No inquérito 2049 o STF analisou, dentre outras, a questão de haver, em se tratando de crimes societários, a necessidade de individualização das condutas dos denunciados.
Na espécie, alegou o Ministério Público que os réus teriam praticado, em continuidade delitiva:
o crime omissivo próprio de apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A,§1º,I) caracterizado por terem deixado de repassar, voluntariamente, no prazo e forma legal, ao INSS, valores arrecadados por sua empresa a título de contribuições sobre a remuneração de empregados e verbas rescisórias;
o crime de sonegação de contribuição previdenciária (CP, art. 337-A), configurado pela omissão, na GFIP, de fatos geradores de contribuição previdenciária;
A Corte reputou suficientemente individualizadas as condutas dos acusados em acórdão, no ponto, assim ementado:
3. A denúncia, mesmo nos crimes societários, não dispensa uma descrição, ainda que mínima, da participação de cada um dos acusados. No caso, porém, a peça acusatória descreveu os fatos tidos por delituosos com todas as suas circunstâncias, individualizando, com precisão, a responsabilidade dos sócios pela gestão da empresa. Tudo a permitir o mais amplo exercício do direito de defesa dos acionados.
Destaques da Sessão
Do voto do Relator, o Senhor Ministro Carlos Ayres Britto, transcreve-se:
Sobre a Orientação Jurisprudencial que Autoriza o Recebimento da Denúncia, Ainda Quando Não Individualizadas as Condutas dos Acusados:
26. Por outra volta, anoto que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, embora contrariando parte da doutrina, entende desnecessária a individualização da conduta de cada denunciado, tratando-se de crimes societários. Isto porque essa individualização bem pode se dar no curso da ação penal (HCs 65.369, 73.903[1], 73.419[2], 74.813[3],77.751).
27. Ressalto que esse entendimento toma em linha de consideração as dificuldades de se pormenorizar condutas que, de ordinário, decorrem de decisões intramuros, ou interna corporis, tomadas pelos administradores (legais ou de fato) de cada empresa. Decisões que, muitas vezes, não são registradas e, via de regra, não são testemunhadas por outras pessoas que não os referidos dirigentes. Daí a aceitação da denúncia um tanto ou quanto genérica, porém suficiente, segundo a orientação dominante, para dar início à persecução criminal, evitando, assim, a impunidade quanto a esses crimes chamados de societários.
Sobre a Necessidade de a Denúncia Descrever, Ainda Que Minimamente, a Participação de Cada Denunciado:
28. Devo consignar, contudo, que essa orientação vem sendo abrandada para se exigir que a denúncia contenha a descrição, ainda que mínima, da participação de cada acusado. Isso para
permitir o conhecimento do fato imputado, de modo a possibilitar o adequado exercício do direito de defesa (HC 80.549[4], da relatoria do ministro Nelson Jobim).
29. Particularmente, partilho dessa última orientação. É que a denúncia, mesmo nos crimes societários, não dispensa uma descrição, ainda que mínima, da participação de cada um dos acusados na trama das ações tidas por delituosas. Com o que se viabiliza o exercício da ampla defesa e do contraditório, descritos no inciso LV do artigo 5º da Carta Maior. Sendo assim, é preciso analisar
detidamente a peça inicial acusatória para saber se ela permite ou não o exercício das garantias constitucionais do processo.
3 0. Nessa contextura, entendo que, no caso, a denúncia atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, sem incidir nas hipóteses de rejeição do art. 395 do mesmo diploma. É que a peça ministerial pública descreveu o fato tido por delituoso com todas as suas circunstâncias, de molde a permitir que os acusados exerçam amplamente a sua defesa. Não é só: a inicial acusatória indica precisamente o momento da ação criminosa e individualizou, no tempo, a responsabilidade dos sócios pela gestão da empresa. Logo, não é de ser considerada fruto da vontade fantasiosa e muito menos arbitrária do órgão de acusação.
Notas
[1] HABEAS CORPUS. CRIME SOCIETÁRIO. DENÚNCIA INEPTA. DESCRIÇÃO PORMENORIZADA DE CONDUTAS. ENTENDIMENTO DO STF. O STF tem jurisprudência a dizer da tolerância que se impõe à denúncia - nos crimes societários - sobre a eventual impossibilidade de não se encontrar o parquet habilitado, desde o início, para individualizar culpas. Em feitos desta natureza, a impunidade estaria assegurada se se reclamasse do Ministério Público, no momento da denúncia, a individualização de condutas, dada a maneira de se tomarem as decisões de que resulta a ação delituosa. Ordem denegada.
[2] HABEAS CORPUS. DENUNCIA. CRIME SOCIETÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DESCONTADA DOS EMPREGADOS E NÃO RECOLHIDA AOS COFRES PÚBLICOS. CONDUTA DELITUOSA. DESCRIÇÃO PORMENORIZADA. REQUISITO QUE NÃO SE MOSTRA IMPRESCINDÍVEL. Pelo teor da peca acusatória verifica-se ser ela formalmente apta ao fim a que se destina, atendendo as exigências do art. 41 do CPP. Além de estar apoiada nos elementos constantes do procedimento da fiscalização, retrata, com consistência, fatos suficientes e conclusivos de modo a possibilitar a identificação da pratica do delito de apropriação indébita, explicitando a época do fatos, os valores que foram desviados e o meio empregado, circunstancias que abrem espaço ao exercício da mais ampla defesa. A constatação do elemento subjetivo do delito e de ser melhor apreciada a partir da realização dos atos de instrução processual, onde poderá haver uma analise valorativa da prova, sabido que na peca inicial acusatória só se indaga se o relato se ajusta a figura típica de que se cuida. A alegação de que nos delitos societários e necessário que a denuncia individualize a participação de cada um dos acusados, não encontra apoio na orientação da jurisprudência desta Corte, que não considera condição ao oferecimento da denuncia a descrição mais pormenorizada da conduta de cada sócio ou gerente, mas apenas que se estabeleça o vinculo de cada um ao ilícito. Habeas corpus indeferido.
[3] DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME SOCIETÁRIO (ARTIGOS 7 , inc. III, E 10 DA LEI 7.492/86). DENÚNCIA: DESCRIÇÃO DA CONDUTA DE CADA UM DOS DENUNCIADOS. INÉPCIA. AMPLA DEFESA. "HABEAS CORPUS".
1. Não é inepta a denúncia, só por não descrever a conduta individual de cada um dos sócios denunciados, se a todos, indistintamente, atribui a prática do delito societário, afirmando- lhes a condição de administradores que respondiam pelos atos a eles imputados, e estes, na impetração do "writ", não o negam, podendo, em tal circunstância, apresentar ampla defesa no processo criminal.
2. Precedentes.
3. "H.C." indeferido.
[4] HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL TRIBUTÁRIO. DENÚNCIA GENÉRICA. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. INÉPCIA. Nos crimes contra a ordem tributária a ação penal é pública. Quando se trata de crime societário, a denúncia não pode ser genérica. Ela deve estabelecer o vínculo do administrador ao ato ilícito que lhe está sendo imputado. É necessário que descreva, de forma direta e objetiva, a ação ou omissão da paciente. Do contrário, ofende os requisitos do CPP, art. 41 e os Tratados Internacionais sobre o tema. Igualmente, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Denúncia que imputa co-responsabilidade e não descreve a responsabilidade de cada agente, é inepta. O princípio da responsabilidade penal adotado pelo sistema jurídico brasileiro é o pessoal (subjetivo). A autorização pretoriana de denúncia genérica para os crimes de autoria coletiva não pode servir de escudo retórico para a não descrição mínima da participação de cada agente na conduta delitiva. Uma coisa é a desnecessidade de pormenorizar. Outra, é a ausência absoluta de vínculo do fato descrito com a pessoa do denunciado. Habeas deferido.
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