No julgamento do habeas corpus 96099-5/RS, ora disponibilizado em vídeo, assentou o STF, por maioria, que em se tratando de roubo com emprego de arma de fogo, é desnecessária a sua apreensão e perícia para a incidência da qualificadora do art. 157, §2º, I do Código Penal.
Eis os destaques da Sessão:
Voto do Ministro Ricardo Lewandowski
Desnecessidade de Apreensão e Perícia da Arma. Admissibilidade de Outros Meios de Prova.
Desse modo, o pleito referente à exclusão da causa especial de aumento de pena relativa ao emprego de arma no delito de roubo não pode ser atendido.
Com efeito, não se mostra necessária a apreensão e perícia da arma de fogo para comprovar o seu potencial lesivo, visto que tal qualidade integra a própria natureza do artefato. Sua lesividade encontra-se in re ipsa. Supor o contrário significaria dar guarida à exceção, àquilo que normalmente não ocorre. Iria de encontro ao id guod plerumque accidit.
Se por qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima - reduzida à impossibilidade de resistência pelo agente - ou pelo depoimento de testemunha presencial ficar comprovado o emprego de arma de fogo, esta circunstância deverá ser levada em consideração pelo magistrado na fixação da pena.
E no caso sob exame, o depoimento da vítima é firme nesse sentido, conforme se observa de trecho retirado da sentença, abaixo transcrito:
Ônus da Prova do Acusado – Art. 156 do CPP
Caso o acusado pretenda contraditar o que se contém no acervo probatório ou sustentar a ausência! de potencial lesivo da arma empregada para intimidar a vítima, será dele o ônus de produzir tal evidência, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, segundo o qual a prova da alegação incumbirá a quem a fizer.
Sim, porque incumbe à acusação demonstrar os fatos criminosos imputados ao acusado, cabendo a este, contudo, caso o alegue, provar eventual causa excludente de tipicidade, antijuricidade, culpabilidade ou extintiva da punibilidade.
Como se sabe, a lei processual civil e penal outorga à parte o direito e, ao mesmo tempo, a obrigação de demonstrar fato que alega em seu interesse. Não seria razoável exigir da vítima ou do Estado-acusador comprovar o potencial lesivo da arma, quando o seu emprego tiver sido evidenciado por outros meios de prova, mormente quando esta desaparece por ação do próprio acusador como usualmente acontece após a prática de delitos dessa natureza.
Irrelevância da Capacidade de Disparar Projéteis. Possibilidade do Emprego Da Arma de Fogo Como Instrumento Contundente, Apto a Produzir Lesões Graves.
Ademais, a arma de fogo, mesmo que, eventualmente, não tenha o poder de disparar projéteis, pode ser empregada como instrumento contundente, apto a produzir lesões graves, como sangramentos e fraturas, não sendo raros, na crônica policial e forense, os relatos de coronhadas e chuçadas desferidas com cabos e canos de revólveres, pistolas e artefatos afins, contra vítimas inermes. Sublinho, por oportuno, que o art. 157, § 2º, I, alude a ‘violência ou ameaça (...) exercida com emprego de arma’, não especificado a sua natureza, se de fogo ou de outra espécie.
Ministro Cézar Peluso. Voto Vencido.
Como eu fui Relator recentemente na decisão de 18 de novembro do ano passado, na 2ª Turma, nós, com o devido respeito, adotamos uma tese absolutamente oposta, por dois motivos fundamentais:
Necessidade de Demonstração da Lesividade Potencial da Arma de Fogo.
O primeiro deles é a qualificadora do art. 157, § 2º. Ela só pode ser aplicada nos casos em que fique demonstrada a lesividade potencial da arma, porque a intimidação e a violência e a grave ameaça fazem parte do tipo. Ou seja, não importa que seja arma de brinquedo, seja arma tal. A capacidade de intimidação já faz parte da figura do caput, do tipo. A agravante exige mais do que isso, exige a prova da potencialidade e da lesividade real da arma.
Impossibilidade de Presunção Contra o Réu em Matéria Penal
E, em segundo lugar, nós acentuamos - inclusive invocando, aqui, o HC nº 70.523, do qual foi Relator o Ministro Marco Aurélio – a necessidade dessa prova, até porque, em matéria penal, como se sabe, nenhuma presunção pode correr contra o réu. Em caso de dúvida - e o caso aqui é de dúvida, porque, realmente não se sabe se a arma tinha ou não real capacidade ofensiva -, só corre em favor do réu, seja por força do princípio do "favor rei", seja pelo princípio do ônus da prova que, em matéria penal, recai sempre sobre a acusação. É conhecida a afirmação de que o réu, no processo penal, não precisa provar coisa alguma. Ele pode ficar absolutamente inerte, e todo o peso da acusação recai sobre o autor da ação penal.
Desnecessidade de Apreensão Apenas nas Hipóteses de Inequívoca Comprovação da Capacidade Ofensiva (v.g. Disparo da Arma)
Por exemplo, se a arma foi usada e houve disparo, evidentemente que não releva possa ter sumido depois. Não há aí problema nenhum. Isto é, desde que de algum modo resulte das circunstâncias que a arma tinha capacidade ofensiva, não importa, a perícia está dispensada.
Agora, a arma aqui não foi apreendida, não se sabe se a arma era de brinquedo ou ineficiente doutro modo, ou não, e sendo-o, não é arma, e a qualificadora exige que seja arma. A norma da qualificadora é textual: exige que seja arma. Por isso é que fiz referência ao isqueiro, que suscitou resposta jocosa do eminente Ministro em assunto tão sério, mas qualquer outro objeto pode, teoricamente, ser transformado em arma eventual, mas não é a arma a que se refere o § 2o do artigo 157. A arma do art. 157, § 2o, é aquela que o é por natureza, e não, qualquer objeto que pode transformar-se numa arma circunstancialmente.
Voto do Ministro Ayres Britto
Trecho do Vídeo.Convenhamos, um filme, testemunhas, a própria vítima a deixar, num contexto, evidenciado que foi rendida por uma arma de fogo ou pelo que parecia uma arma de fogo. Quem vai pensar na distinção entre uma arma de brinquedo e uma arma de fogo, se o artefato tem todas as aparências de uma arma de fogo e se o intuito, intento malsão do assaltante, foi alcançado? Exatamente o susto, o medo e a rendição da vítima.
Voto do Ministro Marco Aurélio
Trecho do VídeoSenhor Presidente, já sinalizei convencimento sobre a matéria e chego mesmo a dizer que, a prevalecer a corrente contrária, a corrente formalizada a uma só voz pela Segunda Turma, o negócio será desaparecer, sempre e sempre, com a arma utilizada. Arma que, como ressaltou o ministro Carlos Ayres Britto, está, inclusive, no mercado de aluguel e, quase sempre, é devolvida de imediato àquele que a disponibilizou.
Senhor Presidente, de início, a não ser que a lei restrinja, em Direito são admitidos todos os meios de prova e, no caso, não há a imposição, para ter-se a incidência da causa de aumento, de fazer-se a perícia. Mais do que isso, o ordenamento jurídico é um grande todo. O que constatamos quanto ao exame de corpo e de delito quando o ato praticado, discrepante da ordem penal, deixa vestígios? Deve ser feito o exame, mas o próprio Código de Processo Penal prevê que, não sendo possível realizá-lo, por haverem desaparecido vestígios - e aqui seria o desaparecimento, muito oportuno para o acusado, da própria arma -, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta - artigo 167. Com maior razão quanto à causa de aumento alusiva ao roubo.
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