1. Objetivo
Veremos, a seguir, 6 ferramentas úteis aos que se dedicam à vida intelectual, sejam ou não operadores do direito. A indicação dos recursos será acompanhada da menção às razões que aconselham a sua adoção e, ao final, ilustrada com a sua aplicação a um caso concreto.
2) Introdução
2.1) Emagrecendo com o Cloud Computing
Recorri pela, primeira vez, ao “cloud computing” (computação nas nuvens) antes de conhecê-lo por este nome, e para fins um tanto quanto inusitados. Era 2004 e meu estado de saúde exigia, dentre outras medidas, a perda de gordura (então correspondente a 30% do meu peso corporal). Após haver adquirido – devorando, felizmente sem engordar, um bom número de livros – os conhecimentos necessários a elaborar um programa de alimentação e exercícios que incorporasse e refletisse as principais conquistas científicas sobre o tema, deparei-me com a dificuldade prática decorrente de que, para ‘perder’ 1 libra (0,450 gramas) de gordura corporal seria necessário (e ainda é, uma vez que nada mudou na fisiologia humana) criar um déficit 3.500 Kilocalorias, em parte mediante a dieta, em parte por intermédio de exercícios. Os estudos sobre o comportamento de um hormônio chamado leptina aconselhavam ainda a que o regime fosse intercalado por curtos períodos de superávit calórico (“refeeds”). Como monitorar estas variáveis, a fim de garantir a correção da equação, eis aí o problema que viria a me levar ao “cloud computing”.
Vali-me, à época, dos serviços (ainda hoje) gratuitamente oferecidos pelo Fitday. Bastava que eu ali registrasse o que havia ingerido, e o site se encarregava de toda a aritmética. Veja, na imagem ao lado, um exemplo dos resultados.
2.2) Roteiro da Exposição
Não será, porém, o meu emagrecimento o objeto da presente comunicação. Suficiente é dizer que, sem o auxílio do cloud computing, ele dificilmente teria sido alcançado. A história traz ainda subentendido o roteiro a ser seguido por quem deseje valer-se dos instrumentos hoje existentes na WEB sem se perder na multiplicidade caótica de serviços disponíveis. Ele compreende:
1. A exposição do fundamento teórico (permanente) que aconselha ou justifica o uso de um determinado recurso;
2. A indicação de algumas das opções existentes (transitórias e variadas) que atendam aos seguintes critérios:
2.1)enquadrem-se no conceito de cloud computing;
2.2)sejam gratuitas;
3. A aplicação dessas ferramentas, à luz dos fundamentos teóricos, à resolução de um problema concreto;
A observância conjunta desses três pontos, esperançosamente, mais do que simplesmente divulgar esta ou aquela ferramenta, sujeita ao desaparecimento e ao anacronismo, mostrará ao leitor como identificar as suas necessidades e a valer-se dos recursos capazes de satisfazê-la.
3) Ferramentas
3.1) Ferramentas de Organização
3.1.1) O Porquê de usá-las.
É no mínimo contraproducente, quando não de todo inútil, que alguém se lance aos estudos – ou a qualquer atividade intelectual -- sem antes livrar a mente das preocupações que desnecessariamente a ocupam[1][2]. Sintoma clássico do problema é o de, tão logo iniciada a atividade intelectual, ser o estudante assaltado por toda a sorte de idéias e recordações sobre assuntos que, embora talvez importantes, simplesmente não devessem ser tratados naquele momento. A primeira providência a ser tomada para debelar o mal consiste em registrar, em um meio externo, todas as fontes de interrupção. Assim procedendo, perceberá o leitor que a aparentemente inabarcável barafunda de afazeres e idéias se resume a uns poucos itens que, uma vez escritos, perdem toda a capacidade de distrai-lo.
3.1.2) As Ferramentas
Uma vez que as fontes de distração – ou os itens a serem organizados - podem consistir tanto em idéias (v.g. receio da morte, falta de dinheiro) sobre as quais nada pretende o estudante fazer (embora devesse), quanto na lembrança de ações a serem realizadas (v.g. pagar determinada conta em banco), a configuração das ferramentas a serem utilizadas para registrá-las variarão segundo o método que se adote.
3.1.2.1) Método de Organização Tradicional (Listas de Afazeres): Remember The Milk
Disponível em Português, o Remember The Milk é uma excelente opção. Embora centrado nos “itens acionáveis”, é possível utilizar uma das “listas” já existentes, ou adicionar outra (vide, na imagem, o retângulo vermelho) para o fim de registrar idéias que não se pretende converter em ações exequíveis. Outra alternativa consiste em registrá-las no Google Docs, averbando-se no Remember The Milk apenas os afazeres pendentes.
3.1.2.2) Método GTD: Tracks ou Remember The Milk Adaptado
A vantagem do método GTD consiste em que ele permite capturar indistintamente toda a sorte de elementos. Sua implementação depende, porém, da leitura do trabalho de seu inventor, David Allen, vertido para o Português sob o título A Arte de Fazer Acontecer[3]. Aos já versados no assunto são as seguintes as opções:
Remember The Milk Modificado. Confira-se:
Advanced GTD with Remember The Milk;
Como organizar o Remember The Milk para implementar o GTD
Tracks.
Página do Programa.
Versão on-line Gratuita.
Desde a minha adesão ao GTD, até há poucos meses, utilizei o desktop software Thinking Rock que, porém, deixou de ser gratuito. Por força disso, pesquisei as diversas alternativas disponíveis e, em termos de cloud computing, o Tracks é a mais adptada ao método de David Allen.
3.2) Ferramentas de Controle de Hábitos
3.2.1) O Porquê de Usá-las
Já se escreveu, não sem acerto, que a “motivação nos faz começar; o hábito nos faz continuar”. São as seguintes as razões para a adoção de uma ferramenta de monitoramento como a que veremos[4]:
a formação de um novo hábito (v.g. estudar por meia hora, caminhar diariamente etc.) requer que se o pratique deliberadamente por algo entre 21 e 30 dias;
durante esse período, as chances de abandono da conduta que se pretende arraigar são enormes. Sem um instrumento de controle externo, o fracasso é quase garantido.
3.2.2) A Ferramenta – Joe´s Goals
Sozinho, o uso correto dessa ferramenta bastará para operar transformações que parecerão até mesmo miraculosas na vida de quem a adote. Joe´s Goals possibilita, dentre outras coisas:
registrar e atribuir pontuações tanto a bons quanto a maus hábitos;
pode-se, por exemplo, criar os itens “15 minutos desperdiçados” e “estudo – meia hora”, marcando-se as perdas e conquistas nos respectivos campos.
escolher e monitorar a frequência com que determinada conduta deve ser repetida;
um grande adepto do monitoramento dessa variável é o famoso comediante Jerry Seinfeld, que atribui boa parte do êxito de sua empreitada à técnica denominada don´t break the chain (não quebre a corrente).
3.3) Ferramentas de Registro e Monitoramento do Tempo Despendido.
3.3.1) O Porquê de Usá-las
Nas notas de fim de página está indicada a bibliografia a ser consultada. Dentre os fundamentos justificadores do monitoramento dessa variável, estão o de que ele permite:
identificar eventuais fontes de desperdício de tempo;
implementar um sistema de “recompensas”[5] pelo tempo investido em atividades produtivas;
efetuar paradas regenerativas curtas, em intervalos regulares[6];
conhecer o tempo necessário à realização das atividades repetitivas.
3.3.2) A Ferramenta – Toggl
Além de poder ser acessado diretamente a partir dos navegadores (imagem ao lado), o Toggl disponibiliza “desktop widgets”. Cada tarefa (v.g. leitura da obra X) pode ser enquadrada em um projeto, e relacionada a um cliente. Feito isso, o programa fornece todos os relatórios necessários a apurar as variáveis acima indicadas.
3.4) Ferramentas Para a Elaboração e Armazenamento de Notas e Documentos
3.4.1) O Porque de Usá-las
Seria ocioso justificar a utilidade dessa espécie de ferramenta. Assim, convém aproveitar o tópico para realçar um ou dois pontos que, não raramente, passam despercebidos a aos não habituados à pesquisa na internet. O primeiro é o de que, em se tratando de material importante, deve-se sempre salvar a própria página, e não apenas o seu endereço, evitando assim a hipótese de que eventual remoção do conteúdo da internet inviabilize nova consulta.
3.4.2) As Ferramentas.
3.4.2.1) Salvamento de Material Existente na Internet e Tomada de Notas Simples: Evernote
O mais simples e poderoso recurso gratuito para a captura de informações disponíveis na rede mundial de computadores e a elaboração de meros apontamentos é o Evernote. Além de integrar-se ao Firefox, e de ser acessível a partir de qualquer navegador, é possível ainda executá-lo a partir de software. Todos os dados, porém, são salvos também nos servidores da empresa.
Na imagem ao lado, vê-se um exemplo de seu uso. Estava me preparando para negociar uma grande compra de obras jurídicas e, para pleitear ao meu livreiro maiores descontos, salvei as páginas em que se encontravam os melhores preços. Na hipótese de precisar recorrer ao material quando estivesse na livraria, bastaria acessar a minha conta a partir da internet.
3.4.2.2) Elaboração de Documentos e Anotações Complexas: Google Docs.
Anotações mais extensas como, v.g., o resumo de livros, requerem de ordinário a inserção de seções, capítulos e índice para que se possa consultá-las com proveito (vide imagem ao lado). Nesses casos, a melhor opção, não apenas pelos recursos que oferece, mas pela confiabilidade, é o Google Docs, que permite a edição dos principais tipos de arquivos.
4) Aplicação das Ferramentas a um Caso Concreto.
Embora tirada para outros fins, a imagem ao lado serve também para ilustrar uma das tarefas que me propus a realizar há algumas semanas. Ela consistia em comparar duas distintas edições de um mesmo livro (no canto esquerdo) para apurar as eventuais modificações, se houvessem, do entendimento manifestado pelo autor quanto aos temas versados.
Pois bem, apliquemos a essa tarefa as ferramentas acima, para exemplificar a sua valia.
As duas edições a serem cotejadas, somadas, possuem, descontados o índice e a bibliografia, 813 páginas. Para concluir em dez dias o seu estudo seria necessária a leitura de aproximadamente 80 páginas por dia. Uma vez lançadas em uma ferramenta como o Tracks ou o Remember The Milk (cf. 3.1) todos os afazeres e idéias, o passo seguinte consistiu em averbar, no Joe´s Goals (cf. 3.2), o hábito a ser observado. Para garantir o cumprimento da meta, foram criados “blocos” de 40 páginas. A linha horizontal destacada pelo retângulo vermelho permite visualizar o que Jerry Seinfeld denomina “don´t break the chain”. Criada a corrente, basta não quebrá-la.
Ao início de cada sessão, era acionado no Toggl, assegurando a realização de paradas regenerativas em intervalos regulares, evitando a quebra de concentração e contabilizando o tempo gasto.
Para as respectivas anotações, foi empregado o Google Docs. Assim, v.g., na hipótese da comparação com outra edição vir a ser feita, a partir de uma biblioteca universitária, bastará acessar o documento a partir do google.
Não foi necesssário o uso do evernote, a não ser para salvar a páginas da livraria que ofereciam a obra pelo melhor preço.
5) Considerações Finais
Seguido o roteiro anunciado, espera-se que tenha o leitor não apenas sido apresentado às ferramentas, como sobretudo haja compreendido as razões que aconselham ou justificam a sua adoção. Assim poderá aquilatar a conveniência de utilizá-las e, se não lhe servirem, não lhe faltará ânimo para pesquisar até encontrar as que melhor atendam as suas necessidades.
6) Sua Vez
Esteja à vontade para sugerir, na seção “comentários”, as ferramentas e livros que porventura lhe sejam úteis. Se tiver alguma dúvida quanto aos aqui mencionados, não hesite em apresentá-la nesse mesmo espaço.
Notas
[1] Boa descrição do problema, visto sob o ângulo psicológico, com exercícios para enfrentá-lo, lê-se em dois trabalhos de Narciso Irala: Eficiência Sem Fadiga e Controle Cerebral e Emocional. Em áudio, excelentes práticas estão em Neil Fiore, Productivity Engineering e Brian Tracy e Paul Scheele, Focus and Concentration Paraliminal.
Para estudos e práticas de maior alcance, consulte-se: Ernest Wood, Concentration – An Approach to Meditation e os trabalhos de Ken Wilber.
[2] De todas as formulações que sobre ele se fez desde o ponto de vista de seu aspecto organizacional ( v.g Julie Morgenstern, Organizing from the Inside Out, Brian Tracy Eat That Frog e Maximum Achievement Goal Planner) as de David Allen (Getting Things Done – A Arte de Fazer Acontecer) e Eben Pagan (Wake Up Productive) são as que mais variáveis consideraram.
[3] Não conferi a tradução brasileira. Em Inglês, a exposição das idéias é bastante clara, e há diversos outros trabalhos para complementá-la (v.g Making it All Work). Em se tratando de audiobooks, deve-se recorrer sempre às versões unabridged.
[4] Embora o tema jamais haja sido negligenciado, para o ponto que nos interessa consulte-se: Maxwell Maltx, Psycho-Cybernetics, Geoff Colvin, Talent is Overrated, Alan Deutscman, Change or Die. Eben Pagan, Wake up Productive e, disponível na internet, com amplas remissões, o recentíssimo Becoming an Expert – Deliberate Practice de Lyle Mcdonald.
[5] cf, Theodore Bryant, Self Discipline in Ten Days. Neil Fiore, The Now Habit.
[6] Além dos trabalhos já citados, em Português confira-se, especialmente, Jim Loehr e Tony Schwartz, Envolvimento Total: Gerenciando Energia e Não Tempo (no original, The Power of Full Engagement).
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