Uma das propostas aprovadas pela Comissão responsável pela elaboração do anteprojeto do Código de Processo Civil consiste em facultar às partes a produção extrajudicial de provas. A recente publicação da ata da reunião em que se discutiu o tema permite verificar as razões, favoráveis e contrárias, à inovação, que não logrou alcançar unanimidade entre os juristas. As falhas na transcrição impedem que se estabeleça os nomes de todos os que se pronunciaram num e noutro sentido. Como quer que seja, já são de enorme valor os argumentos expendidos, para que se compreenda o alcance e os objetivos da mudança.
Eis os excertos da ata relativos aos debates sobre a proposta:
SR. ADROALDO FURTADO FABRÍCIO: Eu tenho outra observação. Pouquinho disfarçado aqui no item 6, habilidosamente disfarçado pelo Dr. Bruno, há uma sugestão de que as partes, as provas pudessem ser produzidas fora de juízo. Não concordo em absoluto.
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Não é da nossa... Acontece o seguinte, nós temos que ter uma visão prática. Esse anteprojeto vai passar pelo Supremo. E, evidentemente, que nós sabemos uma tradição já...
ORADOR NÃO IDENTIFICADO [01:18:26]: O advogado convoca testemunha, a parte não vai, a testemunha não vai...
[falas sobrepostas]
SR. ADROALDO FURTADO FABRÍCIO: Como eu adiantei informalmente a V. Exa., eu tenho até uma ideia mais avançada do que essa que é a de transferir para uma fase prévia, extrajudicial, a fase postulatória. Formulação dos pedidos e contrapedidos e respostas—
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Mas isso é lá no processo de conhecimento.
SR. ADROALDO FURTADO FABRÍCIO: Bom, mas quanto à prova me parece que ela precisa ser produzida sob a direção do juiz. Então, neste ponto isolado, me permita divergir.
SR. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR: A minha ponderação é na sequência do pensamento do Professor Adroaldo, é que o nosso processo hoje está totalmente constitucionalizado. Então, uma inovação em matéria de prova vai atritar com a Constituição, que é o contraditório. Então, fazer uma prova extrajudicial não passa na discussão pública hoje. Acho que cair na Ordem dos Advogados...
Nesse sentido amplo, de ampla defesa e contraditório, na formação da prova, isso pode ser muito bonito no direito anglo-saxônico, mas não casa com nosso sistema constitucional do processo.
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Não, isso aí vai ser votado agora. Vamos votar. Tem que votar. Isso aí não pode... Nós vamos votar esse item 6 com essa, com esse enfoque que o Professor Humberto Theodoro acaba de dar, porque é importante. Nós vamos passar isso aqui pelo crivo do Supremo. Não adianta uma ideia magnífica... Nós estamos discutindo aqui até o item 5...
SR. BRUNO DANTAS: Não, absolutamente. Até o pragmatismo com quem trabalho aqui no Parlamento não me permitiria fazer uma defesa de tese [ininteligível]. Mas o motivo que me fez propor isso, evidentemente que não desconheço que os americanos estão caminhando um pouco no sentido inverso, como nós também estamos caminhando no sentido do precedente, súmula vinculante, vamos chegar a um ponto em que vamos nos encontrar, mas o que considerei, e gostaria de manifestar, é que essa produção de prova extraprocessual, fora do processo – evidentemente que não estou defendendo que seja imune à censura judicial, é óbvio que não estou propondo isso – o juiz avaliaria a prova produzida na presença dos dois advogados, das duas partes. A prova foi produzida, foram ouvidas, sei lá, duas, três testemunhas sentadas no escritório de uma delas, o advogado de uma assinou, o advogado da outra assinou, estão de acordo com aquele depoimento, mandou para o juiz, o juiz achou que está bom. Qual o problema? Qual o problema? Isso... Isso me traz—
ORADOR NÃO IDENTIFICADO [01:26:44]: O problema é outro. É que isso é inexequível no Brasil. Advogado nenhum vai sentar com o outro para ouvir o testemunho do adversário—
SR. BRUNO DANTAS: Mas se o código nem der essa possibilidade, professor, aí que não vai ter nunca mesmo.
ORADOR NÃO IDENTIFICADO [01:26:53]: Pois é, mas é uma coisa muito [ininteligível].
ORADOR NÃO IDENTIFICADO [01:26:57]: As testemunhas podem não comparecer também. Eu acho bem interessante, bem ousada. Mas eu acho um complicador do ponto de vista de estrutura de advogado. Quer dizer, não há... Eu acho que a ideia do Professor Adroaldo me pareceu interessante, que é fazer desjuridização da fase postulatória, o que levaria a algo parecido, porque levaria a uma consensualidade ao encontro de advogados até o momento de eles judicializarem o processo. Se entrarem na prova, a judicialização seria só para a prova, a partir da prova. Eu acho bem interessante, mas eu acho que é difícil. A testemunha não vai ser obrigada a ir com uma intimação do advogado no escritório do outro... Eu acho que é bem interessante, mas eu não acho que culturalmente nós vamos ter alguma dificuldade. É a minha opinião. Eu sou adepto dessas idéias, mas eu tenho uma certa preocupação com isso.
ORADOR NÃO IDENTIFICADO [01:29:42]: Isso. Aí um pouco a propósito do que disse Professor Humberto Theodoro Júnior, eu reconheço que não é da nossa cultura, até porque há uma vedação hoje. A minha proposta não é obrigar a produção extraprocessual, é facultar. Se chegar às mãos do juiz, que o juiz considere aquilo. Ponto.
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Estaria dentro daquelas provas moralmente legítimas e legalmente... 232... Dentro daquela regra geral. Poder especificar dentro daquela regra geral a possibilidade de produção extrajudicial sujeito ao crivo do Juízo a controvérsia.
ORADOR NÃO IDENTIFICADO [01:30:17]: Exatamente. Com a presença dos advogados das partes.
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: É só uma ideia. Facultar. Uma faculdade. Professor Bedaque, a faculdade do adversarial system. Basicamente é isso.
SR. JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE: Com todo respeito ao Bruno, eu não vejo que... Eu não vejo essa providência como algo exequível no Brasil, tendo em vista a nossa cultura, tendo em vista... Existem peculiaridades no direito inglês, no direito americano em relação a isso que nós não temos aqui. Lá, se o advogado não toma essas iniciativas extrajudiciais, muitas vezes anterior ao processo, ele chega a ser... não diria apenado, mas há uma... Um mal visto pela... Aqui eu duvido da eficácia disso. Só é a única ponderação que faço.
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Não acha conveniente?
SR. JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE: É aquela história da monitória. Hoje ninguém mais ouve falar em monitória no Brasil inteiro.
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Professor Humberto?
SR. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR: Eu já externei minha opinião, mas quero dizer que dentro do espírito da reforma, ela não é compatível, porque isso não simplifica. Porque, fazendo uma prova antes, ela vai gerar duas discussões: uma no escritório do advogado, e que ninguém vai concordar com essa prova dentro do processo, e vai fazer a judicialização e vai ter um contraditório sobre ela e vai ter que repetir.
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Então vou adotar essa expressão do Professor Humberto. A judicialização da prova: sim ou não? Pronto. A judicialização da prova: sim ou não? A judicialização já está.
[falas sobrepostas]
ORADOR NÃO IDENTIFICADO [01:31:11]: Acho que nós temos que manter o sistema de hoje. Só com observação de que talvez a gente alcance o resultado prático similar com a proposta que virá do Professor Adroaldo da fase processual.
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Professor Adroaldo, então nessa fase agora da manutenção do sistema da prova sobre o crivo do judiciário ou extrajudicial? Agora, na parte geral.
SR. ADROALDO FURTADO FABRÍCIO: Me parece que a prova deve ser, deve continuar a ser produzida em Juízo, até porque na tradição do nosso sistema existe uma fase de admissão da prova, que só o juiz pode fazer: admitir ou não admitir um determinado meio de prova. Se os advogados vão escolher que provas vão fazer e como vão fazer, como disse o Humberto, isso aí vai ser mais uma fonte de litígio.
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: É verdade. Então nós estamos no campo da manutenção do sistema de provas judicializadas. Professor Cerezzo?
SR. BENEDITO CEREZZO: Eu voto com o Bruno, mesmo porque eu acredito que a gente está apostando na mediação, entrando nessas questões. Nós já temos algo parecido, que é oficial do cartório, que ratifica uma situação, e se a prova é trazida em juízo, ela é aceita – me fugiu o nome técnico agora[1]. Eu fecho com o Bruno. Acho que como possibilidade... Como faculdade eu acho que seria—
SR. JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA: Concordo. A ideia do Bruno é que dependendo da prova que é produzida extrajudicialmente, é que uma das partes veja... Perca o incentivo de mover a ação. Então, se isso der certo, assim como mediação e outras técnicas que possam evitar que a parte ajuíze a ação, estou de acordo.
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Professor--
ORADOR NÃO IDENTIFICADO [01:33:57]: Eu acho que também é razoável. Põe só como faculdade e traçam as normas gerais. De repente leva diante de um oficial público e aquilo acaba tendo até uma presunção de veracidade. Se conseguir, é claro, como faculdade, sem perder muitos artigos com isso. Mas isso é para outra etapa, evidentemente.
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Professor Jansen?
SR. JANSEN FIALHO: Minha dúvida é só como seria produzida essa prova extrajudicial para facultar ela em Juízo, entendeu? Produção da prova. Eu tenho essa dúvida. Porque, qual o critério? Mediação tem critério para se homologar... E o Tribunal arbitral. Essa produção--
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: [ininteligível] o Professor Bruno quer dizer que é um meio de prova admissível.
SR. JANSEN FIALHO: Mas depois que ele fizer, a gente rejeita.
[falas sobrepostas]
SR. PRESIDENTE ORADOR NÃO IDENTIFICADO [01:34:42]: Vamos concordar com o Bruno... Então vamos concordar com a ideia optativa. Nesse sentido. [ininteligível] meio admissível. A produção que eu acho que vai ter que ser...
ORADOR NÃO IDENTIFICADO [01:34:49]: Isso. A gente vai debater, fazer prova sobre divórcio no cartório--
ORADOR NÃO IDENTIFICADO [01:34:56]: [ininteligível] proposta por não simplificar, mas complicar, eu acompanho a posição do [ininteligível] para a manutenção do sistema.
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Professora Teresa Alvim?
SRA. TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER: Eu voto com o Bruno.
SR. PRESIDENTE MINISTRO LUIZ FUX: Eu também voto com o Bruno porque acho que a ideia do Código é a inovação. Então eu acho que quanto mais nós pudermos inovar, é interessante.
Então, quem votou pela inovação? Um, dois, três, quatro, cinco, seis... Sete.
Quem votou contra a inovação? Um, dois, três, quatro, cinco. Então, sete a cinco. Ficará com uma mera faculdade.
Notas
[1] Provavelmente, o debatedor pretendia aludir à ata notarial.
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