Ao texto anteriormente disponibilizado a respeito do controle de constitucionalidade no Brasil , vem agora somar-se outro opúsculo do Ministro Gilmar Mendes, a propósito da “omissão inconstitucional” . Para fazer o download do material, utilizado no discurso proferido na Universidade Columbia, clique na imagem seguinte:
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I. Introdução.
II. O controle de constitucionalidade na Constituição do Brasil de 1988.
III. Controle de Constitucionalidade de Omissão do Legislador.
(i). Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão.
(ii). Mandado de Injunção.
IV. Conclusões
Do trabalho, transcreve-se:
Controle de Constitucionalidade na Constituição de 1988
A Constituição de 1988 conferiu ênfase, portanto, não mais ao sistema difuso ou incidente, mas ao modelo concentrado, uma vez que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes passaram a ser submetidas ao Supremo Tribunal Federal, mediante processo de controle abstrato de normas. A ampla legitimação, a presteza e a celeridade desse modelo processual, dotado inclusive da possibilidade de suspender imediatamente a eficácia do ato normativo questionado, mediante pedido de cautelar, constituem elemento explicativo de tal tendência.
Por outro lado, particular atenção dedicou o constituinte à chamada “omissão do legislador”. Ao lado do mandado de injunção, previsto no art. 5º, LXXI, c/c art. 102, I, q, destinado à defesa de direitos subjetivos afetados pela omissão legislativa ou administrativa, introduziu a Constituição, no art. 103, § 2º, o processo de controle abstrato da omissão.
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO)
Objeto e Destinatários
Objeto desse controle abstrato da inconstitucionalidade é a omissão dos órgãos competentes para a concretização da norma constitucional. A própria formulação empregada pelo constituinte não deixa dúvida de que se teve em vista aqui não só a atividade legislativa, mas também aquela tipicamente administrativa que, de alguma maneira, possa afetar a efetividade de norma constitucional.
Esta pode ter como objeto todo o ato complexo que forma o processo legislativo, nas suas diferentes fases. Destinatário principal da ordem a ser emanada pelo órgão judiciário é o Poder Legislativo. O sistema de iniciativa reservada, estabelecido na Constituição Federal, faz com que a omissão de outros órgãos, que têm competência para desencadear o processo legislativo, seja também objeto dessa ação direta de inconstitucionalidade.
Nos casos de iniciativa reservada, não há dúvida de que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão buscará, em primeira linha, desencadear o processo legislativo.
Inércia na Discussão e Votação da Lei – Jurisprudência do STF
O Supremo Tribunal Federal tem considerado que, desencadeado o processo legislativo, não há que se cogitar de omissão inconstitucional do legislador
Essa orientação há de ser adotada com temperamento. Peculiaridades da atividade parlamentar, que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam, todavia, uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional.
Não temos dúvida, portanto, em admitir que também a inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Nesse sentido, em 9 de maio de 2007 o Supremo Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ADI 3.682, Rel. Gilmar Mendes. Entendeu-se que a inertia deliberandi (discussão e votação) também poderia configurar omissão passível de vir a ser reputada inconstitucional, na hipótese de os órgãos legislativos não deliberarem dentro de um prazo razoável sobre o projeto de lei em tramitação.
Omissão Parcial, Superposição dos Campos da Adin e da ADO e Fungibilidade
Dado que no caso de uma omissão parcial existe uma conduta positiva, não há como deixar de reconhecer a admissibilidade, em princípio, da aferição da legitimidade do ato defeituoso ou incompleto no processo de controle de normas, ainda que abstrato. Tem-se, pois, aqui, uma relativa, mas inequívoca, fungibilidade entre a ação direta de inconstitucionalidade (da lei ou ato normativo) e o processo de controle abstrato da omissão, uma vez que os dois processos — o de controle de normas e o de controle da omissão — acabam por ter — formal e substancialmente — o mesmo objeto, isto é, a inconstitucionalidade da norma em razão de sua incompletude;
Mandado de Injunção
Objeto
O mandado de injunção há de ter por objeto o não-cumprimento de dever constitucional de legislar que, de alguma maneira, afeta direitos constitucionalmente assegurados (falta de norma regulamentadora que torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à soberania e à cidadania).
Omissão Legislativa Total e Parcial
Tal como tem sido frequentemente apontado, essa omissão tanto pode ter caráter absoluto ou total como pode materializar-se de forma parcial
Na primeira hipótese, que se revela cada vez mais rara, tendo em vista o implemento gradual da ordem constitucional, tem-se a inércia do legislador que pode impedir totalmente a implementação da norma constitucional.
A omissão parcial envolve, por sua vez, a execução parcial ou incompleta de um dever constitucional de legislar, que se manifesta seja em razão do atendimento incompleto do estabelecido na norma constitucional, seja em razão do processo de mudança nas circunstâncias fático-jurídicas que venha a afetar a legitimidade da norma (inconstitucionalidade superveniente), seja, ainda, em razão de concessão de benefício de modo incompatível com o princípio da igualdade (exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade).
Alteração da Jurisprudência do STF sobre o Mandado de Injunção
O Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de apreciar pela primeira vez as questões suscitadas pelo controle de constitucionalidade da omissão em julgamento de 23 de novembro de 1989 (Mandado de Injunção n. 107).
O Tribunal entendeu, e assim firmou jurisprudência, no sentido de que deveria limitar-se a constatar a inconstitucionalidade da omissão e a determinar que o legislador empreendesse as providências requeridas
Após o Mandado de Injunção n. 107, leading case na matéria relativa à omissão, a Corte passou a promover alterações significativas no instituto do mandado de injunção, conferindo-lhe, por conseguinte, conformação mais ampla do que a até então admitida.
No Mandado de Injunção n. 2839, o Tribunal, pela primeira vez, estipulou prazo para que fosse colmatada a lacuna relativa à mora legislativa, sob pena de assegurar ao prejudicado a satisfação dos direitos negligenciados.
No Mandado de Injunção n. 23210, o Tribunal reconheceu que, passados seis meses sem que o Congresso Nacional editasse a lei referida no art. 195, § 7º, da Constituição Federal, o requerente passaria a gozar a imunidade requerida.
Percebe-se que, sem assumir compromisso com o exercício de uma típica função legislativa, o Supremo Tribunal Federal afastou-se da orientação inicialmente perfilhada, no que diz respeito ao mandado de injunção.
As decisões proferidas nos Mandados de Injunção n. 283 (Rel. Sepúlveda Pertence) e n. 232 (Rel. Moreira Alves) e, ainda, no MI n. 28411 (Rel. Celso de Mello) sinalizaram para uma nova compreensão do instituto e a admissão de uma solução “normativa” para a decisão judicial.
Exemplo da Modificação da Jurisprudência: Direito de Greve dos Servidores Públicos
O tema do direito de greve do servidor público tem lugar de destaque na jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de mandado de injunção.
No Mandado de Injunção n. 20 (Rel. Celso de Mello, DJ de 22.11.1996), firmou-se o entendimento de que o direito de greve dos servidores públicos não poderia ser exercido antes da edição da lei complementar respectiva, sob o argumento de que o preceito constitucional que reconheceu o direito de greve constituía norma de eficácia limitada, desprovida de auto-aplicabilidade.
Em 25 de outubro de 2007, o Tribunal, por maioria, conheceu dos mandados de injunção nos. 670 e 70812 e, reconhecendo o conflito existente entre as necessidades mínimas de legislação para o exercício do direito de greve dos servidores públicos, de um lado, com o direito a serviços públicos adequados e prestados de forma contínua, de outro, bem assim, tendo em conta que ao legislador não é dado escolher se concede, ou não, o direito de greve, podendo tão-somente dispor sobre a adequada configuração da sua disciplina, reconheceu a necessidade de uma solução obrigatória da perspectiva constitucional e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação, no que couber, da Lei n. 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada
Estamos, portanto, diante de significativa revisão da jurisprudência no que concerne ao direito de greve do servidor público, que poderá ter importantes reflexos na configuração do instituto no Direito brasileiro.
Assim, o Tribunal, afastando-se da orientação inicialmente perfilhada no sentido de estar limitada à declaração da existência da omissão legislativa para a edição de norma regulamentadora específica, passou, sem assumir compromisso com o exercício de uma típica função legislativa, a aceitar a possibilidade de uma regulação provisória pelo próprio Judiciário.
O Tribunal adotou, portanto, uma moderada sentença de perfil aditivo, introduzindo modificação substancial na técnica de decisão do mandado de injunção.
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