No julgamento da ADI 2113/MG, o STF examinou a constitucionalidade do art. 4º da Lei Estadual 13054/98, que embora nominalmente dispusesse sobre o transporte de preso provisório ou condenado, acabou por, mediante emenda parlamentar, instituir quadro suplementar de assistente jurídico e prever a sua ocupação por servidores no exercício de outras funções, equiparando seus vencimentos aos dos Defensores Públicos.
Eis o teor do dispositivo questionado:
Art. 4º - Fica criado, na estrutura organizacional da Secretaria de Estado da Justiça e de Direitos Humanos, o quadro suplementar de Assistente Jurídico de estabelecimento penitenciário, sendo assegurado ao servidor estadual investido na função de assistente jurídico de estabelecimento penitenciário o direito de permanecer nessa função, que será extinta com a respectiva vacância.
§ 1º - Fica limitado a cinquenta o número de funções do quadro suplementar a que se refere o “caput” deste artigo, sendo atribuída a seus ocupantes a remuneração correspondente à de Defensor Público de 1ª Classe, observada a carga horária deste.
§ 2º - O servidor investido em função do quadro suplementar a que se refere o “caput” deste artigo não fará jus ao pagamento do Adicional de Local de Trabalho, previsto na Lei nº 11.717, de 27 de dezembro de 1994.
§ 3º - Fica proibida a transferência de servidor bacharel em Direito para exercício de função ou atividade advocatícia em penitenciária ou na Defensoria Pública, salvo se classificado em concurso público.
Assentou a Corte, por unanimidade, a inconstitucionalidade do preceito. Abaixo, os destaques da Sessão, colhidos do voto da Ministra Cármen Lúcia.
Da Inconstitucionalidade Formal
Na esteira dessa opção constituinte é que o art. 61, § 1o, inc. II, alíneas a e c, da Constituição da República estabelece ser da competência privativa do Chefe do Poder Executivo - no plano federal, estadual e municipal - a iniciativa de leis que disponham sobre criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta e autárquica ou aumento de suas respectivas remunerações e, ainda, sobre servidores públicos e seu regime jurídico.
Exatamente nessa linha foi a manifestação do Ministro Octavio Gallotti no julgamento da Medida Cautelar desta Ação Direta de Inconstitucionalidade:
"Na espécie dos autos, foi a emenda introduzida em projeto de iniciativa da Assembléia, originalmente destinado a regular o transporte de presos, mas inovou no trato da matéria reservada a projeto de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, consistente em criação de quadro, alteração de regime jurídico e aumento de remuneração, incidindo, assim, na vedação do art 63, I, combinado com o art. 61, § 1o, II, a e c da Constituição" (DJ 27.6.2003).
6. Exatamente por prevalecer esse entendimento é que os Estados- membros devem obrigatoriamente obedecer, em nome do princípio da independência e da harmonia entre os poderes, ao disposto nos arts. 61, § Io, inc. II, e 63, inc. I, da Constituição da República, assegurando-se, de um lado, aos governadores a iniciativa de lei sobre as matérias ali elencadas e, de outro, vedando a possibilidade de emendas parlamentares apresentadas em projetos de lei de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo resultarem em aumento de despesas.
Dúvidas não remanescem, portanto, de que, ao atribuir aos ocupantes de funções do quadro suplementar de assistente jurídico de estabelecimento penitenciário "a remuneração correspondente à de Defensor Público de Ia Classe" (art. 4o, § Io, da Lei mineira n. 13 .054/1998), por força de emenda parlamentar a projeto de lei que caberia privativamente ao Chefe do Poder Executivo, o Poder Legislativo mineiro acabou por gerar aumento de despesa, sem a prévia dotação orçamentária.
Impossibilidade de Convalidação do Vício de Iniciativa Pela Sanção do Chefe do Poder Executivo ao Projeto de Lei Viciado
8. De se observar que a Constituição mineira (art. 70, § 2o) dispõe que "A proposição de lei, resultante de projeto aprovado pela Assembléia Legislativa, será enviada ao Governador do Estado, que, no prazo de quinze dias úteis, contados da data de seu recebimento: I - se aquiescer, sancioná-la-á; ou II - se a considerar, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrária ao interesse público, vetá-la-á total ou parcialmente. ... §2° -A sanção expressa ou tácita supre a iniciativa do Poder Executivo no processo legislativo."
Embora tenha havido, no caso, a sanção do Governador do Estado àquela proposição legislativa que se veio a converter na Lei mineira n. 13.054/1998, e não tenha havido a arguição de inconstitucionalidade daquela norma constitucional estadual, é de prevalecer, na espécie, a jurisprudência do Supremo Tribunal para esses casos, assentada no sentido de que "a só vontade do Chefe do Executivo - ainda que deste seja a prerrogativa institucional usurpada - revela-se juridicamente insuficiente para convalidar o defeito radical oriundo do descumprimento da Constituição da República" (ADI 1.070-MC/MS, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 15.9.1995)
Patenteada está, pois, a inconstitucionalidade formal das normas impugnadas, por ofensa aos arts. 2o, 37, inc. X, 61, § Io, inc. II, alíneas a e c, e 63, inc. I, da Constituição da República.
Da Inconstitucionalidade Material
A investidura permanente na função pública de assistente penitenciário por parte de servidores que exerciam funções ou cargos públicos diversos patenteia ofensa ao art. 37, inc. II, da Constituição da República, sobretudo quando se verifica a equivalência entre as suas atribuições com as de defensor público, cuja investidura no cargo depende de prévia aprovação em concurso público.
10. Tal como asseverado pelo Ministro Octávio Gallotti, na espécie dos autos, as normas impugnadas afrontam os arts. 5o, caput, e 37, inc. I, da Constituição da República, pois restringem o acesso à função pública de assistente jurídico penitenciário àqueles que já exercem funções no Poder Executivo mineiro.
11. Não bastasse isso, tem-se que o art. 4o da Lei mineira n. 13.054/1998 conferiu aos servidores estaduais investidos na função de assistentes jurídicos penitenciários "o direito de permanecer nessa função, que será extinta com a respectiva vacância".
Entretanto, quando não vinculada a um cargo, a função pública tem natureza precária e, por isso mesmo, não se coaduna com a 'estabilidade' que se pretende conferir a determinados interessados pela norma impugnada.
Dessa forma, a ‘estabilidade' conferida aos assistentes jurídicos penitenciários pelo art. 4o da Lei mineira n. 13.054/1998 destoa da Constituição da República, em especial dos seus arts. 37, inc. II, e 41.
12. Finalmente, cumpre ressaltar que, ao definir que os assistentes jurídicos penitenciários receberiam "remuneração correspondente à de Defensor Público de Ia Classe", o legislador mineiro reconheceu o que se poderia denominar equiparação - igualmente proibida pela Constituição brasileira.
A uma, porque o art. 37, inc. XIII, da Constituição da República é taxativo ao vedar "a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal".
A duas, porque o art. 39, § Io, inc. II, da Constituição da República estipula que "a fixação dos padrões de vencimento (...) observará: (...)II - os requisitos para a investidura". De se ver que, inexistindo correspondência entre a investidura no cargo de defensor público e aquela que se dá na função de assistente jurídico penitenciário, não poderia o legislador mineiro estabelecer relação de correspondência entre os vencimentos destes e daqueles.
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