Estatui o art. 690 do Código de Processo Civil a possibilidade de arrematação de bem imóvel mediante pagamento em prestações; para tanto, estabelece, dentre os requisitos, o de que a proposta de parcelamento “nunca” seja inferior ao valor apurado na avaliação.
Uma vez que, em segunda praça, pode o bem ser arrematado por valor menor que o resultante da avaliação[1], exsurge a questão de saber se é possível que, nesta fase, admita-se que também a proposta de parcelamento fique aquém da quantia por que foi avaliado o imóvel.
Rejeitando a Possibilidade de Admitir-se Proposta de Parcelamento Em Valor Inferior ao Da Avaliação, Mesmo em Segunda Praça.
Na doutrina, repeliu expressamente[2] a possibilidade Fernando Fonseca Gajardoni:
A proposta deverá se [sic] encaminhada ao juízo com indicação de prazo, modalidade e condições de pagamento (art. 690, §2º., do CPC), nunca em valor inferior ao da avaliação (pouco importa se na primeira ou na segunda hasta), e com oferta de pelo menos 30% à vista (antes era 40%), sendo o restante garantido por hipoteca do próprio imóvel (art. 690, §1º., do CPC).
Reflexões sobre o novo regime de expropriação de bens introduzido pela Lei 11.382/2006, in Execução Civil e Cumprimento da Sentença, vol. 2, Ed. Método, 2007, coord. Gilberto Gomes Bruschi e Sérgio Shimura.
No mesmo sentido:
Duas questões interessantes se põem com relação à disciplina do art. 690.
A primeira delas é saber se as propostas devem necessariamente levar em conta o valor da avaliação ou, em se tratando de “segunda praça”, elas podem oferecer preço inferior, desde que não vil (arts. 686, VI, e 692, caput). A melhor resposta é a do necessário prevalecimento da regra específica e expressa do §1º em comento. Até porque o dispositivo, buscando a tutela dos direitos do executado, frisou que a proposta nunca pode ser inferior à avaliação.
Cassio Scarpinella Bueno, A Nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil, vol.3 – Comentários Sistemáticos à Lei n. 11.382, de 6 de dezembro de 2006, ed. Saraiva, 2007.
Admitindo, em segunda praça, o parcelamento em montante inferior ao da avaliação.
Na jurisprudência, admitiu-a o TJRS:
- Agravo de Instrumento Nº 70021471040, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Henrique Osvaldo Poeta Roenick, Julgado em 28/11/2007
EXECUÇÃO FISCAL. ARREMATAÇÃO. BEM IMÓVEL. COMPRA PARCELADA. OFERTA EM VALOR INFERIOR AO DA AVALIAÇÃO E A PRAZO. VIABILIDADE. Tratando-se de norma de natureza processual, sua aplicação é imediata, alcançando inclusive os processos em curso. Tratando-se de bem imóvel, por força do que dispõe o art. 690, § 1º, do CPC, sendo a compra realizada em prestações, o preço ofertado não poderá ser inferior ao da avaliação. Entretanto, referida regra não se aplica àquela circunstância em que a venda ocorrer em segunda praça. Nesta hipótese, a venda dar-se-á pelo melhor lanço, afastando-se a oferta de preço vil. AGRAVO DESPROVIDO.
Do voto do eminente Relator, transcreve-se:
Dúvida não há que as alterações introduzidas pela Lei nº 11.382/06 tem por desiderato conferir ao processo de execução meios mais ágeis e efetivos para a satisfação do crédito, seja ele de que natureza for.
Nesse sentido, a regra inserta no § 1º do art. 690 do CPC, introduzida pela Lei nº 11.382, não teve por intuito revogar a regra inserta no art. 686, VI, do CPC. Ao contrário, hígida a regra do art. 692, do CPC. Ou seja, a observância à regra do § 1º, do art. 690, é restrita à hipótese de a alienação ocorrer em primeira Praça. Se em segunda, forçoso admitir a alienação pelo maior lanço, afastada a hipótese de venda por preço vil, sob pena de o bem imóvel penhorado tornar-se inalienável. Ora, se em primeira Praça não houve qualquer oferta, corolário é de que em segunda também nada ocorra! Por isso, a possibilidade de a alienação, inclusive de bem imóvel, pelo maior lanço, afastada a venda por preço vil, reitero!
Não foi o intuito do legislador, ao introduzir alterações no processo de execução, engessar os mecanismos de satisfação do crédito buscado pelo credor.
Ademais, se possível a venda a prazo no primeiro leilão, também possível no segundo, só que aí não mais existe a exigência de que seja por preço não inferior ao da avaliação. Em sede de segundo leilão, o valor de venda pode ser inferior ao da avaliação, desde que não configurada a hipótese de preço vil.
- Agravo de instrumento 70027415017, 22ª Câmara Cível, TJRS, Relator: Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro, D.J. 26/01/2009.
A decisão de primeira instância indeferira o parcelamento, sustentando que:
Em se tratando de compra de imóvel em prestações, é vedada a alienação por preço inferior ao da avaliação, ainda que em segunda praça.
Pelas razões expostas, rejeito a proposta da arrematante e não homologo a venda.
Intimem-se.
Do voto que dela dissentiu, colhe-se:
À primeira vista, ao contrário do entendimento pelo eminente Magistrado a quo, mesmo em se tratando de compra de imóvel em prestações, não é vedada a alienação por preço inferior ao da avaliação em sede de segunda praça.
Da leitura do § 1º do art. 690 do CPC, verifica-se, na inocorrência de oferta em primeira praça, a ausência de vedação expressa à realização de segunda hasta pelo maior [sic] lanço, desde que, obviamente, não oferecido preço vil, observadas as disposições do art. 686, VI, e 692, ambos do CPC, sendo cediço que a reforma do Processo de Execução teve por maior escopo o de dar maior celeridade aos processos executivos, razão pela qual a vedação imposta ao recorrente não encontra amparo.
Conforme Jaqueline Mielke Silva et alli, em A Nova Execução dos Títulos Executivos Extrajudiciais, p. 208, Porto Alegre, Verbo Jurídico, 2007, “Entendemos que, face ao princípio do resultado, mesmo quando a alienação seja, deva ser realizada na segunda hasta pública, por valor inferior ao da avaliação, deva ser possibilitado o pagamento parcelado – mediante a concordância do exeqüente -, com entrada de 30% do valor mínimo para a aquisição do bem. Do contrário, processos se eternizarão nos arquivos dos foros. Se houver concordância do exeqüente, parece-nos que não há qualquer objeção a uma interpretação ampliativa do comando legal.”
Sua Opinião
Deve ser admitida, em segunda praça, a arrematação de imóvel mediante pagamento parcelado em valor inferior ao da arrematação?
Conhece algum precedente analisando a matéria?
Esteja à vontade para manifestar-se na sessão “comentários” ao final da mensagem.
Veja outros Livros dos Autores Citados.
Notas
[1] Nesse sentido:
- STJ, Resp. 229304, DJ 09/10/2006, Rel. Ministro Ari Pagendler.
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS À ARREMATAÇÃO. NULIDADE DO EDITAL. LANCE.
Malsucedida a primeira praça, a arrematação do bem imóvel pode ser concretizada em segunda praça, por valor inferior ao da avaliação. Recurso especial não conhecido.
- STJ, Resp 332108, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ 08/05/2006.
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL. ARREMATAÇÃO PELO CREDOR. SEGUNDA PRAÇA. LANÇO INFERIOR À AVALIAÇÃO E À DÍVIDA. POSSIBILIDADE.
I - Não caracterizado o preço vil nem ônus excessivo para o devedor, é possível a arrematação do imóvel pelo credor, em segunda praça, em lanço inferior ao valor da avaliação e da dívida.
II - O Art. 7º da Lei 5.741/71 refere-se estritamente aos imóveis vinculados ao SFH; não alcança execuções aparelhadas em cédula de crédito industrial.
- STJ, 4ª T., Resp 316329/MG, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, D.J 24/03/2003:
PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. ARREMATAÇÃO PELO CREDOR. SEGUNDA PRAÇA. POSSIBILIDADE. ÚNICO LANÇO INFERIOR À AVALIAÇÃO E À DÍVIDA. ONEROSIDADE EXCESSIVA DO DEVEDOR. ART. 620, CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PREÇO VIL NÃO CARACTERIZADO. PRECEDENTE DA TURMA. PECULIARIDADE DA ESPÉCIE. RECURSO DESACOLHIDO.
I - A caracterização do preço vil depende das peculiaridades da espécie, não havendo um critério único e determinante, o que torna o percentual de sessenta por cento (60%) do valor da avaliação apenas indicativo da excessiva onerosidade do devedor.
II - Sem haver sido caracterizado o preço vil nem a excessiva onerosidade do devedor, não se desfaz a arrematação do imóvel pelo credor, em segunda praça, em único lanço equivalente a 60% (sessenta por cento) do valor da avaliação.
[2] Além das opiniões de Scarpinella Bueno e Fernando Gajardoni , rejeitando especificamente o parcelamento em valor inferior ao da avaliação em segunda praça, tem-se ainda quem haja afirmado a impossibilidade sem cogitar expressamente da hipótese; não é possível, assim, concluir que os autores a seguir citados a rejeitariam. Exemplificativamente:
Para a proposta de arrematação à prestação ser admitida alguns requisitos são impostos pelo §1º do art. 690:
a) o preço da aquisição não pode ser inferior à avaliação.
Humberto Theodoro Júnior, A Reforma da Execução do Título Extrajudicial, Ed. Forense, 2006.
É possível também a apresentação de proposta para pagamento em prestações. Neste caso, a proposta não poderá ter valor inferior ao da avaliação, e deverá prever o pagamento à vista de 30% deste valor, bem como a indicação do prazo, modalidade e condições de pagamento do saldo restante (cf. §1º e 2º do art. 690, na redação da lei 11.382/2006).
Teresa Arruda Alvim Wambier, José Miguel Garcia Medina e Luiz Rodrigues Wambier, Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil, vol. 3, RT, 2007.
“A proposta para aquisição em prestações não pode ser nunca inferior à avaliação, contando com, no mínimo, oferta de pagamento imediato de trinta por cento (30%) do valor do bem. Deve conter, no mais, o prazo, a modalidade e as condições de pagamento do saldo (art. 690,§2º,CPC). Não poderão ser juntadas aos autos propostas que desatendam a esses requisitos mínimos; se juntadas, nada obstante o não- preenchimento dos requisitos legais, deverão ser desconsideradas pelo órgão jurisdicional.”
Créditos Imagens:
Teresa Arruda Alvim Wambier: RT
Humberto Theodoro Júnior: Anamatra
Luiz Rodrigues Wambier: Comunidade Orkut
José Miguel Garcia Medina: Comunidade Orkut
Cassio Scarpinella Bueno: Instituto de Direito James Tubenchlak
COMENTÁRIOS