No julgamento do recurso extraordinário 563965 [1] reapresentou-se[2] ao STF, com distintas variáveis, a questão de saber se é lícito que servidor aposentado tenha a sua remuneração afetada pela alteração superveniente dos parâmetros de cálculo de gratificações (“estabilidade financeira”).
Na espécie, desde a aposentadoria do recorrente, eram as gratificações calculadas em percentual de seu vencimento-base. Lei estadual, todavia, aboliu tal critério, substituindo-o por valor em pecúnia. Alegou-se que a mencionada supressão acarretara o “congelamento” das gratificações, a redução dos vencimentos, a violação a direito adquirido do servidor inativo e ao verbete 359 da súmula de jurisprudência predominante do STF. Por maioria, entendeu a Casa lícita a modificação.
Foram as seguintes as gratificações afetadas pela alteração do critério de cálculo:
gratificação de adicional por tempo de serviço.
gratificação de aperfeiçoamento, especialização e atualização profissionais.
gratificação de exercício em sala de aula.
Destaques da Sessão de Julgamento
No caso dos autos, apesar de não se tratar de modificação da forma de cálculo de parcela de funções ou cargos comissionados incorporadas aos servidores públicos, a jurisprudência do Supremo se aplica plenamente na forma construída por este STF sobre a estabilidade financeira, que consiste basicamente na afirmativa da ausência de direito adquirido à forma de cálculo da remuneração, desde que respeitado o princípio constitucional da irredutibilidade de vencimento.
Os dispositivos legais revelam, portanto, ter sido preservado o montante recebido pela recorrente, ou seja, não houve qualquer agressão ao princípio da irredutibilidade de sua remuneração, o que foi rigorosamente confirmado pelo acórdão recorrido. Houve, inclusive, expressa garantia de que “os índices de revisão geral da remuneração dos servidores públicos serão obrigatoriamente aplicados aos adicionais e gratificações, que passam a ser representados por valores pecuniários”, conforme exige a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Não houve portanto, Senhor Presidente, Senhores Ministros, no caso específico, qualquer ofensa à garantia de irredutibilidade da remuneração ou de proventos e não há, na linha de jurisprudência deste Supremo Tribunal, direito adquirido à forma de cálculo da remuneração, o que importaria em direito adquirido a regime jurídico remuneratório, inclusive no aspecto formal, razão pela qual, penso, o acórdão recorrido não está a merecer reforma, devendo ser mantido.
Quando a Constituição fala de vencimento e de remuneração, parece-me que quis mesmo fazer essa distinção entre um vencimento-base – como se diz tradicionalmente – e acréscimos estipendiários que vigoram paralelamente a ele, de modo a compor a remuneração do servidor.
Esse nome vencimento-base é auto-explicativo. Ele é base para cálculo de outras gratificações; não todas, mas se a lei cria essa vantagem, e a atrela ao vencimento-base, eu tendo sempre a entender - [observe-se que] a lei não estava obrigada a fazer isso, poderia criar uma vantagem estipendiária a latere do vencimento-base – que se a lei faz isso, ela não pode mais recuar.
Presidente, creio que não podemos potencializar a máxima segundo a qual não há direito adquirido a regime jurídico. Há sim, toda vez que a inobservância do regime jurídico repercuta no campo patrimonial do servidor.
O que ocorreu na espécie, Presidente. Aposentou-se a servidora em 1995, e se aposentou considerados certos parâmetros. A aposentadoria não gera, em termos de pensão, um valor absoluto. Quanto à administração pública, o contra-cheque continua revelando as parcelas que compõem os proventos.
Em 2001, e não houvesse prejuízo patrimonial não estaríamos aqui a nos defrontar com esse processo, o Estado resolveu alterar – no tocante, evidentemente, aos servidores da ativa, mas com repercussão também nos proventos dos inativos – os parâmetros da gratificação, e essa alteração veio a ser placitada pela Corte de origem quanto a essa servidora aposentada seis anos antes, e aposentada segundo um regime todo próprio que passou a integrar o patrimônio dela, servidora aposentada.
Peço vênia, Presidente, para conhecer do recurso e o prover, acolhendo o pedido formulado na inicial e acompanhando, portanto, o Ministro Carlos Ayres Britto.
Ementa do Acórdão
DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ESTABILIDADE FINANCEIRA. MODIFICAÇÃO DE FORMA DE CÁLCULO DA REMUNERAÇÃO. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IRREDUTIBILIDADE DA REMUNERAÇÃO: AUSÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR N. 203/2001 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE: CONSTITUCIONALIDADE.
1. O Supremo Tribunal Federal pacificou a sua jurisprudência sobre a constitucionalidade do instituto da estabilidade financeira e sobre a ausência de direito adquirido a regime jurídico.
2. Nesta linha, a Lei Complementar n. 203/2001, do Estado do Rio Grande do Norte, no ponto que alterou a forma de cálculo de gratificações e, conseqüentemente, a composição da remuneração de servidores públicos, não ofende a Constituição da República de 1988, por dar cumprimento ao princípio da irredutibilidade da remuneração.
3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento.
Notas
[1] Eis a ementa do acórdão recorrido:
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. COBRANÇA. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL APOSENTADA. MAGISTÉRIO. LEI COMPLEMENTAR N° 203/2001. MODIFICAÇÃO DO CÁLCULO DA GRATIFICAÇÃO QUE PASSA DE PERCENTAGEM PARA VALOR PECUNIÁRIO. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE REDUÇÃO DOS VENCIMENTOS. AUSÊNCIA DE INFRINGÊNCIA AO PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO À IMUTABILIDADE DO REGIME JURÍDICO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. PRECEDENTES DO STJ E TJRN.
I - Com a edição da Lei Complementar Estadual n° 203/01, o cálculo de gratificações deixou de ser sobre a forma de percentual, incidente sobre o vencimento, para ser transformado em valores pecuniários, correspondentes ao valor da gratificação do mês anterior à publicação da lei.
II - O servidor público não tem direito adquirido a regime jurídico. Precedente do STJ.
[2] A questão fora discutida, v.g, no Recurso Extraordinário 226.465 e no Mandado de Segurança 24875 que, contudo, não cuidaram da específica hipótese de modificação da base de cálculo de percentual sobre o vencimento-base para valor pecuniário.
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