STJ. Execução Provisória. Multa do Art. 475-J do CPC. Não Incidência.

 

Execução Provisória. CPC. Art. 475-O. Multa de 10% do art. 475-J. Manifestou-se, pela vez primeira, o STJ acerca da controvertida questão de saber se incide a multa do art.475-J do CPC em se tratando de execução provisória.

Em acórdão publicado hoje, 21 de maio de 2009, prolatado no julgamento do recurso especial 1.100.658-SP, assentou a Colenda 2ª Turma a impossibilidade de incidência da cominação.

 

Eis a ementa do pronunciamento:

 

PROCESSUAL CIVIL – MULTA DO ART. 475-J DO CPCINCIDÊNCIA NA EXECUÇÃO PROVISÓRIA – IMPOSSIBILIDADE – INCOMPATIBILIDADE LÓGICA – NECESSIDADE DE AFASTAMENTO DA MULTA.

 

1. O artigo 475-J, com redação dada pela Lei n. 11.232⁄2005, foi instituído com o objetivo de estimular o devedor a realizar o pagamento da dívida objeto de sua condenação, evitando assim a incidência da multa pelo inadimplemento da obrigação constante do título executivo.

 

2. A execução provisória não tem como escopo primordial o pagamento da dívida, mas sim de antecipar os atos executivos, garantindo o resultado útil da execução.

 

3. Compelir o litigante a efetuar o pagamento sob pena de multa, ainda pendente de julgamento o seu recurso, implica em obriga-lo a praticar ato incompatível com o seu direito de recorrer (art. 503, parágrafo único do CPC), tornando inadmissível o recurso.

 

4. Por incompatibilidade lógica, a multa do artigo 475-J do CPC não se aplica na execução provisória. Tal entendimento não afronta os princípios que inspiraram o legislador da reforma. Doutrina.

 

Recurso especial provido.

 STJ. Execução Provisória e Multa do Art. 475-J. Acórdão em Formato PDF

 

Do voto do eminente relator, Ministro Humberto Martins, transcreve-se:

 

DA MULTA DO ARTIGO 475-J EM SEDE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE SENTENÇA

 

Código de Processo Civil - CPC - Art. 475-J. Multa em Execução Provisória.

A controvérsia objeto do recurso especial reside em saber se deve ser aplicada a multa prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei n. 11.232⁄2005, em sede de execução provisória.

 

 

O Tribunal de origem negou provimento ao agravo de instrumento do ora recorrente, ao argumento de que o artigo 475-O do Código de Processo Civil, segundo o qual "a execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo que a definitiva", não impede a incidência  do artigo 475-J do mesmo diploma legal na execução provisória.

 

Além disso, consignou que a sentença, desde que impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo, é ato jurídico dotado de plena eficácia, a permitir todos os atos coativos tendentes à realização do direito, sendo que entendimento diverso vai de encontro ao objetivo da reforma preconizada pela Lei n. 11.232⁄2005: imprimir celeridade à satisfação do direito do credor.

 

Por fim, sustentou a reversibilidade da decisão condenatória, porquanto a execução corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente (art. 457-O, inciso I do CPC), além disso o levantamento em dinheiro e a prática de atos que importem alienação da propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea (art. 475-O, inciso II do CPC).

 

Que a Lei n. 11.232⁄2005 foi editada com vistas a solucionar o anacrônico problema do processo de execução (atualmente considerado apenas uma fase do processo de conhecimento), ninguém contesta. Conforme registrado na própria Exposição dos Motivos do Projeto que culminou na edição da citada lei, consoante se observa do seguinte excerto, in verbis:

 

"3. É tempo, já agora, de passarmos do pensamento à ação em tema de melhoria dos procedimentos executivos. A execução permanece o ´calcanhar de Aquiles´ do processo. Nada mais difícil, com freqüência, do que impor no mundo dos fatos os preceitos abstratamente formulados no mundo do direito.

Com efeito: após o longo contraditório no processo de conhecimento, ultrapassados todos os percalços, vencidos os sucessivos recursos, sofridos os prejuízos decorrentes da demora (quando menos o ´damno marginale in senso stretto´ de que nos fala Ítalo Andolina), o demandante logra obter alfim a prestação jurisdicional definitiva, com o trânsito em julgado da condenação da parte adversa. Recebe então a parte vitoriosa, de imediato, sem tardança maior, o ´bem da vida´ a que tem direito? Triste engano: a sentença condenatória é título executivo, mas não se reveste de preponderante eficácia executiva. Se o vencido não se dispõe a cumprir a sentença, haverá iniciar o processo de execução, efetuar nova citação, sujeitar-se à contrariedade do executado mediante ´embargos´, com sentença e a possibilidade de novos e sucessivos recursos.

Tudo superado, só então o credor poderá iniciar os atos executórios propriamente ditos, com a expropriação do bem penhorado, o que não raro propicia mais incidentes e agravos.

Ponderando, inclusive, o reduzido número de magistrados atuantes em nosso país, sob índice de litigiosidade sempre crescente (pelas ações tradicionais e pelas decorrentes da moderna tutela aos direitos transindividuais), impõe-se buscar maneiras de melhorar o desempenho processual (sem fórmulas mágicas, que não as há), ainda que devamos, em certas matérias (e por que não?), retomar por vezes caminhos antigos (e aqui o exemplo do procedimentos do agravo, em sua atual técnica, versão atualizada das antigas ´cartas diretas´... ), ainda que expungidos rituais e formalismos já anacrônicos."

 

Contudo, não me parece ser este o critério decisivo para dirimir a questão. É preciso interpretar o novel sistema trazido pela Lei n. 11.232⁄2005, especialmente os citados artigos 475-J e 475-O do Código de Processo Civil, de modo a se chegar a uma solução compatível com o ordenamento jurídico pátrio e consentâneo com os interesses contrapostos no litígio.

 

Com efeito, o art. 475-O do CPC dispõe que "a execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo que a definitiva, observadas as seguintes normas:". Com a expressão "no que couber", extrai-se que a execução provisória será processada da mesma forma que a definitiva, naquilo que for compatível com aquele instituto.

 

A controvérsia não é de fácil solução.

 

Cumpre ressaltar, em primeiro lugar, que em razão da omissão do legislador a respeito da questão, parte da mais abalizada doutrina inclinou-se a admitir a incidência da multa do art. 475-J do CPC na execução provisória (vg., Araken de Assis.Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006; Alexandre Câmara Freitas.A nova execução de sentença. Rio de Janeiro, 2007; e Cassio Scarpinella Bueno.Variações sobre a multa do caput do art. 475-J do CPC na redação da Lei 11.232⁄2005. In: Aspectos polêmicos da nova execução 3. São Paulo: RT, 2006.). Ao passo que outra considerável parcela passou a defender a impossibilidade dessa incidência (vg. Carlos Alberto Alvaro Oliveira. A nova execução: comentários à Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005. Rio de Janeiro: Forense, 2006; Humberto Theodoro Júnior.As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006; Ernane Fidélis dos Santos. As reformas de 2005 do Código de Processo Civil: execução dos títulos judiciais e agravo de instrumento. São Paulo: Saraiva, 2006.). E os argumentos de ambos os lados são pertinentes e convencem.

 

Observa-se, igualmente, que, na esfera jurisprudencial, há posicionamentos em ambos os sentidos, sendo que ainda não há pronunciamento definitivo desta Corte Superior de Justiça a respeito da matéria.

 

Assim, diante da lacuna legal, cabe ao Poder Judiciário e, em última instância, ao Superior Tribunal de Justiça, explicitar o real alcance da norma sob análise,utilizando-se, para tanto, dos métodos interpretativos existentes.

 

O art. 475-J do CPC possui a seguinte redação, verbis:

 

"Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação."

 

Segundo Maria Helena Diniz, são técnicas ou processos interpretativos os seguintes: gramatical ou literal, lógico, sistemático, histórico e sociológico ou teleológico (Maria Helena Diniz, Compêndio de introdução à ciência do direito, Saraiva: 2006, p. 432).

 

Ainda segundo a autora, pela técnica gramatical, também chamada literal, "(...) examina o aplicador ou o intérprete cada termo do texto normativo, isolada ou sintaticamente, atendendo à pontuação, colocação dos vocábulos, origem etimológica etc." (ob. cit., p. 433).

 

Numa primeira análise, verifica-se que o dispositivo em comento utiliza dos termos "condenado" e "condenação". Com efeito, numa perspectiva do devido processo legal em seu aspecto substantivo (substantive due process), não nos parece que, enquanto estiver pendente o julgamento do recurso, possa o litigante ser penalizado por multa pelo descumprimento de sentença, sobretudo porque é o próprio ordenamento jurídico quem lhe assegura os meios recursais pertinentes para insurgir-se contra essa decisão.

 

Tal entendimento é compartilhado por Sidney Palharini Júnior, que expõe o seguinte:

 

"Não se pode fechar os olhos à condição determinada pela lei para a incidência da multa, mais precisamente, para o início da contagem do prazo para pagamento sob pena de incidência de multa, qual seja a situação de condenado do devedor.

O alcance dessa expressão está inserido na abrangência do conceito do devido processo legal, estando a interpretação que pretendemos, portanto, embasada em preceitos constitucionais cogentes.

Com efeito, dispõe a Constituição Federal: 'Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes'.

Ao litigante, portanto, é assegurada a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes em respeito ao devido processo legal. Desse modo, ao devedor condenado é permitido utilizar-se dos instrumentos de impugnação que a lei lhe faculta. Ao final, mantida a condenação ou não, com o trânsito em julgado da sentença, estará o título executivo judicial definitivamente formalizado, sob o crivo do devido processo legal.

Enquanto pender recurso, independentemente dos efeitos de que seja dotado, não se pode dizer, à luz do devido processo legal, que há condenado, ante a possibilidade de reforma do título capaz de ensejar execução provisória.

Com isso não se está a dizer que a Constituição Federal aboliu a execução provisória, e sim que o litigante será tido por condenado somente com o trânsito em julgado da sentença.

Ao exigir o art. 475-J que o devedor esteja condenado, acabou por limitar a possibilidade de incidência da multa em questão somente às hipóteses de execução definitiva, uma vez que, antes do trânsito em julgado da sentença, não há que se falar que o devedor esteja, efetivamente, condenado, considerando-se a abrangência do conceito do devido processo legal."(Sidney Palharini Júnior. Algumas reflexões sobre a multa do art. 475-J do CPC. In: Execução civil: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: RT, 2007, pp. 274-275.)

 

Mas não é só. O art. 475-J do CPC também se refere à expressão "pagamento".

 

Pagamento é instituto de direito material que repercute na esfera processual, nos termos do art. 708 do CPC. À luz do direito material, pagamento é modalidade de extinção da obrigação (arts. 304 a 359 do Código Civil) e significa "o cumprimento voluntário da obrigação, seja quando o próprio devedor lhe toma a iniciativa, seja quando atende à solicitação do credor, desde que não o faça compelido." (Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. V. 2, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 167.).

 

Ocorre que, na execução provisória o devedor não realiza o pagamento da dívida, mas a garante. Somente eventualmente pode o credor levantar o dinheiro, com caução (art. 475-O, inciso III, do CPC), ou, excepcionalmente, sem a prestação da citada garantia (art. 475-O, § 2º, incisos I e II, do CPC).

 

Nesse sentido, leciona Pedro da Silva Dinamarco:

 

"Boa parcela da doutrina afirma ainda ser cabível a incidência da multa do art. 475-J em execução provisória de sentença - ou melhor, em execução fundada em título provisório -, sem contudo justificar tal entendimento. Ocorre que nesse caso há uma incompatibilidade insuperável a impedir a imposição de multa nesse caso: de um lado, na execução provisória o devedor não realiza o pagamento da dívida, com imediata transferência de titularidade do dinheiro, mas apenas a garantia do juízo (ainda que eventualmente o credor possa levantar o dinheiro, com ou sem caução); e, do outro lado, a multa do art. 475-J visa estimular o pagamento definitivo do credor e não apenas a garantia do juízo. Assim, apenas quando houver trânsito em julgado daquela condenação provisoriamente executada é que o devedor-condenado terá o prazo de 15 para pagar a dívida, sob pena de multa. Vale dizer, se na execução provisória houver sido penhorado algum bem que não seja o próprio dinheiro, então ao transitar em julgado a sentença condenatória caberá ao devedor pagar sua dívida no prazo legal, sob pena de multa." (Pedro da Silva Camargo. A polêmica multa do art. 475-J. In: Aspectos polêmicos da nova execução 3. São Paulo: RT, 2006, pp. 413⁄414.).

 

Portanto, numa interpretação gramatical, não há que se confundir pagamento, que significa remir a dívida, obstando a instauração da fase executiva, com a prestação de caução, que não impede a execução, mas sim, ao revés, a garante, pois a penhora recairá sobre tais quantias.

 

Sob esse prisma, numa interpretação teleológica do dispositivo sob análise, ou seja, numa interpretação que "procura o fim, a ratio do preceito normativo, para a partir dele determinar o seu sentido" (Maria Helena Diniz, ob. cit., p. 436.), ninguém diverge que o escopo do art. 475-J do CPC é estimular o pagamento da dívida. Ocorre que, como acima, o pagamento da dívida não constitui a finalidade principal da execução provisória.

 

Portanto, admitir a incidência do art. 475-J do CPC na execução provisória seria o mesmo que concluir que seria possível ao executado, em qualquer execução, provisória ou definitiva, garantir o juízo para afastar a incidência da multa. Ou seja, a multa serviria não apenas para estimular o adimplemento voluntário, mas, também, para o oferecimento de garantia (caução). Tal entendimento vai de encontro à teleologia do art. 475-J do CPC que, repita-se, visa tão-somente estimular o pagamento da dívida.

 

Tais premissas nos levam à técnica lógica de interpretação, onde "(...) o que se pretende é desvendar o sentido e o alcance da norma, estudando-a por meio de raciocínios lógicos, analisando os períodos da lei e combinando-os entre si, com o escopo de atingir perfeita compatibilidade." (Maria Helena Diniz, ob. cit., p. 433.).

 

Frente a essa perspectiva, há uma nítida incompatibilidade lógica em se admitir a multa do art. 475-J do CPC na execução provisória.

 

Como citado, pagamento significa o cumprimento voluntário da obrigação. Nessa linha de raciocínio, o pagamento implica, em última análise, no reconhecimento da procedência do pedido (art. 269, II, do CPC) e, por conseguinte, na prática de ato incompatível com a vontade de recorrer, nos termos do art. 503, parágrafo único, do CPC, in verbis:

 

"Art. 503. A parte, que aceitar expressa ou tacitamente a sentença ou a decisão, não poderá recorrer.

Parágrafo único. Considera-se aceitação tácita a prática, sem reserva alguma, de um ato incompatível com a vontade de recorrer."

 

Portanto, a possibilidade de aplicar a multa prevista no art. 475-J do CPC em sede de execução provisória implica na desproporcional situação em que a recorrente terá que optar por pagar a quantia provisoriamente executada para afastar a multa e, ao mesmo tempo, abdicar do seu direito de recorrer contra a decisão que lhe foi desfavorável.

 

Trata-se, como bem exposto por Fredie Didier Júnior e Daniele Andrade, de típica hipótese de preclusão lógica, a impedir o processamento do recurso daquele que efetuou o pagamento da dívida para evitar a incidência da multa do art. 475-J do CPC. Nesse sentido:

 

"Com efeito, o que impede que a condenação sofra o acréscimo pecuniário é mesmo a incompatibilidade da multa com o instituto em questão.

É que tal multa tem como uma de suas finalidades incentivar o cumprimento voluntário da decisão executada; cumprir voluntariamente é pagar a dívida. Se se está em execução provisória, é porque o executado interpôs recurso, ainda pendente de apreciação, que não impediu a produção de efeitos pela decisão recorrida. Ora, não há razoabilidade em forçar, sob pena de multa, o cumprimento voluntário por parte do devedor que lançou mão de recurso sem efeito suspensivo e nutre a esperança de que o título venha a ser reformado ou anulado, por mais remota que seja a chance. O pagamento do valor correspondente ao crédito caracteriza, sim, aceitação tácita da decisão, por ser ato incompatível com a vontade de recorrer (art. 503, parágrafo único, do CPC), acarretando a inadmissibilidade do recurso manejado. É uma nítida hipótese de preclusão lógica." (Fredie Didier Jr. e Daniele Andrade. Execução provisória e a multa do art. 475-J. In: Aspectos polêmicos da nova execução 3. São Paulo: RT, 2006, p. 205.).

 

Compartilhando com o mesmo entendimento, leciona Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, verbis:

 

"Impõe-se observar que não se cuida de astreinte, mas de multa de caráter penal pelo descumprimento da obrigação reconhecida na sentença. De tal sorte, de duas uma: ou o devedor não interpôs qualquer recurso e então a multa é exigível, passados quinze dias do trânsito em julgado, ou então não se conformou com a decisão condenatória e interpôs recurso. Ora, seria absurdo exigir, nesta hipótese, que o devedor satisfizesse integralmente a condenação (como exigido no caput do art. 475-J), para se livrar do pagamento da multa. De um lado, tal implicaria ato incompatível com a vontade de recorrer já manifestada (renúncia tácita ao próprio recurso), como deflui do disposto no parágrafo único do art. 503. De outro,mostra-se irrazoável exigir o cumprimento integral da sentença na pendência de recurso, que eventualmente pode tornar inócua a condenação. Mormente porque se trata de multa penitencial, sem nenhum ponto de contato com as hipóteses em que a multa tem natureza essencialmente coercitiva e é fixada com vistas a induzir ao cumprimento da ordem judicial, em prol da efetividade da tutela jurisdicional concedida ou antecipada. Aqui se trata de conseqüência penalizadora da mora no cumprimento e, portanto, intimamente dependente de base firme para ser exigida."(Carlos Alberto de Oliveira. A nova execução: comentários à Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 195.)

 

Desse modo, numa interpretação sistemática, ("que considera o sistema em que se insere a norma" - Maria Helena Diniz, ob. cit., p. 435.) dos arts. 475-J e 475-O do CPC, cumulada com os arts. 269, II, 503, parágrafo único e 708 do mesmo diploma legal, conclui-se que a multa do art. 475-J do CPC não é compatível com a execução provisória.

 

Por fim, resta examinar o art. 475-J do CPC à luz da técnica interpretativa histórica, segundo a qual "(...) é bastante útil que o aplicador investigue o desenvolvimento histórico das instituições jurídicas, a fim de captar o exato significado das normas, tendo sempre em vista a razão delas (ratio legis), ou seja, os resultados que visam atingir." (Maria Helena Diniz, ob. cit., p. 435.).

 

Conforme declinado acima, é incontroverso que o intento da reforma foi imprimir mais celeridade e efetividade à satisfação do direito material reconhecido no processo de conhecimento. Trata-se de mais uma reforma pontual do CPC, seguindo a tendência histórica de buscar uma tutela jurisdicional justa e efetiva.

 

Contudo, isto não implica desconsiderar regras, institutos e princípios da tutela jurisdicional, sobretudo quando evidente que a interpretação ora realizada em nada atentará contra o ideal da reforma.

 

Como é incontroverso, a multa do art. 475-J do CPC, além do seu caráter coercitivo, ostenta também natureza punitiva, pois pune aquele que não cumpre com a obrigação reconhecida na sentença ou no acórdão.

 

Nesse contexto, não é razoável nem proporcional, muito menos parece ser este o objetivo do legislador da reforma, apenar o litigante que, legitimamente, está exercendo o seu direito de recorrer, com a lídima expectativa de reverter a decisão judicial que lhe foi desfavorável.

 

Por outro lado, a execução provisória, como típico instituto destinado ao "(...) adiantamento ou antecipação da eficácia executiva" (Araken de Assis. Manual da Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 305⁄306), continua com a sua eficácia resguardada e revigorada com as mudanças implementadas pela reforma, como registra o Min. Luiz Fux em sua obra sobre "O novo processo de execução", in litteris:

 

"A novel execução provisória alcançou notável grau de satisfatividade, escapando, assim, das severas críticas de outrora, que a entreviam como um 'nada jurídico'. Realmente o exeqüente quase nenhuma utilidade retirava de sua pressa em tornar realidade provisória a sentença favorável.

Destarte, o legislador brasileiro acompanhou o movimento atual dos vários sistemas processuais de matiz romano-germânico, que passaram a consagrar a execução apenas provisória pela decisão que a fundamenta e não mais pelos atos executivos praticados." (Luiz Fux. O novo processo de execução. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 250.)

 

Portanto, por todos os ângulos interpretativos que se perfilhe, impende concluir que a multa prevista no art. 475-J do CPC não incide na execução provisória.

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