No julgamento da já referida ação rescisória nº 1169, o STF deparou-se com a questão de estabelecer o órgão competente para o proferimento do juízo rescisório quando haja sobrevindo lei atribuindo a outro Tribunal a competência para o exame da matéria de fundo.
A controvérsia foi ocasionada pelo fato de a autora do feito haver impugnado, na década de 80, decisão proferida pela Corte em sede de homologação de sentença estrangeira, que passou, em 31/12/2004, a integrar o rol de causas submetidas ao STJ, por força da Emenda Constitucional nº 45.
Sobrevindo o julgamento da rescisória, pelo STF, após a competência para a homologação de sentença estrangeira haver sido transferida, pela EC 45/04, ao STJ, entendeu inicialmente o revisor, Ministro Ricardo Lewandowski, que caberia a esta Corte proferir o juízo rescisório, e àquela apenas o rescindente. Após o aparte do Ministro Marco Aurélio e os debates, prevaleceu, à unanimidade, a tese de competir ao Supremo Tribunal Federal a emissão de ambos os juízos.
Eis a cronologia dos eventos:
Destaques da Sessão.
Ministro Ricardo Lewandowski. Posição Primitiva: Remessa dos Autos Ao STJ, para a Emissão do Juízo Rescisório. Voto. Trecho do Vídeo.
(…)conheço e julgo procedente a ação rescisória para desconstituir a sentença que homologou o divórcio (…) e encaminho os presentes autos, em consonância com o disposto no art. 105,I, i da CF ao Superior Tribunal de Justiça para que aprecie o pedido de homologação de sentença estrangeria, e faça então o iudicium rescisorium
Debates Sobre a Tese do Ministro Ricardo Lewandowki. Trecho do Vídeo.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, só tenho uma dúvida e creio que o voto do relator é em maior extensão. A rescisória reúne os dois juízos: rescindendo e rescisório. Rescindida a primeira, a nova decisão a ser prolatada é no sentido de não se homologar a sentença estrangeira.
Por isso, ponderaria ao Ministro Ricardo Lewandowski - se é que ele abre margem a novo crivo dessa mesma sentença, que teria sido proferida em processo no qual não houvera a citação regular da ré, chegando-se inclusive à satisfação do quinhão da ré quanto à partilha, à participação em um apartamento em São Paulo considerado um dólar - sobre a necessidade de o próprio Supremo ir adiante.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - Até porque esse é o fundamento da ação rescisória, como alertado por Vossa Excelência. Este é que é o fundamento da nulidade de citação para a consideração.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Ou seja, não é possível abrir margem a uma óptica diversa do Superior Tribunal de Justiça, o que contrariaria inclusive a organicidade do Direito, já que o Supremo está no ápice da pirâmide do Judiciário. O Supremo é o único órgão competente para julgar a rescisória como um todo.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Mas agora a sentença tem que ser examinada por quem de direito; agora nos termos da Constituição.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Não. Somos, veja bem, o único órgão competente para julgar a rescisória, como um grande todo, reunindo o juízo rescindens e rescisorium. No juízo rescisório, prolata-se uma nova decisão, isso em decorrência do pronunciamento primeiro no sentido de não ser homologável o que decidido pelo Judiciário americano. A não ser assim, corre-se certo risco, Presidente. Imagine Vossa Excelência se, apresentada a decisão estrangeira ao Superior Tribunal de Justiça, este vier a homologar essa mesma sentença, que o Supremo assenta não ser passível de homologação, ante o vício que contamina o processo - maior vício - que pode inclusive ser articulado na fase de execução, que é o do conhecimento da ação proposta. A incongruência estará configurada.
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: 0 Ministro MARCO AURÉLIO, após distinguir a existência de dois "judicia" no processo rescisório, o "judicium rescindens" e o "judicium rescisorium" , reconhece que o Supremo Tribunal Federal tem competência originária para, ele próprio, em sede de ação rescisória, desconstituir a autoridade da coisa julgada, mas tendo em vista a inovação constitucional trazida pela pela Emenda Constitucional nº 45/2004, reconhece que o judicium rescisorium deveria ser proferido pelo STJ, que hoje dispõe de competência originária..
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - E o Supremo é competente para ambos.
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: É verdade!
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - E o tema que motivou a rescisória é um tema de fundo, não diz respeito à nulidade do processo que veiculou o pleito de homologação; não é isso. Se fosse isso, sim, nós tornaríamos insubsistente a nossa decisão, e, aí, teríamos campo para o crivo do Superior. Mas, aqui, no caso concreto, não.
O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI: Senhor Presidente, eu entendo que a questão é controvertida, embora pense que o Superior Tribunal de Justiça não poderia aproveitar a mesma sentença e contrariar um entendimento nosso, dando por válida a citação. Mas creio que isso pode ser deixado à própria parte, que pode eventualmente intentar novamente, se quiser, a sua homologação junto ao órgão judiciário competente. Então, eu me limito simplesmente a acompanhar o Ministro Eros Grau, rescindindo a sentença que homologou o divórcio, acompanhando, portanto, sem encaminhar os autos ao STJ, mas também não fecho a porta, desde logo, para que a parte, se entender conveniente e oportuna,
ingresse com novo pedido de homologação.
O SENHOR MINISTRO EROS GRAU (RELATOR): - Senhor Presidente, apenas um registro: a ação foi proposta em 29 de abril de 1983. A ação corre há 25 anos. A competência é inquestionavelmente nossa.
0 SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - E a premissa foi ressaltada pelo Ministro Celso de Mello. O Tribunal é competente para o julgamento da ação rescisória no todo. E há o pleito no sentido de se declarar impossível a homologação da sentença estrangeira ante o vício de citação, vício que empolgamos para rescindir o nosso acórdão.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - A sentença americana está hígida. O que não é hígido é o processo de homologação por vício na citação. Isso é o que acontece.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Perdoe-me, Presidente, por insistir um pouco mais para que o sistema, a meu ver, não fique capenga. O vício de citação não é do processo que veiculou o pleito de homologação, mas daquele que correu na origem. Então, ele contamina a própria decisão estrangeira e, por isso, ela não poderia ser homologada. Concluímos que realmente não podia, porém, mesmo assim, abriremos margem para que um outro órgão aprecie se ela mostra-se passível ou não de homologação? A incongruência, a meu ver, salta aos olhos.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Sr. Presidente, data vênia, com todo o respeito, entendo que não temos jurisdição para desconstituir uma sentença americana de divórcio.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Não é o caso. Não estamos desconstituindo a sentença americana. Estamos dizendo apenas que, ante o vício de citação no processo que lhe deu origem - o contraditório revela-se matéria fundamental, de ordem pública -, não é executável e a execução pressupõe, a envolver bem situado, inclusive, no Brasil, a homologação do Supremo.
Em síntese, não existia campo para a homologação -quanto a isso não há divergência. Então, a consequência mostra-se única: substitui-se o acórdão rescindendo por este novo pronunciamento.
(Obs. Segundo o relatório do Ministro Eros Grau, o vício na citação, de acordo com a requerente, teria ocorrido em ambos os processos: o de homologação e o de divórcio. A rescisória tem por objeto , evidentemente, o pronunciamento do STF. Assim, algumas considerações do Ministro Marco Aurélio, transcritas acima, discrepam do cenário descrito pelo Relator.)
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