A seguir ilustra-se o dissenso jurisprudencial sobre a admissibilidade de impugnar-se, mediante ação rescisória, decisão que haja, incorrendo em alegado erro de fato, equivocadamente considerado intempestiva determinada manifestação (cujo conhecimento poderia acarretar pronunciamento sobre o mérito da causa [v.g., recurso, embargos à execução etc]), e assim indevidamente deixado de admiti-la.
Decorre a controvérsia do fato de o art. 485 do CPC prever somente ser rescindível decisão de mérito, e o pronunciamento que se cinja a não conhecer a insurgência por suposta intempestividade aí não se enquadrar, dado situar-se no plano da admissibilidade.
Preceito Analisado
Art. 485- A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
(…)
IX- fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa.
Da doutrina, colhe-se:
Rescindível é apenas, no sistema do atual Código, ‘a sentença de mérito’.
A locução ‘sentença de mérito’ aplica-se precipuamente ao ato pelo qual, no processo de conhecimento, se acolhe ou se rejeita o pedido, ou – o que é dizer o mesmo – se julga a lide, que justamente por meio do pedido se submeteu à cognição judicial.
Se não se conheceu do recurso – ressalvada a possibilidade de haver o órgão ad quem dito impropriamente que dele não conhecia, quando na verdade lhe estava negando provimento –, não se apreciou o mérito (nem do recurso, nem da causa), portanto o acórdão não pode ser atacado pela rescisória.
José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil -Arts. 476 a 565 - Vol.V, Ed. Forense.
1) Pela Possibilidade de Rescisão da Decisão que Haja, incorrendo em “erro de fato” (Art. 485,IX), deixado de Conhecer de manifestação equivocadamente considerada intempestiva.
1. Há de ser reformado acórdão que entendeu não ser cabível a via rescisória com intuito de desconstituir julgado que não apreciou o mérito da demanda (apenas declarou a intempestividade do agravo de instrumento interposto). Porquanto o acórdão rescindendo não tenha enfrentado o mérito, consoante pressupõe o caput do art. 485 do CPC, o seu inciso IX admite a rescisória fundada em erro de fato.
2. O erro constatado traduz-se no fato de que o recurso foi tempestivamente protocolizado em comarca do interior, mas tido como extemporâneo porque considerada a data constante da chancela do protocolo de segunda instância.
3. A melhor exegese a ser emprestada ao dispositivo legal em análise (art. 485, IX do CPC) é o de se reconhecer como erro de fato a informação equivocada sobre a tempestividade de peça processual, como ocorreu no presente caso. Esse atuar conforta a pretensão da recorrente, autorizando a correção do erro mediante o prosseguimento da rescisória.
4. Se de um lado é dever do advogado ser diligente, protocolizando oportunamente suas peças processuais, do outro é obrigação do julgador, na sua missão constitucional de dizer o direito ao caso concreto, utilizar-se de critérios conducentes à decisão mais justa possível, proporcionando ao jurisdicionado a certeza de que a tutela foi efetivamente prestada.
5. Recurso especial provido. (RE 562.334/SP, Rel. Ministro José Delgado)
AÇÃO RESCISORIA. ERRO DE FATO. I- COMPROVADA A TEMPESTIVIDADE DO RECURSO POR CERTIDÃO, CUJO CONTEUDO FOI ADMITIDO PELO REU, CARACTERIZA-SE O ERRO DE FATO, AUTORIZANDO A RESCISÃO DO JULGADO. II- PROCEDENCIA DO PEDIDO. (AR 12/SP, Rel. Ministro JOSE DE JESUS FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/09/1990, DJ 22/10/1990 p. 11646)
AÇÃO RESCISORIA. ERRO DE FATO. PRAZO RECURSAL. SUSPENSÃO. GREVE. DEMONSTRADO QUE HOUVE ERRO NA CONTAGEM DO PRAZO RECURSAL, SUSPENSO POR FORÇA DE PORTARIAS EXPEDIDAS EM RAZÃO DA GREVE DOS SERVIDORES, PROCEDE A AÇÃO RESCISORIA FUNDADA NO ART. 485, IX DO CPC. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE, COM REJULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL, CONHECIDO E PROVIDO PARA AFASTAR A PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE (ART. 184 DO CPC). (AR 466/RJ, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, SEGUNDA SECAO, julgado em 13/03/1996, DJ 06/05/1996 p. 14362)
1. Já decidiu a Corte que não cabe rescisória de ação rescisória quando simples reiteração da anterior.
2 .A ação rescisória há de referir-se sempre a processo em que a lide seja julgada. Precedente da 2ª Seção admite a ação rescisória quando não conhecido o recurso por intempestividade, para corrigir erro e dar margem ao reexame da decisão de mérito. Votos vencidos nesta parte.
3. Recurso especial conhecido e provido para reputar inadmissível o pedido, em relação ao Acórdão que julgou a rescisória. Recurso especial conhecido, pelo dissídio, quanto à parte unânime do julgado, mas improvido. Em conseqüência, retornarão os autos ao Tribunal de origem para que profira julgamento de mérito em relação ao pedido de rescisão do Acórdão que não conheceu dos embargos infringentes”.
(RESP 122413⁄GO, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes, 3ª TURMA, DJ 09⁄10⁄2000 )
A ementa supratranscrita peca pela falta de clareza. Da íntegra da decisão colhe-se que o Tribunal Local não conhecera de embargos infringentes, por reputá-los intempestivos, ante rasura deliberadamente realizada na data do protocolo.
O autor da rescisória pretendia caracterizar o erro de fato, mas inadmitiu a origem a rescisória, pela inexistência de decisão de mérito.
O STJ, por maioria, decidiu ser cabível a impugnação veiculada, e determinou o retorno dos autos à origem para que o julgamento prosseguisse quanto ao ponto. Calha, aliás, transcrever os ponderosos fundamentos expendidos pelo eminente Ministro Eduardo Ribeiro:
A razão de ser de não se admitir rescisória, quando se trate de decisão alheia ao mérito, reside em que não se forma a coisa julgada material. A relação litigiosa poderá ser objeto de exame em outro processo. Não se justificaria rescindir sentença simplesmente terminativa.
Um ponto, pois, é fundamental. A rescisória há de referir-se sempre a processo em que a lide haja sido julgada. Objetivará modificar diretamente esse julgamento ou, ainda indiretamente, propiciar que o seja. No primeiro caso, a decisão da rescisória substituirá o provimento de mérito; no segundo, ensejará outro julgamento, de que também resultará essa substituição, conservando-se ou não o mesmo conteúdo do anterior.
Não se coloca em dúvida a importância da coisa julgada, o prestígio que se há de emprestar à segurança jurídica que resulta da sentença irrecorrível. Entretanto, não se haverá, também, de conferir interpretação de que resultem distinções injustificáveis, tratando-se diversamente situações que reclamam o sejam de maneira uniforme. Se o recurso não foi conhecido em virtude de falsidade documental, impedindo-se, assim, a revisão de sentença de mérito, há que se admitir a rescisória para corrigir o erro e dar margem a seu reexame.
O entendimento contrário levaria a resultados de todo inaceitáveis. Figure-se hipótese em que o juiz de primeiro grau houvesse decidido a causa de maneira inteiramente errada, por má avaliação das provas, mas sem que se apresentasse razão capaz de ensejar a rescisória. Interposta a apelação, dela não se conhece, prossigo com o exemplo, por ter-se falsificado uma certidão, circunstância, entretanto, até então não conhecida. Inviável o especial, por tratar-se de matéria de fato, dá-se o trânsito em julgado. Descoberta em seguida a falsidade, a vítima da fraude nada poderia fazer, tendo de suportar os efeitos da condenação obtida dessa forma.
Ao tempo em que integrei o Tribunal Federal de Recursos, tive também ocasião de me pronunciar no sentido de dar ao disposto no artigo 485 do C.P.C, interpretação que fugia a sua literalidade mas que, a meu sentir, se ajustava à razão de ser da norma. Assim é que, com apoio do colegiado, considerei cabível a rescisória, tratando-se de decisão que extinguisse o processo com fundamento na existência de coisa julgada (AR 1.501. DJ 10.04.89).
Pedindo, pois, vênia ao Relator, acompanho o voto do Ministro Costa Leite.
2) Pela Inadmissibilidade da Rescisória Contra Pronunciamento Que Não Haja Conhecido de Manifestação Supostamente Intempestiva, dado não se cuidar de decisão de mérito.
1. As questões federais ventiladas na via especial, concernentes ao mérito da lide, não foram examinadas por esta Corte, visto que a r. decisão monocrática rescindenda limitou-se à denegação, por intempestividade, do Recurso Especial em autos de Agravo de Instrumento. Em casos tais, em que a decisão a ser desconstituída não aprecia o mérito da causa, não aludindo sequer à controvérsia objeto da lide, atendo-se tão-somente aos aspectos técnicos do recurso, perfilho-me à orientação doutrinária e jurisprudencial majoritárias de que inviável conhecer do pedido rescisório, ante a ausência de pressuposto genérico de admissibilidade da ação,categoricamente exigido em lei (art. 485, caput, c⁄c o art. 269 do CPC).
2. Agravo Regimental desprovido. (AgRg na AÇÃO RESCISÓRIA Nº 3.454 - BA (2005⁄0199612-2), rel. Ministro Jorge Scartezzini
1 - Conforme preconiza o art. 485 do CPC, somente a sentença de mérito pode ser rescindida por meio de ação rescisória. In casu, a decisão rescindenda, que teve por extemporânea a oposição de embargos à execução, é terminativa, ou seja, não apreciou o mérito da demanda, motivo pelo qual não é cabível a ação rescisória.
2 - Agravo regimental improvido”.
(AGA 354262⁄RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, DJ 13⁄08⁄2001)
I - Pelo sistema jurídico brasileiro, a ação rescisória é uma das vias de impugnação das decisões(sentença ou acórdão) transitadas em julgado.
II - A admissibilidade da ação rescisória, em nosso sistema, pressupõe, além de outros requisitos, como o enquadramento em uma das hipóteses elencadas na lei, a ocorrência da res iudicata (coisa julgada material), a saber, que a decisão judicial com trânsito em julgado tenha apreciado e decidido o meritum causae.
III - Acórdão que tem por intempestivos embargos de devedor não se expõe ao reexame pela via excepcional da ação rescisória".
(REsp 119.343⁄GO, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, 4ª Turma, DJ 28⁄06⁄99)
(Obs. Abordou-se anteriormente: (i) o prazo para a interposição dos embargos do devedor após as reformas e; (ii) a possibilidade de aproveitamento de embargos à execução intempestivos.)
“RESCISÓRIA - Âmbito - Ajuizamento visando rescindir acórdão que reconheceu a intempestividade dos embargos do devedor ofertados, afastando, por outro lado, a carência da execução aplicada em 1º grau - Inviabilidade da ação, pois não se trata de sentença de mérito - Art. 485 do CPC - Carência decretada, determinada a extinção do processo com base no art. 267, inc. VI do CPC - Voto vencedor” (Ação Rescisória n° 0824236-8 – São Paulo, 3º Grupo de Câmaras do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, v.un., Rel. Juiz Evaldo Veríssimo, em 9⁄3⁄00, JUIS CD-ROM n° 27).
“ACÃO RESCISÓRIA. ACÓRDÃO RESCINDENDO. AUSÊNCIA DE JULGAMENTO DE MÉRITO. INADMISSIBILIDADE. PEDIDO ALTERNATIVO. RESCISÃO DA SENTENÇA DE LIQUIDACÃO. PRAZO DO ART. 495 DO CPC ULTRAPASSADO. DESCABIMENTO. EXTINCÃO DO PROCESSO. 1. DESCABE ACÃO RESCISÓRIA PARA RESCINDIR ACÓRDÃO QUE NÃO CONHECEU DO RECURSO DE APELAÇÃO POR INTEMPESTIVIDADE. 2. DESOBEDECIDO O PRAZO DO ART. 495 DO C. P.C. EXTINGUE-SE O PROCESSO DA ACÃO RESCISÓRIA” (Ação Rescisória n° 0040190100 – CURITIBA 3º Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Alçada do Paraná, v. un., Rel. Juiz Victor Marins, em 5⁄3⁄93, JUIS CD-ROM n° 27).
“RESCISÓRIA - Pedido tendente à desconstituição de venerando acórdão que não conheceu de recurso interposto contra a sentença proferida em primeiro grau, por intempestivo - Descabimento - Inteligência do artigo 485, caput, do Código de Processo Civil - Cabimento da rescisória somente quando se tratar de decisão de mérito (sentença ou acórdão) - Extinção do processo sem exame do mérito” (Ação Rescisória n° 225.253-2 - São Paulo, 5° Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, v.un., Rel. Des. Mathias Coltro, em 3⁄10⁄95, JUIS CD-ROM n° 27).
PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – POSSIBILIDADE JURÍDICA – Só ostenta o predicado da possibilidade jurídica ação rescisória que tenha por objeto a rescisão de sentença de mérito, transitada em julgado (art. 485 do CPC). O pedido de rescisão de r. Decisão que nega seguimento a recurso ordinário, em reclamação trabalhista, em razão de intempestividade, não se confunde com sentença de mérito transitada em julgado e, por isto, é pedido juridicamente impossível, em se cuidando de ação rescisória, o que configura a exordial como inepta (art. 295, § único, III, do CPC). Ação rescisória julgada inepta, e, por isto, com extinção do processo, sem julgamento do mérito (art. 267, I, do CPC), condenado o autor nas custas e em honorários advocatícios de 5% do valor da causa. (TRF 2ª R. – AR 96.02.23899-2 – 3ª S.Esp. – Rel. Des. Fed. Rogério Vieira de Carvalho – DJU 19.12.2005 – p. 253)
RECURSO ORDINÁRIO – AÇÃO RESCISÓRIA – PEDIDO DE RESCISÃO DO ACÓRDÃO QUE NÃO CONHECEU DO RECURSO ORDINÁRIO POR INTEMPESTIVO – Comprovado que a decisão dita rescindenda acha-se consubstanciada em acórdão que não conheceu do recurso ordinário por intempestivo, depara-se com a sua irrescindibilidade, quer porque a cognição exauriu-se em mero juízo de prelibação do recurso, pelo que seria rescindível a sentença de primeiro grau, quer para evitar-se a absurda situação de o juízo rescisório consistir não no rejulgamento da causa, mas no processamento do apelo. PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE RESCISÃO DA DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU – CARÊNCIA DE AÇÃO – O argumento, veiculado na inicial e nas razões recursais, acerca da ausência de trânsito em julgado da sentença dada a nulidade da notificação, encaminhada a endereço diverso do indicado na contestação, induz à conclusão de ser o autor carecedor de ação. Não é demais lembrar que, na conformidade do caput do art. 485 do CPC, somente a decisão de mérito transitada em julgado pode ser rescindida, observadas as hipóteses previstas nos seus incisos. Dessa forma, considerando a assertiva de que o Banco do Brasil S/A não chegou a ser notificado regularmente da decisão de primeiro grau, avulta a conclusão de que se encontra em aberto o prazo para a manifestação recursal disponível no ordenamento jurídico, porque o exaurimento do prazo para interposição de recurso ordinário só ocorreria a partir da regular intimação da sentença, a evidenciar a ausência de interesse processual, porquanto não caracterizada a necessidade de utilização da ação rescisória no caso concreto. Recurso a que se nega provimento. (TST – ROAR 135 – SBDI 2 – Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen – DJU 13.12.2002)
AÇÃO RESCISÓRIA – CABIMENTO – ACÓRDÃO QUE NÃO CONHECE DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AUSÊNCIA DE DECISÃO DE MÉRITO – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – 1. Nos termos do artigo 485, caput, do CPC, só é passível de rescisão a sentença de mérito transitada em julgado. 2. A decisão judicial que não conhece de agravo de instrumento, porque intempestivo, não aprecia o mérito da causa, restringindo-se à prolação de juízo negativo de admissibilidade recursal. 3. Carência do direito de rescisão, em face da impossibilidade jurídica do pedido (artigo 267, inciso VI, do CPC). (TST – ROAR 29448 – SBDI 2 – Rel. Min. Conv. Aloysio Corrêa da Veiga – DJU 13.12.2002)
Muito bom o artigo. Estou com um caso parecido em mãos, que por sinal bem complexo, e encontrei aqui fundamentos para a rescisória que irá atacar decisão do Min. do STF que denegou AgI por erroneamente entende-lo intempestivo.
ResponderExcluirGrato
João Carlos
joaocarlos22@gmail.com
Marcos
ResponderExcluirE quando o erro de fato for de intempestividade do recurso, informado erroneamente pelo serviço auxiliar (cartório judicial), como tempestivo.
No caso, recurso de Apelação protocolada fora do prazo legal de 15 dias da intimação do adv do apelante e, informado ao juízo que indagou sobre o trânsito em julgado da sentença de mérito, pelo cart. ud. que o recurso era tempestivo?