Foi publicada na segunda-feira, 2/10, a lei 12039/2009, que modificou o CDC para prescrever a obrigação de constar, de todos os documentos de cobrança de débitos apresentados ao consumidor, os seguintes dados do fornecedor do produtor ou do prestador do serviço:
nome;
endereço;
CPF ou CNPJ;
Mens Legislatoris
Gênese do Projeto de Lei
A iniciativa da alteração partiu do Senador Gerson Camata, autor do projeto de lei nº 314/2006. Eis a justificação por ele apresentada:
Tem sido muito comum o envio de documentos de cobrança de débito – especialmente boletos bancários – para consumidores, sem que estes tenham adquirido produtos ou contratado a prestação de serviços das empresas favorecidas.
Muitas vezes, inclusive, em virtude do não-pagamento dos referidos boletos, o nome do consumidor acaba sendo inserido nos bancos de dados dos serviços de proteção ao crédito.
Na regulamentação do Banco Central do Brasil referente à emissão de bloquetos de cobrança (boletos bancários), não se exige que conste no documento o endereço do favorecido (comerciante ou prestador de serviço).
É importante, para facilitar a defesa do consumidor – não só perante a própria empresa, mas também na esfera judicial – que dos documentos de cobrança de débitos conste não só o nome, mas também o endereço da empresa fornecedora dos produtos ou serviços correspondentes ao débito em cobrança.
Trata-se apenas de um dado adicional nesses documentos, que em muito contribuirá para facilitar a defesa do consumidor.
A matéria viria a ser relatada, na Comissão de meio ambiente, defesa do consumidor e fiscalização e controle, pelo Senador Geraldo Mesquita Júnior, que no parecer nº 473/2007 sobre ela assim se manifestou:
Quanto ao mérito, é de todo conveniente que se garanta aos consumidores o conhecimento das informações sobre o fornecedor que patrocina a cobrança por meio da instituição financeira. Assim, eliminam-se óbices ao exercício dos direitos da parte reconhecidamente vulnerável e hipossuficiente da relação jurídica.
Verificamos que, tratando-se de boletos de cobrança bancária, efetivamente há possibilidade de implementação dos objetivos do projeto por normativo do Banco Central do Brasi, como, aliás, já o fez aquela instituição, por meio da Circular nº 3255, de 31 de agosto de 2004, sem, contudo, exigir a menção ao endereço do fornecedor do produto ou serviço.
Outrossim, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) também vem ao socorro do consumidor, embora de forma genérica, no art 6º, III. Os órgãos que fazem parte do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor poderiam expedir normas na direção proposta no projeto, com base na competência dada pelos art. 7º e 55 do CDC.
Consideramos, porém, que o fato de a matéria poder ser tratada em normativo oriundo do Poder Executivo não afasta a possibilidade de ser inserida em comando emanado do Poder Legislativo. Ao contrário, a disciplina da questão em lei ordinária conferirá maior estabilidade jurídica à norma, contribuindo para o fiel cumprimento da regra pelos bancos que prestam serviços de cobrança para fornecedores de produtos e serviços no mercado de consumo. Em última análise, o Estado Legislador estará promovendo a defesa do consumidor, como preceitua a Constituição da República.
O Aprimoramento da Redação, Pela Câmara.
Na Câmara, o dispositivo teria a sua redação aperfeiçoada. Do parecer da Deputada Ana Arraes, relatora da matéria na Comissão de Defesa do Consumidor, colhe-se:
(…) entendemos que a redação do art. 42-A proposto pelo art. 1º do projeto seria aperfeiçoada se lhe fosse acrescida igualmente a obrigatoriedade de constar o número de inscrição do fornecedor do produto ou serviço no CPF (Cadastro de Pessoa Física) ou no CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica), conforme se trate respectivamente de pessoa natural ou pessoa jurídica. Assim, estamos propondo as duas emendas anexas, com a finalidade de formalizar o aperfeiçoamento aludido.
Observações
1) Hipóteses não Vislumbradas Pelo Legislador e Contempladas Pela Lei.
Da supratranscrita justificação do autor do projeto de lei, colhe-se haver ocorrido ao legislador que a dificuldade na obtenção dos dados cujo fornecimento exige a lei 12039/09 teria lugar na hipótese de a cobrança versar sobre produtos não vendidos, e serviços não prestados. Mirando no que viu, acertou o Parlamento também no que não enxergou. Bastante comum, no dia-a-dia do Foro, é que a recusa à prestação das referidas informações se verifique também em se tratando de empresas com as quais o consumidor mantém vínculos reais, tais como empresas de cartão de crédito. O óbice é tamanho que vai ao ponto de afetar inclusive os advogados. Quem participa de grupos jurídicos bem sabe a frequência com que colegas comparecem em busca auxílio para obter informações que permitam a citação do réu, necessárias a permitir a propositura de ação. A lei abarca também esse caso, a despeito de não tê-lo previsto o autor do projeto. A sorte favoreceu, no ponto, o cidadão.
2) Inexistência de Sanção Expressa.
Embora, no plano acadêmico, não tenha sido imune a críticas a visão de Kelsen, segundo a qual as normas jurídicas caracterizar-se-iam por serem sancionatórias[1], ninguém negará que a prescrição de um dever, se desacompanhada da respectiva punição pelo seu descumprimento, será apenas mera exortação desprovida de caráter imperativo.
Não escapará ao leitor a inexistência, na lei 12039/2009, de cominação expressa, e não faltará tampouco quem a encontre em outra parte do Código. O problema que se coloca, porém, é o de saber se seria necessário, ou mesmo conveniente, deixar à jurisprudência a tarefa de resolver a questão, mormente ao se ter presente que, disse-o um magistrado, o consumidor estaria, no STJ, “perdendo de goleada” dos grandes conglomerados…
A menos que os Pretórios consagrem a tese da cominação de nulidade da cobrança que se faça sem o fornecimento das informações exigidas pelo art. 42-A, sorte nenhuma terá favorecido o consumidor, ao contrário do que se averbou no item 1.
3) A Tutela Administrativa Deficiente
Embora bem-vinda a mudança (conquanto de duvidosa eficácia, ante o que se consignou em 2, supra,a propósito da inexistência de sanção expressa), não será a tutela judicial a capaz de por termo ao que já se denominou de contabilidade macabra. Enquanto os balancetes das empresas acusarem que, do desrespeito sistemático às leis, resulta manifesta vantagem financeira, persistirá a prática, no-lo comprova o fato de os nomes, CNPJs e endereços dos principais alvos de reclamações dos consumidores serem conhecidos de todos, na linha do que preconiza o novo art. 43-A. Falta, portanto, apenas a Administração Pública dirigir-se a esses conglomerados, de todos conhecidos, e aplicar-lhes multas suficientes a tornar deficitária a operação violação de normas. Até que isso seja feito, subsistirá o problema.
Notas
[1] Em Kelsen, portanto, a estrutura da norma jurídica, pelo menos segundo a descrição dada pela proposição jurídica, é sempre a de ligação deôntica entre a referência a certo comportamento p e uma sanção q. De modo mais simples, toda a norma jurídica pode ser compreendida como a imposição de uma sanção à conduta nela considerada. As normas jurídicas, assim têm a estrutura de uma proibição, por descrever a conduta tida por ilícita como antecedente e a punição como consequente.
Daí que a norma em questão seria, na classificação kelseniana, não autônoma e secundária:
O argumento principal, contudo, para sustentar a redução das normas jurídicas à estrutura de imposição de sanções, Kelsen encontra na afirmação de que certas normas não têm autonomia, mas se ligam intrinsecamente a outras de natureza sancionadora. São normas não autônomas as que apenas prescrevem condutas sem menção da punição cabível no caso de desobediências.
Fábio Ulhoa Coelho, Para Entender Kelsen, pp 22-25
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