No julgamento do recurso ordinário em habeas corpus nº 93.123, o STF examinou a questão da idoneidade fundamentação da sentença que nega ao réu, em matéria penal, o direito de apelar em liberdade.
Embora prevalecesse a tese da relatora, segundo a qual a sentença continha elementos novos a justificar a prisão cautelar, tais como:
a existência de antecedentes criminais;
a periculosidade do agente, caracterizada pela violência e gravidade do crime.
Entendeu o Ministro Marco Aurélio, vencido, que a decisão apenas aludia genericamente à necessidade de preservação da ordem pública, insuficiente para fundamentar o recolhimento do paciente à prisão.
Eis os destaques da Sessão de Julgamento:
Ministra Cármen Lúcia. Fundamentação da Sentença. Prisão Cautelar. Suficiência. Trecho do Vídeo.
1. A exposição dos fatos e a verificação das circunstâncias presentes e comprovadas na ação conduzem ao não-provimento do recurso interposto.
2. Registre-se, inicialmente, que, embora a constitucionalidade do art. 594 do Código de Processo Penal esteja sendo discutida neste Supremo Tribunal Federal, a controvérsia restringe-se à validade da decisão que nega o direito de apelar em liberdade sem apresentação de fundamentação cautelar idônea.
Não é este, contudo, o caso dos autos.
Conforme evidencia a Procuradoria-Geral da República em seu parecer, para negar ao Paciente o direito de apelar em liberdade amparou-se o Juízo local em fundamentação cautelar idônea a comprovar a necessidade de sua prisão.
Tem-se no parecer: “(.-.)
8. Ressalte-se que a ordem concedida pelo Supremo Tribunal Federal, no HC n° 87.003/RJ, revogando a prisão preventiva do recorrente e demais corréus, ocorreu antes da prolação da sentença em razão da falta de fundamentação do decreto prisional, eis que fundado na gravidade genérica do crime. Entretanto, com a condenação do recorrente, novos argumentos foram agregados, tais como a vasta folha de antecedentes criminais e sua reincidência específica - tráfico de entorpecentes (art. 594 do CPP) .
9. Deste modo, parece-me suficientemente justificada a prisão cautelar como garantia da ordem pública, em harmonia com a jurisprudência desse Supremo Tribunal Federal, no sentido de que é preciso ‘que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade da adoção, pelo Estado, dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade (HC n° 74.666/RS, rel. Min. Celso de Mello, DJ de 11. 10.2002) ; tendo em vista que ‘o art. 594 do Código de Processo Penal não implica o recolhimento compulsório do apelante. Ao contrário, cuida de modalidade de prisão cautelar, razão por que deve ser interpretado em conjunto com o art. 312 do mesmo diploma' (HC n° 84.087'/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 6.8.2004) .
10. De outro lado, não se podem olvidar as informações constantes nos autos, dando conta que o recorrente ocupa função de destaque na organização criminosa, fortemente armada, voltada para o tráfico de drogas em favela do Rio de Janeiro, sendo reincidente nessa conduta, e que teria continuado a comandar as atividades criminosas mesmo após ter sido encarcerado. Conforme se vê, também a periculosidade ficou concretamente evidenciada, não existindo ilegalidade a reparar:’ 'a prisão preventiva pode ser decretada em face da periculosidade demonstrada pela gravidade e violência do crime, ainda que primário o agente' (RHC 67.2 67'/SP, rel. Min. Moreira Alves, DJU de 28.4.89; HC 72.865/SP, rel. Min. Moreira Alves, DJU de 9.8.96). No mesmo sentido: 'A periculosidade do agente justifica a custódia preventiva como garantia da ordem pública' (HC 85.156, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU de 21.10.2005; HC 87.571/MT, rei. Min. Gilmar Mendes, DJU de 26.5.2006; HC 85.704/MA, rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 19.8.2005; HC 84.981/ES, rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 22. 4.2005).
11. Assim, com a presença de fundamento válido para a prisão cautelar, com amparo no art. 312 do Código de Processo Penal, é de ser reconhecida a ausência de constrangimento ilegal. Destaca-se da jurisprudência do STF: (...) [o] Habeas Corpus nº 84.434, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 11.11.2005 (...) [e o] HC 91.845, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ Io.2.2008 (...)" (fls. 402-405) .
3. A indicação de fundamentação nova na sentença, que ressaltou ter o Paciente “vasta Folha de Antecedentes Criminais (FAC), com onze anotações, sendo reincidente específico e portador de maus antecedentes, consoante fls. 2124/2131” (fl. 362), basta para afastar, portanto, a alegação de constrangimento ilegal.
4. Nesse sentido, entre outros, o último dos precedentes mencionados pela Procuradoria-Geral da República em seu parecer, o Habeas Corpus n. 91.345, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1º.2.2008, no qual a Primeira Turma decidiu, verbis:
“PRISÃO - CONDENAÇÃO JUDICIAL - ANTECEDENTES - PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA. Mostra-se devidamente fundamentado o ato de permanência da custódia do acusado quando, na sentença condenatória, faz-se menção expressa aos antecedentes criminais, protegendo-se, assim, a ordem pública.”
5. Pelo exposto, voto pelo não-provimento do recurso.
Ministro Marco Aurélio. Voto Vencido. Insuficiência da Fundamentação. Trecho do Vídeo.
Senhor Presidente, peço vênia para divergir.
Não posso subsidiar os fundamentos da sentença. Não posso acrescentar qualquer dado estranho à peça redigida. Vale notar que o Supremo, em habeas corpus, glosou o ato anterior, que resultara na prisão preventiva, por falta de fundamentação. E houve, a meu ver, quanto ao vício, a reincidência, que não é criminal.
O que se tem em termos de prisão?
“Nego aos réus, nos termos do artigo 594 do Código de Processo Penal,” - aquela prisão automática, em que o preceito veio a ser revogado - “o direito de apelar em liberdade (...)”.
Vem, então, algo que - diria - serve a qualquer processo e, portanto, não se mostra específico, levando em conta os perfis dos condenados:
"(...) em razão da necessidade de se preservar a ordem pública já tão abalada por crimes desta natureza, oferendo ser recomendados na prisão em que se encontram.
Nos termos do art. 804 do Código de Processo Penal, condeno os acusados ao pagamento das custas judiciais e da taxa. Transitado em julgado, lancem-se o nome dos acusados no rol dos culpados, comunicando-se ao Instituto Nacional dei Identificação e ao Instituto Félix Pacheco”.
Nada mais se disse.
Indago: considerada a jurisprudência da Corte, há nessa prisão determinada, fundamentos? E repito: a anterior foi afastada do cenário jurídico - talvez contendo alusão a mais elementos do que se tem no ato ora em exame - pelo próprio Supremo.
Releio o trecho:
(…)
Para mim, essa fundamentação, considerados pronunciamentos do Supremo, é insuficiente.
Peço vênia à relatora para divergir e conceder a ordem.
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