No presente julgamento, retomou o STF o tema da constitucionalidade do art. 5º, caput e parágrafo único da Medida Provisória 2170-36/2001, relativa à capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.
Observe-se que a matéria fora tratada no julgamento do RE 582.760, em que a minoria pretendeu declarar a constitucionalidade do preceito a despeito da inadmissibilidade do recurso. Como, porém, prevaleceu a tese da limitação à “objetivação” do recurso extraordinário, o palco da discussão voltou a ser o julgamento da cautelar na ADin 2316.
Da inicial, colhe-se haver invocado o autor a inexistência dos requisitos constitucionais da urgência e da relevância para a edição da Medida Provisória. O fundamento fora acolhido pelos Ministros Sidney Sanches e Carlos Velloso tendo, em seguida, pedido vista dos autos o Ministro Nelson Jobim.
Na assentada abaixo reproduzida, devolveu a Ministra Cármen Lúcia os autos, votando pelo indeferimento da cautelar, após o que interveio o eminente Ministro Marco Aurélio para suscitar fundamento superveniente - e portanto distinto do articulado pelo autor - a saber, o de que:
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A MP 2.170-36/2001 e aproximadamente outras quatro dezenas de medidas provisórias subsistem no cenário jurídico nacional há 8 anos, a despeito de não haverem sido convertidas em lei.
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Rege a disciplina dessas medidas o art. 2º da E.C 32, que estabelece:
Art. 2º da Emenda Constitucional 32
Art. 2º As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.
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A não conversão dessas Medidas Provisórias em lei não poderia autorizar que continuassem a vigorar por tempo indeterminado, como até aqui tem ocorrido, sob pena de se transformarem em permanentes.
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Tal fato, além de conduzir à conclusão de inexistência de urgência, imporia ao Supremo a obrigação de fixar prazo para a apreciação das Medidas pelo Congresso, para evitar a sua aludida eternização.
Embora, sob a ótica do Eminente Ministro Marco Aurélio, a princípio não padecesse o art. 2º da EC 32 de vício, suscitou o eminente Ministro Celso de Mello a possível inconstitucionalidade do preceito (ou de interpretação(ões) que se lhe tem dado), posto que:
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Entender possível a vigência indeterminada de MPs, além de tornar insuscetível de controle jurisdicional o requisito da urgência, atentaria o contra o princípio constitucional da separação dos poderes, dado permitir ao Executivo editar leis e não simples Medidas Provisórias.
Pelo impacto do julgamento da matéria sobre o Sistema Financeiro Nacional, solicitou o Ministro Menezes Direito - que acompanhara o voto da Eminente Ministra Cármen Lúcia pelo indeferimento da MC na ADIn – o adiamento da Sessão para ocasião em que o quórum da Casa estiver completo.
De qualquer modo, adiantaram os seus pronunciamentos os Ministros Marco Aurélio e Ayres Britto, filiando-se aos dos Ministros Sidney Sanches e Carlos Velloso pelo deferimento da cautelar.
Dispositivo Legal Questionado
Art. 5º, caput e parágrafo único da MP 2170-36/2001:
“Art. 5º. Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.
Parágrafo único. Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais penalidades contratuais.”
Para fazer o download da inicial, clique na imagem seguinte:
Além disso, o art. 5º da Medida Provisória 1963-22, carece dos pressupostos de relevância e urgência. Aliás, dificilmente poderia haver relevância e urgência na matéria, tratada da mesma forma durante 150 anos (desde o Código Comercial de 1850), o que também torna o dispositivo inconstitucional.
De outro lado, o art. 5º, caput, Medida Provisória nº 1963-22 vem permitir a capitalização de juros, reivindicação antiga das instituições financeiras e que os Tribunais pátrios, uniformemente, vinha rejeitando.
Conforme já dissemos, esse dispositivo, sorrateiramente incluído na Medida Provisória 1963-22 que trata de outro assunto, é reprodução da frustrada e semelhante tentativa quando da Medida Provisória nº 1.410/96. Naquela ocasião, tentou-se autorizar a capitalização mensal de juros nas operações bancárias.Pressionado pelo entendimento contrário do Congresso Nacional, o Governo Federal reeditou aquela medida suprimindo os artigos que autorizavam essa prática. Volta agora, com a Medida Provisória nº 1.963-22 a tratar do mesmo assunto, já rejeitado pelo Congresso Nacional em 1995.
(Excertos da peça)
Excertos do Julgamento
Ministra Cármen Lúcia:
(…) considerando que esta era uma das medidas no bojo de uma série delas que foram tomadas naquele momento (2000) na tentativa de refazer exatamente esse sistema no que concerne à captação de juros, de um lado. E, de outro lado, pelo alongado prazo desde a expedição da medida provisória até hoje, com a aplicação dessa medida, é que eu voto no sentido de indeferir a cautelar (…).
Ministro Marco Aurélio
Nós podemos conceber que um ato precário e efêmero normativo, que antes era editado para viger por 30 dias - hoje é editado para viger por 120 dias – continue no cenário nacional por 8 anos, data da edição dessa Medida Provisória? Será que o preceito da Emenda 32 pode ser interpretado a ponto de agasalhar-se a vigência indeterminada – é o que está havendo com essas medidas provisórias remanescentes - de uma medida provisória? Eu penso que esse aspecto não pode ser desprezado; precisa ser considerado.Além da problemática (- e ninguém discute que não havia, eu penso que não se discute que não havia urgência para a edição tratando do tema [juros capitalizados] –) alusiva à urgência.
Por isso eu não vejo na passagem do tempo um elemento capaz de implicar o endosso dessa normatização, perdurando essa normatização. Eu penso que esses 8 anos transcorridos são de molde a chegarmos à conclusão de que está fortalecida a visão dos dois colegas quanto à falta de urgência.
Eu não posso conceber, repito, que no tocante a um instrumento normativo que era editado para vigorar por trinta dias - passou a ser um instrumento normativo editado para vigorar por 60, com prorrogação de mais 60 sob pena de trancamento da pauta do congresso - possa persistir no cenário normativo sem a suspensão pelo Supremo passados 8 anos.
Não imagino medida provisória a vigorar por prazo indeterminado, e essas que aí estão vigorarão, a menos que o Supremo atue e aponte que aqui nós temos uma projeção no tempo para o crivo do congresso ou para a revogação da própria medida provisória que não é minimamente razoável: repito, 8 anos.
Considerada essa inércia se confirma o que veiculei quando no discurso de posse na Presidência do TSE: um País do faz de conta.
Ministro Celso de Mello
A regra do art. 2º da Emenda Constitucional nº 32 na verdade, considerado o seu conteúdo, ela foi elaborada para atender à conveniência do chefe do Poder Executivo, uma vez que a possibilidade de revogação da Medida Provisória só ocorrerá em dois casos: ou pela revogação por outra medida provisória – diz o ar. 2º – ou pela apreciação pelo congresso nacional.
(…) o art. 2º da Emenda Constitucional 32, ao conferir essa virtual estabilidade a tais Medidas Provisórias, não teria na verdade afastado qualquer alegação de descaracterização de urgência?
O art. 2º talvez afastasse em relação às Medidas Provisórias editadas naquele contexto, sob aquelas circunstâncias, talvez o art. 2º – uma norma emanada do Congresso no exercício do Poder Reformador – tivesse convalidado o defeito fundado num eventual reconhecimento da falta de urgência.
(…)o Congresso Nacional, independentemente do atendimento ou não do pressuposto de urgência, conferiu uma estabilidade que seria incompatível com a própria natureza do instrumento.
O texto constante do art. 2º da Emenda Constitucional então seria incompatível com o princípio da separação dos poderes? E sob esse aspecto, seria essa emenda ao menos parcialmente inconstitucional porque ofensiva de uma das matérias protegidas por aquele núcleo duro, aquele núcleo imutável e irreformável da Constituição, e um deles é exatamente o do postulado da divisão funcional do poder.
Eu sempre entendi a medida provisória como uma verdadeira antecipação cautelar, em bases temporárias, dos efeitos da prestação legislativa definitiva; efeitos a serem veiculados na lei de conversão.
Ministro Carlos Ayres Britto
(…) essa medida provisória que estamos agora a analisar, ela se mantém na sua validade e na sua eficácia por efeito do art. 2º da Emenda Constitucional nº 32, e o fato é que 8 anos se passaram. O nosso regime constitucional, que faz do princípio da separação dos poderes uma cláusula pétrea, é convivente com esse tipo de tolerância para com a sobrevida da medida provisória por quase dez anos?
Resultado do Provisório do Julgamento:
- 03.04.2002. APÓS O VOTO DO SENHOR MINISTRO SYDNEY SANCHES, RELATOR, SUSPENDENDO A EFICÁCIA DO ARTIGO 5º, CABEÇA E PARÁGRAFO ÚNICO DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.170-36, DE 23 DE AGOSTO DE 2001, PEDIU VISTA O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO. AUSENTE, JUSTIFICADAMENTE, NESTE JULGAMENTO, O SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA. PRESIDÊNCIA DO SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO. PLENÁRIO, 03.04.2002.
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15.12.2005 - Prosseguindo no julgamento, após o voto do Senhor Ministro Carlos Velloso, que acompanhava o relator para deferir a cautelar, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Nelson Jobim (Presidente). Plenário, 15.12.2005.
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05.11.08 - Após os votos da Senhora Ministra Cármen Lúcia e do Senhor Ministro Menezes Direito, indeferindo a medida cautelar, e os votos dos Senhores Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto, deferindo-a, o julgamento foi suspenso para retomada com quórum completo. Ausentes, justificadamente, porque em representação do Tribunal Superior Eleitoral no exterior, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa e, neste julgamento, o Senhor Ministro Eros Grau. Não participam da votação os Senhores Ministros Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski, por sucederem, respectivamente, aos Senhores Ministros Sydney Sanches (Relator) e Carlos Velloso, com votos proferidos anteriormente. Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente) em face do impedimento do Senhor Ministro Gilmar Mendes (Presidente).
Amilcar, muito legal seu post. Obrigado.
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