No julgamento do habeas corpus 94307-1/RS, impetrado contra decisão da 1ª Turma, o Pleno do STF afastou a incidência do verbete 606 de sua súmula para, de ofício, conceder a ordem.
A impetração dirigida à 1ª Turma suscitava a ilegalidade da prisão civil do depositário judicial, tese, à época, ainda em apreciação pelo Plenário, que depois viria a sufragá-la. A Turma, porém, denegara a ordem, e contra esse pronunciamento dirigiu-se o segundo habeas corpus, levado ao Pleno para julgamento após a fixação da nova orientação. Para, nas palavras do Min. Gilmar Mendes “fazer justiça material”, o Tribunal adotou a solução de não conhecer da impetração, concedendo de ofício a ordem, afastando obliquamente a “súmula 606”. Se não o fizesse, alertou o Min. Cézar Peluso: “deixaremos esse único cidadão preso lá, contrariando a jurisprudência da Turma [rectius: do Pleno]”.
Podem ser assim compendiadas as posições dos Ministros[1] sobre o tema:
Eis os destaques da sessão:
Afastamento da “Súmula 606” – Habeas Corpus Impetrado Contra Decisão de Turma do Supremo Tribunal Federal.
Debates – Prevalência da Tese da Concessão de Ofício.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - A única coisa, Presidente, que, de certa forma, provoca dúvidas é que se apontou como órgão coator a Primeira Turma. Seria mesmo a Primeira Turma?
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR)- É. Foi contra ato da Primeira Turma.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Por que indeferiu a ordem? Seria um habeas para o Plenário Sustento o cabimento contra decisão proferida pela Primeira Turma em habeas.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO: Contra a Turma não cabe. 0 Ministro Marco Aurélio tem razão.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Admito o habeas. Voto coerente com o que tenho sustentado.
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) – Estou concedendo, em definitivo, de ofício.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) – De ofício caberia, porque é a única forma de uniformizar.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO: Mas, aí, nós vamos admitir um habeas corpus contra decisão de Turma. Aí não dá.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - Nós não podemos instrumentalizar esse ponto.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO: Eu sei, Ministro Gilmar Mendes, mas tenho a impressão de que isso é um precedente severo.
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) – Nos precedentes, temos admitido de concedê-la de ofício, quando seja o caso.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO: Quanto à Turma, não. Nós admitimos em caso de extradição, nos embargos declaratórios que vieram muito tempo depois.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - Mas o Plenário já firmou posição em outro sentido.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO: No sentido de que não cabe.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - Não, não, não.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO: Que a parte entre com outro habeas corpus.
O SENHOR MINISTRO CBZAR PELUSO (RELATOR)- É o segundo. Estou com dois.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO: Pois é, mas ele entrou com habeas corpus na Turma.
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Entrou com o habeas corpus na Turma e eu indeferi; depois, entrou com um segundo habeas corpus, desta vez contra a Turma, No primeiro habeas corpus ainda não havia a decisão do Plenário.
0 EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO: E nós temos súmula dizendo que não cabe habeas corpus contra decisão de Turma.
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Se não for assim, deixaremos esse único cidadão preso lá, contrariando a jurisprudência da Turma.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) – Vossa Excelência não conhece do habeas corpus?
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO: Não conheço do habeas corpus.
O SR. MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Podemos, talvez, não conhecer e dar de ofício.
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (RELATOR) - Exatamente. É isso que estou fazendo.
O SR. MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Está bem. Não conhecemos pelos motivos que o eminente Ministro Menezes Direito avançou e, de ofício, concedemos para evitar esse caso.
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (PRESIDENTE) - É a forma de fazer justiça material.
O SR. MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI- Justiça no caso concreto.
Ministro Marco Aurélio. Voto Vencido. Possibilidade de Conhecimento do Habeas Corpus Contra Decisão de Turma.
Presidente, admito o habeas corpus e o faço até mesmo evocando que as Turmas podem divergir no entendimento de certa matéria. E não cabem, para o Plenário, a teor da legislação de regência, os embargos de divergência.
Então é o que sempre ressalto: toda vez que se articule, em relação a este ou aquele órgão investido do ofício judicante - pode ser inclusive a Turma do Supremo -, um ato ilegal e se tenha - como se tem, o Plenário - um órgão para rever a decisão, cabível é essa ação que reputo de envergadura maior, voltada a preservar a liberdade de ir e vir.
Portanto, conheço da impetração e, vencido nessa parte, caminho no sentido - constatando ato coercitivo à margem da ordem jurídica, o ato da Turma - da concessão de ofício.
Notas
[1] Embora conste da ata que a tese da concessão de ofício do habeas corpus foi unanimemente acolhida, o vídeo indica que dela dissentiu o Ministro Menezes Direito, pelo que tenho haver sido incorreta a proclamação do resultado.
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