No julgamento do habeas corpus 91551, a seguir reproduzido, reputou o STF configurado o constrangimento ilegal dos advogados dos investigados na operação furacão (hurricane).
Eis a ementa do acórdão:
HABEAS CORPUS - PREVENÇÃO. Surge a prevenção no tocante a habeas corpus quando tem origem em procedimento que desaguou na distribuição de idêntica medida.
INQUÉRITO - REPRESENTANTES PROCESSUAIS - ENVOLVIMENTO COMO INVESTIGADOS - IMPROPRIEDADE. Verifica-se a impropriedade de inquérito relativamente a representantes processuais de envolvidos em certa investigação quando as peças existentes, o contexto revelado, não conduzem a indícios de participação em prática delituosa como é a que implique a publicidade de dados cobertos por sigilo.
HABEAS CORPUS - ATO DE INTEGRANTE DO SUPREMO - INADEQUAÇÃO. Na óptica da ilustrada maioria, em relação à qual guardo reservas, mostra-se incabível habeas corpus contra ato de integrante do Supremo.
A impetração, do Conselho Federal da OAB, foi dirigida contra ato de integrante do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Cézar Peluso, que, ao determinar a abertura de inquérito para a apuração de responsabilidade pelo “vazamento” de informações à imprensa sobre a aludida operação, protegidas por segredo de justiça, teria aprioristicamente feito pesar exclusivamente sobre os advogados dos investigados a suspeita pela prática do ilícito. Nesta condição tratou-os a polícia federal.
Distribuição, por Prevenção, pela Presidência do STF, ao Ministro Marco Aurélio.
Questionou a autoridade apontada como coatora, o Ministro Cézar Peluso, a legalidade da distribuição do feito, por prevenção, ao Ministro Marco Aurélio.
A matéria foi, mediante questão de ordem, submetida à apreciação do plenário, que ratificou o acerto da distribuição determinada pela então Presidente da Corte, a Ministra Ellen Gracie.
Das informações prestadas pela autoridade tida por coatora, colhe-se:
Mas, ainda que o tivesse - ainda que ele tivesse praticado o ato que impugna -, por mera licença retórica - que me calou fundo, devo confessar -, tal pedido não poderia ter sido distribuído a V. Exa por prevenção, como o foi, pela razão óbvia e decisiva de que os fatos objeto de investigação no Inq nº 2.549 - que trata de violação de sigilo legal - não têm a mais remota conexão ou ligação com os fatos do Inq nº 2.424 -que trata de outros crimes, imputados a outras pessoas.
Assim, o Plenário há de pronunciar-se quanto ao que levantado por Sua Excelência.
Do voto do eminente relator, transcreve-se:
A partir das segundas informações, aí sim, fui ver se procedia ou não o que alegado pela autoridade apontada como coatora e cheguei à conclusão de que não procede. Por que não? Porque o ato impugnado neste habeas foi praticado no Inquérito nº 2.424-4/RJ, ou seja, nesse inquérito, deu-se o vazamento de dados sigilosos e, então, o relator lançou decisão determinando a remessa de peças à Polícia Federal para apurar a origem desse vazamento.
0 elo é evidente, considerado o habeas inicialmente distribuído, o habeas que gerou a prevenção a esta impetração. Trata-se de incidente relativo ao mesmo inquérito. Agora, o subsequente resultou da providência para apurar-se o vazamento.
Requisição de Instauração de Inquérito Policial: Ato Capaz de Configurar Constrangimento Ilegal.
Sustentou o impetrante, com base em precedentes jurisprudenciais[1], que a requisição de instauração de inquérito criminal configuraria constrangimento ilegal dos pacientes, contra os quais, por alegada insinuação da autoridade coatora, dirigiu-se exclusivamente a investigação, mesmo a despeito de o “vazamento” ter ocorrido antes de haverem os advogados dos réus tido vista dos autos. Excluiu-se do âmbito da apuração as demais personagens – v.g. membros do Ministério Público, Policiais Federais e servidores do STF - que manipularam o material divulgado, dirigindo-se a investigação unicamente contra os patronos dos réus.
Posição Minoritária
Entenderam que a determinação de instauração de inquérito, na espécie, importou no constrangimento ilegal dos pacientes os eminentes Ministros Marco Aurélio e Carlos Ayres Britto.
Do voto do Relator, transcreve-se:
Forçoso é concluir que restou sinalizado, de forma categórica, clara e precisa, que o vazamento de dados sigilosos teria ocorrido após viabilizado o acesso a esses dados aos profissionais da advocacia.
Ora, a atribuição do vazamento de dados, como consta na decisão impugnada, de início, aos profissionais da advocacia é ato que veio a implicar a quebra da organicidade do próprio Direito, o afastamento dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ante o necessário comparecimento à Polícia Federal, para serem interrogados em inquéritos como verdadeiros investigados. Mostra-se algo contrário aos respectivos perfis.
Concedo a ordem para, tornando definitiva a liminar deferida, afastar a obrigatoriedade de comparecimento, sem prejuízo de o inquérito prosseguir para apurar os autores do vazamento verificado.
Concessão de Ofício da Ordem de Habeas Corpus
Prevaleceu, porém, o entendimento de que o ato - a determinação de instauração de inquérito – praticado pela autoridade apontada como coatora não estava eivado do vício que lhe imputou o impetrante, qual seja o de fazer pesar sobre os advogados a suspeita da prática do ilícito. Tal ilegalidade, existente segundo a maioria, fora praticada pela autoridade policial, e não pelo Ministro Cézar Peluso. Concedeu-se, assim, de ofício a ordem, com base no que dispõe o art. 654, §2º do Código de Processo Penal:
Do voto da Eminente Ministra Cármen Lúcia, que inaugurou a linha vencedora, transcreve-se:
Eu prefiro conceder a ordem de ofício para que continue o inquérito, sim, porém os advogados que estão cumprindo o que deve cumprir o advogado, o seu dever - vou deixar de considerar os advogados atuais, por conhecer uma gama enorme de advogados que foram meus colegas e que todos cumpririam muito bem -, e honram sempre os princípios norteadores da advocacia brasileira, independente de lei, da Constituição, para honrar a história, quem sempre fez história, a melhor história, a melhor parte da história das liberdades no Brasil.
Por isso, peço vênia ao Ministro Marco Aurélio, para não conceder na forma de Vossa Excelência, embora os efeitos sejam os mesmos, mas eu não conheço do habeas.
De toda sorte, eu me encaminho neste sentido, não conheço do habeas corpus, porque não considero que o Ministro Cezar Peluso, no ato tido como coator, tenha incluído nessa condição os advogados. E, para que os advogados, como foram assim considerados, possam continuar a cumprir o seu papel e, como a autoridade tida aqui como coatora também, realmente, tinha obrigação, e o fez, de dar ciência e requisitar que a investigação fosse feita por fatos realmente graves, concedo a ordem, de ofício, para que os advogados, na forma dita por Vossa Excelência, não sejam considerados nessa condição, e o inquérito prossiga na forma da legislação vigente.
Os eminentes Ministros Ricardo Lewandowski e Menezes Direito entenderam inexistir qualquer ilegalidade, ficando vencidos. Foi o seguinte o resultado proclamado:
[1] Precedentes citados pelo impetrante:
“Causa espécie, portanto, o constrangimento causado ao paciente e consubstanciado pela decisão judicial de requisitar instauração de inquérito policial”.
6. A mera instauração de inquérito, quando evidente a atipicidade da conduta, constitui meio hábil a impor violação aos direitos fundamentais, em especial ao princípio da dignidade humana.
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