Ver-se-á, neste texto, o novo entendimento do STJ, manifestado pela 4ª Turma, e posteriormente sufragado pela Corte Especial, que condiciona o início do prazo de quinze dias do art. 475-J do CPC à:
formulação de requerimento, pelo credor, vindicando a intimação do devedor;
apresentação de memória de cálculo, atualizando o valor da dívida;
intimação do devedor, na pessoa de seu advogado;
Atualização. O entendimento da 4ª Turma foi adotado pela Corte Especial do STJ ao julgar o EResp 940.274/MS, em decisão publicada no Dje de 31/05/10. Leia-se, a esse respeito, o item 4, abaixo.
Procurar-se-á, ainda:
recapitular a evolução tratamento dado ao tema, pelo STJ;
expor os subsídios doutrinários que embasam o novo entendimento;
apontar precedentes jurisprudenciais de Tribunais Estaduais em que ele foi adotado, bem como ordem de serviço de primeiro grau que o encampou;
(Atualização) registrar a superveniente consagração do entendimento da 4ª Turma pela Corte Especial do STJ;
1) A Posição Inicial do STJ: O Trânsito em Julgado como Condição Suficiente para Dar Início Ao Prazo de 15 Dias. Desnecessidade de Intimação do Devedor, ainda que na Pessoa de Seu Advogado.
Dispensa abordagem detida, pelo grande número de comentários que a ele se dedicou, o julgamento do REsp 954.859/RS, em que pioneiramente o STJ pronunciou-se sobre a questão. Além de consignar a desnecessidade de qualquer intimação do devedor, aventou ainda o Relator a possibilidade de o seu advogado responder civilmente, na hipótese de não tê-lo comunicado do início do prazo. Os que desejarem recapitular a celeuma decorrente dessa posição, e do obiter dictum consignado, poderão fazê-lo consultando:
Advogado deve pagar multa se não avisar cliente de condenação.
STJ interpretou mal nova regra sobre cumprimento de sentença. José Rogério Cruz e Tucci.
2) O Procedimento do STJ nas Execuções de Sua Competência: Intimação do Devedor, na Pessoa de Seu Advogado.
Doutrinadores como José Miguel Garcia Medina já haviam notado indícios de que não obteria unanimidade naquela Casa o entendimento primitivo acima indicado. É que, nas execuções de sua competência, Ministros havia que determinavam a intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, o que permitia inferir a sua não adesão àquela tese. Pronunciamento do Tribunal nesse sentido pode ser visto em:
Execução em Sentença Estrangeira Contestada nº 2990/US
3) O Entendimento da 4ª Turma: (a) Necessidade de Intimação do Devedor, na Pessoa de Seu Advogado, após (b) Requerimento do Credor (c) Acompanhado de Memória de Cálculo.
Noticiou o Professor Leonardo José Carneiro da Cunha a existência de importante precedente da 4ª Turma do STJ, qual seja o AI 1.136.836/RS, julgado monocraticamente em 01/06/09, e ‘confirmado’ pelo colegiado em 04/08/09, assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ART. 475-J DO CPC. LEI N. 11.232 DE 2005. MULTA. PRAZO DO ART. 475-J DO CPC. TERMO INICIAL. PRIMEIRO DIA ÚTIL POSTERIOR À PUBLICAÇÃO DA INTIMAÇÃO DO DEVEDOR NA PESSOA DO ADVOGADO.
1. A fase de cumprimento de sentença não se efetiva de forma automática, ou seja, logo após o trânsito em julgado da decisão. De acordo com o art. 475-J combinado com os arts. 475-B e 614, II, todos do do CPC, cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante memória de cálculo discriminada e atualizada.
2. Concedida a oportunidade para o adimplemento voluntário do crédito exeqüendo, o não-pagamento no prazo de quinze dias importará na incidência sobre o montante da condenação de multa no percentual de dez por cento (art. 475-J do CPC), compreendendo-se o termo inicial do referido prazo o primeiro dia útil posterior à data da publicação de intimação do devedor na pessoa de seu advogado.
3. Agravo de instrumento conhecido para conhecer em parte do recurso especial e dar-lhe provimento.
Essa nova orientação, vê-se, discrepa substancialmente da anterior. Comparativamente:
Eis links para os pronunciamentos relevantes à inteligência da espécie:
Decisão Monocrática do TJRS.
Pronunciamento Recorrido do TJRS.
Decisão Monocrática do STJ.
Decisão Colegiada do STJ nos declaratórios recebidos como agravo regimental.
3.1) Base Doutrinária
Convém acrescer à ratio decidendi do acórdão fundamentos doutrinários dele ausentes. Ei-los:
Rogério Licastro Torres de Mello, O início do Prazo Para Cumprimento de Sentença, in Execução Civil – Estudos em Homenagem ao Professor Humberto Theodoro Júnior, coord. Ernane Fidélis dos Santos, Luiz Rodrigues Wambier, Nelson Nery Jr e Teresa Arruda Alvim Wambier, ed. RT, 2007.
Há, de fato, duas disposições específicas da Lei 11.232/2005 que confluem para a conclusão de que deverá existir requerimento do exequente para que seja intimado o executado, a saber, o art. 475-I,§2º, e o §5º. do art. 475-j: em ambos os dispositivos, consta que ‘ao credor é lícito promover (…) a execução’ (475-I, §2º.) e ‘não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os autos’ (475-J,§5.º).
Destes dois dispositivos legais deflui, conforme nosso pensar, a opção pela necessidade de expresso requerimento da parte no sentido de iniciar-se a fase de cumprimento da sentença.
Da inequívoca instituição da necessidade de requerimento do exequente para que se cumpra a sentença condenatória (conforme os dispositivos da Lei 11.232/2005 citados), decorre logicamente a intimação do executado, fruto justamente do próprio petitório do credor.
De mais a mais, a eventual necessidade de apresentação de memória de cálculo de atualização do débito (cumprimento de sentenças condenatórias de pagar quantia certa) reforça o entendimento de que tem de haver requerimento do credor para que se dê a intimação do executado para cumprir a sentença.
Deveras, a necessidade de requerimento do exequente para que seja o executado intimado a cumprir a sentença decorre da circunstância de que, quando de sentenças condenatórias de pagar quantia certa, por exemplo, são frequentemente necessários atos da parte (como atualização monetária e cômputo de juros) antes da convocação do executado para pagamento.
No âmbito do cumprimento de sentença, entendemos que a certeza, a exigibilidade e, especialmente, a liquidez (quando a sentença for de pagar quantia) consistem em elementos da obrigação que devam ser apresentados pela parte credora, em favor de quem será desempenhada a atividade jurisdicional executiva.
Tome-se, a título de argumentação, a figurada liquidez da obrigação.
Como, no mais das vezes, as sentenças condenatórias de pagar quantia certa serão objeto de cumprimento após longo tempo de sua prolação, exigirão atualização monetária e cômputo de juros moratórios para que possa ser o executado compelido à sua satisfação. A petição de requerimento de cumprimento, neste sentir, funcionaria como ato processual do exequente tendente à satisfação deste verdadeiro ônus processual (a atualização de seu crédito pecuniário).
Não acreditamos correta a idéia de que o requerimento do exequente não seria necessário porque deveria o executado computar o valor de seu débito e, em seguida, depositar a quantia em benefício do credor: impor ao executado a atualização financeira de sua dívida contraria a estrutura procedimental da execução, cujos requisitos (liquidez, certeza e exigibilidade da obrigação) são de incumbência do exequente, até porque sua ausência poderá ser objeto de impugnação pelo executado, quando de sua defesa.
Daniel Amorim Assumpção Neves, Reforma do CPC, volume 1, ed. RT. 2006.
O que se pretende mostrar é que o demandante deverá, como ato inicial da fase de cumprimento da sentença que condena o demandado a pagar quantia certa, apresentar um memorial de cálculos, atualizando o valor da condenação até a data presente, única forma possível de se determinar o valor exato da obrigação nesse momento processual. Resta evidente que, uma vez apresentado o descritivo de cálculo nos autos, o demandado deverá ser intimado – na pessoa de seu patrono, como se verá – para que tome conhecimento de quanto é o valor atualizado de sua obrigação de pagar quantia até aquele momento, dando-lhe ciência de quanto deverá pagar para que se considere satisfeito o direito do autor.
Dessa maneira, não só a intimação do demandado deverá ser realizada - insista-se, na pessoa do advogado — como isso somente ocorrerá após o demandante apresentar um memorial de cálculo que indique o valor atualizado a ser pago pelo demandado. Esse entendimento é corroborado pelo art. 475-B do CPC, que determina que, havendo necessidade de cálculo aritmético para se apontar o valor devido, o demandante deve apresentar o demonstrativo de cálculo.
3.2) Jurisprudência dos Tribunais Estaduais no Mesmo Sentido
Calha, ainda, indicar precedentes dos tribunais estaduais em que a tese da necessidade de requerimento e memória de cálculo, pelo credor, foi, igualmente, acolhida.
TJSP, Seção de Direito Privado, 28ª Câmara, AI 1081610-0/1, rel. Des. Neves Amorim, j. 12.12.2006
EMENTA: CUMPRIMENTO DE SENTENÇA -PRAZO DE 15 DIAS PARA PAGAMENTO - INÍCIO - APRESENTAÇÃO DA MEMÓRIA DE CÁLCULO PELO CREDOR - INTIMAÇÃO DO DEVEDOR NA PESSOA DE SEU ADVOGADO.
RECURSO PROVIDO.
TJRJ, 4ª Câmara Cível, AI 2007.002.30099, rel. Des. Horácio Ribeiro Neto, j. 04.12.2007.
Ação de indenização por danos morais.
Fase de cumprimento de sentença.
Decisão que afastou a aplicação da multa prevista no art. 475-J do CPC.
Recurso da exeqüente.
A multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC só incide após a intimação do executado do valor a ser pago, o que só ocorre quando o credor apresenta a planilha indicando o valor de seu crédito. Até lá, não há liquidez do crédito, a afastar a incidência da multa.
Agravo de instrumento a que se nega provimento.
3.3) A Ordem de Serviço 1/2007 da 3ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro
Impende notar, ainda, que segundo Elias Marques de Medeiros Neto, tal procedimento é observado na 3ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, cuja ordem de serviço 01/2007 determina à serventia:
(…) intimar o credor para requerer o que for de direito, ou intimar o devedor, se o credor requerer, apresentando planilha atualizada, para pagar o débito no prazo de 15 dias, nos termos do art. 475-J do CPC, sob pena de aplicação da multa de dez por cento sobre o valor do débito.
apud, Aspectos Teóricos e Práticos do Art. 475-J, in Aspectos Polêmicos da Nova Execução, vol. 4, ed. RT, 2008, coord Cássio Scarpinella Bueno e Teresa Arruda Alvim Wambier.
Atualização:
4) O Sufrágio do Entendimento da 4ª Turma, Pela Corte Especial do STJ.
Ao julgar os embargos de divergência no recurso especial nº 940.274/MS, a Corte Especial consagrou o entendimento da 4ª Turma exposto em o item 3, supra, mutuando, inclusive, o excerto da ementa que versou o ponto.
5)Observação Sobre a Jurisprudência e o Estado da Questão na Doutrina.
A despeito dos esforços empreendidos pelos julgadores, não lograram eles ainda identificar, distinguir e hierarquizar, as várias questões de direito (CPC, art. 458,II) que compõem o problema do termo a quo do prazo de quinze dias do art. 475-J do CPC. Há algumas semanas, enviei aos assinantes de ‘direito integral’ um diagrama provisório que, acredito, permitirá mais facilmente apreender as diversas variáveis a serem consideradas por quem deseje compreendê-lo:
Sem o prévio recenseamento dos estudos científicos, o intérprete arrisca-se a adotar premissas ocultas (entimemas) não apenas explicitadas pela doutrina, como também objeto de disputa entre os especialistas. Assim, tomando-se como exemplo o referido precedente da 4ª Turma do STJ, há quem, como o Professor Fredie Didier Júnior , sustente a necessidade de intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, após a elaboração de memória de cálculo (exatamente como decidido pela Corte), mas repute desnecessário o requerimento do credor, por entender que esses atos devam ser praticados de ofício pelo Magistrado.
Talvez eu venha a elaborar algo como um e-book (livro eletrônico) voltado exclusivamente a expor as diversas posições doutrinárias sobre essas várias quaesti iurs, bem como a sua hierarquia, a fim de facilitar o trabalho dos que têm de lidar com a matéria.
Atualização do dia 21/08/11. Um dos “casos especiais” indicados no quadro acima foi recentemente analisado pelo STJ. Leia mais em: Art. 475-J do CPC. Multa de 10%. Devedor Representado Por Defensor Público. Destinatário da Intimação.
Muito bom
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