brasileiras não oferecem a possibilidade de que ele continue exercendo suas atividades. É bem provável que passados meses ou anos ele seja desprofissionalizado, simplesmente porque não lhe foi oferecida a possibilidade de continuar desempenhando a profissão que adquiriu quando estava em liberdade (NUNES, 2009, p. 42).
O art. 28, caput da LEP, dispõe que, “o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”. Interpretando de forma literal este dispositivo, se depreende que a finalidade produtiva está intimamente ligada ao caráter profissionalizante, sendo necessário o Estado desenvolver políticas públicas, no sentido de disponibilizar empresas públicas ou fomentar empresas privadas através de parcerias para instalar dentro dos presídios fábricas para capacitar os detentos, oferecendo cursos profissionalizantes de acordo com as suas aptidões e conforme a procura no mercado de trabalho, além de manter parcerias extramuros com empresas para propiciar uma total reintegração social ao semi-aberto, ao preso em livramento condicional e ao egresso.
5.1.2) Assistência Religiosa
Em que pese às opiniões em contrário, pois na atualidade a religião não é o ponto principal nas prisões, nem ocupa posição central no sistema prisional, entretanto, esta ainda tem sido um dos maiores fatores positivos para reinserção social. Para Mirabete:
A religião tem, comprovadamente, influência altamente benéfica no comportamento do homem encarcerado e é a única variável que contém em si mesma, em potencial, a faculdade de transformar o homem encarcerado ou livre (MIRABETE, 2004, p.84).
O que temos acompanhado ao longo dos anos em nossa experiência prisional é que a religião tem propiciado aos detentos uma possibilidade marcante de reabilitação, pois esta tem influência bastante positiva no comportamento humano é visível e inegável, após os encontros religiosos, a transformação que ocorre no comportamento dos detentos, principalmente nas religiões cristãs, a propagação do evangelho vai se disseminando de forma bastante efetiva, muitas vezes, começa com um pequeno grupo de detentos cerca de quatro a cinco e em questão de meses se multiplica para cinqüenta, sessenta, sem dizer que eles se acalmam, passam a viver do trabalho ao culto, sem se envolver em problemas no presídio.
A religião é um direito constitucional assegurado a todos os brasileiros, inclusive aos presos, pois estes detêm todos os direitos fundamentais garantidos a todos, salvo o direito à liberdade (ir e vir), dessa forma, é necessário que se viabilize o máximo possível a pratica religiosa pelos seus bons frutos e pelos custos praticamente zero para o Estado, consoante Nunes:
Como para o exercício da religiosidade pouco se exige da administração prisional, quase sempre o templo religioso é construído e mantido pelos próprios detentos, com ajuda financeira das igrejas, talvez por isso a religião nos presídios exista com bons frutos, pois a religiosidade serve de amparo aos que violaram a lei penal, na maioria dos casos. No dia a dia das prisões, vê-se um contingente inusitado de condenados que são recuperados totalmente, mercê da interferência religiosa e da fé (NUNES, 2009, p. 40).
O Estado deve promover, sem ser de forma imposta, pois acima do objetivo de reinserir o condenado no seio social, está o direito constitucional fundamental de liberdade de culto e de consciência, à assistência a qualquer atividade religiosa como forma de recuperar o delinqüente, sabendo que, esta não é sozinha a chave exclusiva do sucesso, mas em consonância com outras medidas é uma possibilidade real deste.
5.1.3) Assistência ao Egresso
Um grande desafio para o egresso (liberado definitivo, pelo prazo de um ano a contar da saída do estabelecimento e o liberado condicional, durante o período de prova) é o retorno ao convívio social, não obstante, tenha o egresso condições para se reintegrar ao convívio em comunidade, mesmo assim ele sofre preconceito e é estigmatizado por sua condição de ex-presidiário. O art. 4º da LEP, diz que o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena. Ocorre que o estado não oferece serviços de assistência ao egresso que promova e possibilite efetivamente a reinserção social do condenado e muitas vezes este, não tem sequer o apoio da família que em sua grande maioria vivem em condições de extrema miséria.
Apesar do término da pena o Estado ainda tem responsabilidades com o ex-recluso, Nunes aduz: “geralmente despojado de todos os seus bens, abandonado pela família e pela sociedade, o ex-detento necessita de assistência integral do Estado, que impôs a pena e a executou” (NUNES, 2009, P. 43).
Na verdade, existem várias regras nacionais e internacionais tais como as regras mínimas da ONU, a própria LEP e sua exposição de motivos, que dispõem sobre assistência ao egresso, o problema esta na falta de aparelhamento Estatal que não consegue desenvolver políticas públicas sequer para as áreas de saúde, educação, emprego etc., muito menos vai existir vontade política por parte das autoridades competentes, para desenvolver políticas públicas para resolver o problema do egresso, mas se tiver o mínimo de vontade política resolve o problema.
Outro fator importante seria o legislativo editar lei especial que proibisse a discriminação contra o ex-detento, evitando com isso que este fosse preterido em relação a emprego e para que não sofresse qualquer forma de preconceito o que acaba com a auto-estima. Isso já existe no direito comparado em alguns países.
5.1.4) Construção de Presídios e Cadeias Públicas
É válido ressaltar que tão somente a construção de presídios e cadeias públicas, por si só não vão resolver todo problema carcerário, por se tratar de questões muito mais complexas envolvendo uma gama bem maior de soluções, entretanto, esta proposta já minimiza bastante o problema de superlotação, haja vista no Brasil sempre houve um déficit carcerário em torno de cinqüenta por cento, conforme Nunes: “O Brasil sempre dispôs de metade de vagas em relação em ao contingente prisional” (NUNES, 2009, P. 230).
Com certeza, tal medida disponibilizaria de um maior número de vagas desafogando a grande população carcerária. Quanto às cadeias públicas, estas propiciariam uma maior possibilidade do convívio entre o detento e seus familiares, até porque, estas são destinadas ao recolhimento de presos provisórios como aduz o art. 102, da LEP, no entanto, o que se vê na realidade é um montante bastante considerável de presos provisórios recolhidos em presídios longe da família e as cadeias públicas em completo abandono, sofrendo intervenção e sendo desativadas, nesse sentido Nunes:
Reportagem divulgada pelo Jornal do Comércio de recife constatou que das 97 cadeias públicas existentes no interior do Estado de Pernambuco, 23 delas estão completamente desativadas, por falta de manutenção e por descaso das autoridades públicas. Tal fato, com efeito, faz com que os detentos sejam deslocados para as grandes cidades, dificultando o acesso da família aos reclusos (NUNES, 2009, P.232).
Infelizmente, consoante uma interpretação teleológica da LEP, percebemos que a finalidade desta lei é a presença e permanência do preso próximo à família, muito embora isso seja flagrantemente desrespeitado em nosso país. Corroborando tal pensamento, há pouco tempo, cerca de dois anos a cadeia pública de Santa Cruz do Capibaribe, com uma população carcerária de aproximadamente noventa presos, em sua grande maioria detentos daquela citada região, foi desativada migrando seus reclusos para os presídios de Caruaru, limoeiro, vitória e recife, com certeza causando transtorno para os respectivos familiares dos detentos.
Um problema a ser enfrentado por parte das autoridades em relação às construções dos presídios e cadeias públicas é concernente à resistência por parte da sociedade em não querer a construção destes em área urbana ou nas suas imediações é como se os detentos fossem leprosos e aqueles que infringiram a lei tivessem que ser banidos e esquecidos da sociedade. No PVSA, atualmente, dos mais de quatrocentos presos mais da metade é de outras comarcas.
5.1.5) Aplicação de Penas Alternativas e Restritivas de Direito
As penas alternativas hoje são uma verdadeira conquista em matéria de política criminal, pois no dizer de Nunes: “Estas representam mecanismos sociopolíticos indispensáveis à construção de um novo tempo, de realidades exeqüíveis e finalidades definidas, que são exigências de sociedade brasileira” (NUNES, 2009, p. 234).
Vislumbramos claramente a possibilidade da inserção das penas alternativas e restritivas de direito para suplantar uma importante fatia da crise prisional, pois vejamos quão fundamental e eficaz para ressocialização a aplicação das tais penas a partir dos pontos positivos destacados pelo professor Nilzardo Carneiro Leão:
1- Permitem ao condenado permanecer em sociedade com sua família, não perder o trabalho e reparar o dano decorrente de sua conduta.
2- A não utilização do cárcere e, em conseqüência, impede-se a superlotação e os gastos de manutenção.
3- Permitem a modificação da imagem que tem a sociedade em relação aos que praticam ilícitos penais, ao constatar que os infratores não são, sempre, forçosamente, indivíduos negativos, mas recuperáveis socialmente.
Impedem o isolamento produzido na prisão e suas distorções permitindo ao infrator continuar na sociedade realizando tarefas normais a que está habituado e para os que estão acostumados a ouvir a frase “pagar a dívida para com a sociedade”, as penas alternativas tornam essa expressão realidade (CARNEIRO LEÃO, apud, NUNES, 2009, P. 234).
Sem dúvidas, os pontos destacados pelo professor Nilzardo podem obter um grau de eficiência para o problema da ressocialização, pois o encarceramento por si só já é um fator determinante para o fenômeno da dissocialização, a saber, quando o indivíduo é encarcerado, no sistema prisional tradicional, além de todos os pontos negativos debatidos ao longo desse trabalho, ele ainda passa por um período de inabilitação para o trabalho fator preponderante para o retorno meio social.
Também é fato que a prisão não tem sido eficaz na recuperação dos condenados, pois conforme Nunes (2009, p. 235), o índice de reincidência no Brasil é de aproximadamente 85% e o custo de cada preso ao mês para o erário público é 700 reais, destarte, seria de bom alvitre que fosse implantada uma política de conscientização voltada para o acolhimento das penas restritivas de direito, pois no cotidiano carcerário observa-se que muitos detentos teriam direito a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, é o caso dos detentos que são condenados ou que ainda sequer foram condenados, pelo cometimento do crime de furto simples, caput do art. 155, que, no seu preceito secundário, preconiza a sanção de um a quatro anos de reclusão.
Nesse caso, o crime não é praticado mediante violência nem grave ameaça contra a pessoa, e, ocorre que muitas vezes o réu não é reincidente em crime doloso fazendo jus a substituição, conforme dispõe o art. 44, I e II do CP, in verbis:
Art. 44. As penas restritivas de direito são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I- Aplicada pena de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou qualquer que seja a pena aplicada se o crime for culposo;
II- O réu não for reincidente em crime doloso.
O grande problema é que muitas vezes por causa da prisão em flagrante, e, porque também o preso não tem sequer condições de pagar a fiança que por muitas vezes é arbitrada no âmbito da delegacia de polícia pelo delegado, nos casos de crimes apenados com detenção, o infrator chega ao presídio e por falta assistência judiciária amarga um bom tempo encarcerado quando deveria ter sido substituído sua pena pela restritiva de direitos.
E por falar em assistência judiciária, vale ressaltar que a unidade prisional de Vitória de Santo Antão, PVSA, encontra-se desde o mês de abril do corrente ano sem assessor jurídico, os requerimentos de progressão de regime estão sendo assinados pelos próprios reclusos, um verdadeiro descaso por parte do Estado e um descumprimento ao art. 16 da LEP.
CONCLUSÃO
Nossa proposta, neste trabalho monográfico, foi fazer uma aferição acerca da aplicação da pena e seus institutos no hodierno ordenamento jurídico pátrio. Ora, analisar a própria instituição da pena e verificar que o conceito de Direito Penal e de pena se misturam na linha do tempo é fundamental para que possamos perceber que, a bem da verdade, a pena enquanto prevenção e repressão já evoluíram consideravelmente, quando nos reportamos às penas capitais e à vingança privada. Entrementes, muito ainda há a se evoluir quando adentramos nesta temática.
Adentrar nesta seara de apreciação que, para muitos, parece saturada de discussão, é mergulhar em um universo que atrela o Direito Penal a outras ciências humanas, já que este advém do fato social e a ele é dirigido.
Procuramos nesta monografia alertar autoridades públicas e a sociedade para a importância de reintegrar estes reclusos de forma harmoniosa ao seio de suas famílias evitando com isso a volta à delinqüência que afeta, sem dúvidas, todo o organismo social.
Procuramos confrontar a realidade prisional com a norma que disciplina a execução penal, (LEP) e, verificamos que alguns dispositivos deste diploma legal simplesmente vigem, mas não produzem eficácia alguma.
E isto ocorre porque, na realidade tais dispositivos da Lei de Execução Penal e da própria Constituição, por muitas vezes, são desrespeitados flagrantemente ocasionando uma verdadeira desarmonia entre o cumprimento da pena e a reinserção social do detento.
Abordamos no capítulo II a pena sob diversos aspectos, sua evolução histórica, suas fases com mudanças sempre no sentido de humanizá-la, além de analisar e apontar a finalidade precípua desta. Destacamos a execução da pena em diferentes momentos e culturas.
No capítulo III, apresentamos alguns sistemas prisionais mais relevantes para o presente estudo, sistema Pensilvânico, sua origem histórica e características; sistema auburniano, suas características, evolução histórica e fizemos um comparativo entre os dois sistemas, analisamos as causas que determinaram o fracasso dos mencionados sistemas, abordamos o sistema progressivo e o sistema atual APAC, traçamos um paralelo entre o modelo tradicional prisional e o modelo APAC, para extrair dos modelos analisados o melhor método implantado por estes para identificar o que melhor se adapta à proposta de reinserção social do detento.
Apresentamos ainda, no capítulo IV, possíveis causas que a nosso ver podem inviabilizar uma efetiva reintegração social do preso, pois estas têm como nascedouro a própria unidade prisional. Indicamos no capítulo V, algumas soluções para se ter uma efetiva ressocialização.
Destarte, este trabalho demonstrou que apesar do quadro caótico das prisões em que é ferida a dignidade da pessoa humana de forma brutal e violenta, através de tortura, maus tratos e até de condutas omissivas por parte das autoridades competentes, como o descaso do Estado, pois não basta simplesmente encarcerar o condenado, mas também, urge a necessidade de recuperação deste, muito embora, ultimamente, a mídia e os meios de comunicação em geral, apontem cada vez mais para o problema, mostrando a questão da violência dos próprios agentes estatais contra os reclusos através de vídeos com imagens chocantes.
Mesmo assim, esse trabalho conclui que é possível ter uma concreta e real ressocialização a partir de mudanças comportamentais, implementação de políticas voltadas para o efetivo cumprimento das leis existentes, o comprometimento e parceria por parte do Estado e da sociedade civil, para com isso, possibilitar de forma harmoniosa o retorno do transgressor da norma ao convívio social, bem como suplantar de uma vez a famigerada fábrica dos horrores que é o sistema prisional hodierno.
Notas
[1] Sobre a experiência dos Macacos, uns cientistas fizeram uma experiência com cinco macacos, colocando-os em uma sala fechada onde havia no centro uma escada e no topo um cacho de bananas, assim que os macacos entraram na sala um correu para subir as escadas e pegar as bananas quando isso aconteceu os cientistas deram um fortíssimo jato de água fria nos outros macacos, quando o macaco parou de subir a escada o jato parou, assim toda vez que um macaco tentava se aventurar a subir a escada rumo às bananas os outros batiam nele, até que foi substituído um macaco por outro e o novato assim que entrou na sala fez menção de se dirigir para as bananas e os outros macacos percebendo suas intenções de pronto começaram a lhe bater, os que batiam sabiam por que estavam batendo, já o que estava apanhando não sabia o porquê e assim, sucessivamente foram trocando os macacos, e à medida que ia entrando um novato e se dirigia para as bananas apanhava dos demais daqueles que sabiam do motivo e do que não sabia, até que trocaram todos que sabiam sobre o jato d’água, e, no final, só tinha macacos que batiam e apanhavam sem saber o motivo. (Disponível em: http//www.heptagon.com.br/Macacos. Acesso em 02-06-2010).
Referências Bibliográficas
ANUNCIAÇÃO, Maria Beatriz Martins da. Humanização da Execução Penal: comparação entre modelos Prisionais. 2008.
BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2008. V. 1.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1988
Código Penal brasileiro Decreto Lei nº 2.848, de 7 de Dezembro de 1940
Código de Processo Penal brasileiro Decreto Lei nº 3.931, de 11 de Dezembro de 1941
FOUCALT, Michel. Vigiar e Punir – 26ª ed. Ed. Vozes – Petrópolis: 2002
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª. ed. São Paulo: Atlas, 2002
GOMES, Luiz Flávio. Comentários a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos: Pacto de San José da Costa Rica – 2ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Ed. RT, 2009
http://www.CNJ.Jus.br/índex.php?/tenid=740&id=58268opition=com_content&view=artide Acesso em, 09-06-2010
http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=conteúdo&pid=1391 Acesso em 09-06-2010
KANT, Emmanuel. Princípios Metafísicos da Doutrina do Direito – México: 1978
MIRABETE, Júlio Fabrine, Execução Penal: comentários à Lei 7.210 de 11-7-1984, 11ª ed. – rev. E atual. – São Paulo: Atlas, 2004
MIRABETE, Júlio Fabrine. Manual de Direito Penal, Volume 1 : parte geral, arts. 1º a 120 do
CP – 24ª ed. ver. e atual. – São Paulo: Atlas, 2007
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, Parte geral e especial – 6ª ed. rev. atual. e Ampliada – São Paulo: RT, 2009
NUNES, Adeildo, da Execução Penal, 1ª ed. – Rio de Janeiro: Forense 2009
[*] Monografia, de final de Curso de Graduação apresentado à Faculdade do Vale do Ipojuca, FAVIP, na área de concentração em Direito Público, como requisito parcial, para obtenção do título de Bacharel em Direito.
Ano de elaboração: 2010
ADOREI.... VOCÊS TEM ALGUMA COISA SOBRE O INDULTO?
ResponderExcluirMEU TEMA DE MONOGRAFIA É UMA ANALISE CRITICA AO INDULTO...
AGUARDO EDLA