1) Dever De Comunicação de Suspeita Ou Confirmação de Maus-Tratos Contra Idosos, Até a Entrada em Vigor da Lei 12461/2011
Convém, para que se compreenda o alcance da alteração promovida pela lei 12.461/11, ter presente a disciplina primitiva de comunicação dos casos de suspeita ou confirmação de maus tratos contra idosos, prevista no art. 19 da Lei 10.741/03 em sua redação originária. Estabelece este dispositivo, ainda em vigor devido à vacatio legis da norma recém publicada, que:
cumpre aos profissionais de saúde;
notificar ao menos um dos órgãos discriminados em seus incisos;
da suspeita ou confirmação de prática de maus-tratos contra idosos.
Note-se, portanto, que já prevê o Estatuto do Idoso, mesmo em sua redação primitiva, a obrigatoriedade da comunicação, que pode ser dirigida a diversas autoridades, em caso de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra maiores de 60 anos.
2) Alterações Promovidas Pela Lei 12.461/11
2.1) Dever De Notificação dos Atos de Violência Contra Idosos à Vigilância Sanitária
Além de manter a exigência de cientificação de ao menos um dos órgãos arrolados incisos do art. 19, inovou a lei 12.461/11 ao impor que também a Vigilância Sanitária seja necessariamente notificada . Objetivou o legislador com isso…
…propiciar a obtenção pela autoridade sanitária de importantes dados estatísticos para subsidiar a formulação de políticas públicas (….)[1]
2.2) Sujeitos Obrigados a Realizar a Notificação
2.2.1) Inclusão dos “Serviços de Saúde”
A redação primitiva do art. 19, caput, do Estatuto do Idoso impunha expressis verbis aos profissionais de saúde a obrigação de promover a cientificação de ao menos um dos órgãos indicados em seus incisos (e agora, também, à autoridade sanitária). A justificativa do PL de que se origina a lei nº 12.461/11 permite constatar a razão por que se impôs também aos serviços de saúde a exigência (mas não a de se haver dispensado os profissionais de cumpri-la, como resulta da interpretação literal do dispositivo [cf. infra, 2.2.2]). Da referida justificativa, transcreve-se:
(…) muito embora os idosos vítimas de violência em sua maioria não compareçam a delegacias policiais por se encontrarem fragilizados e assustados, muitas vezes eles procuram os serviços de saúde para receber o atendimento necessário, ainda que nem sempre descrevam os fatos verídicos relacionados à causa das lesões ou danos sofridos.
Daí a importância de se estabelecer a notificação compulsória da violência praticada contra os idosos atendidos pelas unidades de saúde tanto públicas quanto privadas, tal como se prevê no âmbito do presente projeto de lei, que visa a modificar o art. 19 do Estatuto do Idoso.
2.2.2)O problema da Exclusão dos “Profissionais de Saúde”
Ao apreciar o então Projeto de Lei, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara supôs que ele visava a ampliar, e não a substituir os obrigados a realizar a notificação, incluindo os “serviços de saúde” (pessoas jurídicas) entre os responsáveis, mas sem excluir os “profissionais” (pessoas físicas) atuantes nessa área. Confira-se:
“Trata-se de projeto de lei que modifica a redação do art. 19, da Lei nº 10.741, de 2003 – Estatuto do Idoso –, que tem por objetivo ampliar o nº de entidades responsáveis pela comunicação de violência contra idosos, estabelecendo também a obrigatoriedade de comunicação à autoridade sanitária, para fins estatísticos.”
Da redação conferida pela lei 12.461/11 ao art. 19, contudo, não resulta, como equivocadamente assentou referida Comissão, a mera inclusão, mas sim a transferência da responsabilidade de se notificar as autoridades, antes atribuída aos profissionais, para os “serviços” de saúde. É, para dizer o mínimo, de todo estranhável tal alteração. Feita abstração da sofrível redação do preceito (“serviços de saúde”, com efeito, não são entes capazes de assumir obrigações jurídicas, mas sim atividades prestadas por tais entes), nenhum benefício se vislumbra, para os idosos, com essa inusitada substituição. Bem se poderia atribuí-la à incúria do legislador, não fosse a circunstância de o autor do Projeto de Lei que lhe deu origem, Deputado Sebastião Bala Rocha, ser ele próprio um profissional de saúde, fato que torna altamente inverossímil decorrer tal modificação de simples equívoco involuntário. Ainda mais inescusável se afigura essa malsinada alteração quando se tem presente que o PL de que lhe deu origem foi apresentado em 2007, e o Município de São Paulo editara quatro anos antes a lei nº 13.642/2003, que dispensa ao mesmo tema tratamento assaz superior ao conferido pelo legislador federal. Qualquer cogitação parlamentar de inovar o ordenamento jurídico que se pretenda séria é acompanhada de pesquisas a respeito da existência de normas sobre a mesma matéria em todas as unidades federadas, para delas colher subsídios que possibilitem versá-la do modo mais acertado possível. Há de se ter deparado, portanto, o Congresso, com a lei paulistana. Tão mais grave se afigura o “erro” em exame quando se tem presente que, segundo autorizada doutrina, o art. 19 teria também o fim de obrigar os profissionais a denunciar as ilicitudes ocorridas nos “serviços (rectius: estabelecimentos)” de saúde. É esse o entendimento de José de Farias Tavares:
Todo e qualquer cidadão que tomar conhecimento de caso de maus-tratos infligidos à pessoa idosa terá que comunicar à autoridade competente para fazer cessar o ilícito, sob pena de cumplicidade pelo silêncio. A obrigação não é apenas dos profissionais em serviço de saúde. A estes, o art. 19 está indicando as autoridades a quem devem dirigir as notícias dos fatos, com as minúcias de que são conhecedores em razão da atividade específica exercida nos bastidores da cena hospitalar ou congênere, ou nos procedimentos médicos, paramédicos, farmacêuticos ou similares em domicílio. Maus-tratos à velhice são, por exemplo, erros médicos ou de enfermagem, ou quaisquer outros que causem dor, angústia e sofrimentos inúteis, desnecessários, manipulação corporal desajeitada, dosagem inadequada, medicação inconveniente ou negligenciada, sede, fome ou má alimentação, pressão psicológica, abandono, ou mal-estar de qualquer modo comissivo ou omissivo causado por alguém.
(Estatuto do Idoso, Forense, 2006.)
Uma das consequências da desafortunada alteração seria, portanto, a de imputar à pessoa jurídica civil e adminstrativamente responsável pelas consequências do ilícito a obrigação de denunciar-se a si mesma.
2.2.2.1) Subsistência da Responsabilidade dos “Profissionais de Saúde”, a Despeito de Sua Supressão do Art. 19
Embora a interpretação literal da nova redação do art. 19 acarrete a conclusão de que a responsabilidade pela notificação de violência contra maiores de 60 anos às autoridades competentes haja sido transferida dos profissionais para os “serviços” de saúde, a interpretação sistemática do Estatuto do Idoso permite sustentar-se a subsistência da obrigação dos primeiros, com base nos seguintes elementos:
O §1º do art 4º impõe a todos o dever prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso;
O §2º do mesmo artigo estabelece que as obrigações previstas no Estatuto não excluem, no tocante à prevenção da referida ameaça ou violação, outras decorrentes dos princípios por ela adotados;
O art. 6º prescreve a todo cidadão o dever de comunicar à autoridade competente qualquer forma de violação ao Estatuto que haja testemunhado ou de que tenha conhecimento;
O art. 57 considera infração administrativa deixar “o profissional de saúde ou o responsável pelo estabelecimento de saúde ou instituição de longa permanência de comunicar à autoridade competente os crimes contra idosos de que tiver conhecimento;
O §2º acrescentado pela lei 12461/11 ao art. 19 determina a aplicação subsidiária da lei 6259/1975, que dispõe sobre a notificação compulsória de doenças, e o art. 8º deste diploma obriga “médicos e outros profissionais de saúde no exercício da profissão”, bem como os “responsáveis por organizações e estabelecimentos públicos e particulares de saúde” a realizá-la.
2.3) Substituição da Expressão “Maus-Tratos” pelo Termo “Violência”
Substituiu o legislador a locução “maus-tratos” pelo vocábulo “violência”. A definição que se lhe deu no §2º do art. 19 (“qualquer ação ou omissão praticada em local público ou privado que cause [ao idoso] morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico) abarca os fatos subsumíveis à expressão suprimida.
Nenhuma necessidade havia de versar a matéria de modo tão obtuso. Em lugar de apenas acrescentar-se à norma o termo “violência”, sem dela glosar a expressão maus-tratos (como o fez o legislador paulistano), preferiu-se podar do texto este último e distorcer a definição do primeiro para abranger fatos que nele não se enquadram. A doutrina adverte que não deve o legislador definir institutos[2] senão quando estritamente necessário (v.g. em matéria penal), mas se teima em ignorar este aviso. Não atender a ele acarreta, quando pouco, resultados esdrúxulos, como o de se incluir um elemento espacial ( qualquer local público ou privado) no conceito de um ato (violência) a cuja caracterização o lugar em que se o pratica é absolutamente indiferente. Tão bisonha definição bem poderia aludir ainda a um elemento temporal, para registrar que o preceito contempla as condutas ocorridas durante as 24 horas do dia, inclusive aos domingos e feriados.
2.3.1) Exemplos de Violência e Maus-Tratos Contra Idosos
A supramencionada lei municipal 13.642/2003 exemplifica hipóteses de violência e maus-tratos contra idosos. Evidentemente, nem todas são constatáveis pelos profissionais de saúde (v.g a de abuso financeiro, prevista no inciso IV). Quanto às cometidas por eles próprios, repete-se o magistério de José de Farias Tavares, antes transcrito:
Maus-tratos à velhice são, por exemplo, erros médicos ou de enfermagem, ou quaisquer outros que causem dor, angústia e sofrimentos inúteis, desnecessários, manipulação corporal desajeitada, dosagem inadequada, medicação inconveniente ou negligenciada, sede, fome ou má alimentação, pressão psicológica, abandono, ou mal-estar de qualquer modo comissivo ou omissivo causado por alguém.
2.4) Aplicação Subsidiária da Lei 6259/19751
O §2º acrescido ao art. 19 do Estatuto do Idoso pela lei 12.461/11 determina que se aplique à disciplina da matéria, no que couber, a lei 6259/1975, que dispõe, em seu Título III, sobre a notificação compulsória de doenças.
3) Outras Considerações Sobre a Violência e Os Maus-Tratos Contra Idosos.
3.1) Infração Administrativa Decorrente da Omissão do Profissional ou Responsável Por Estabelecimento de Saúde em Comunicar, à Autoridade Competente, Crime Contra Idoso
O art. 57 do Estatuto do Idoso prevê infração administrativa punível com multa caso deixe o “profissional de saúde ou o responsável por estabelecimento de saúde ou instituição de longa permanência” de “comunicar à autoridade competente” os “crimes contra idoso de que tiver conhecimento.
3.2) Crimes de Maus-Tratos do Art. 136 do Código Penal e do Art. 99 do Estatuto do Idoso
São bastante próximos os ilícitos previstos no art. 136 do Código Penal e 99 da lei 10.741/2003. Para que seja subsumível a conduta do agente a este último, além de a idade da vítima ser igual ou maior a sessenta anos, segundo Djalma Eutímio de Carvalho há de estar ausente o especial fim de agir (educação, ensino, tratamento ou custódia), uma vez que…
Se este for o móvel do sujeito ativo, continua aplicável o art. 136 do CP, mesmo em se tratando de idoso. Por fim, observa-se que as sanções penais são idênticas, inclusive com referência às qualificadoras.
(Curso de Direito Penal, Vol. II, Parte Especial, Ed. Forense, 2009)
Há de se observar, porém, que o art. 136 do CP estatui crime próprio[3], sendo imprescindível à sua tipificação estar a vítima sob a “autoridade, guarda ou vigilância” do sujeito ativo[4].
4) Vacatio Legis
Estabelece o art. 3º da lei 12461/11 que sua vacatio legis será de 90 dias.
Notas
[1] Justificativa apresentada pelo autor do Projeto de Lei, Deputado Sebastião Bala Rocha. A propósito, notara Denise Gasparini Moreno,:
Não há no Brasil estatística sobre a violência contra os idosos; não sabemos quantos são agredidos e quem são os agressores, em razão das poucas denúncias de atos violentos.
(O Estatuto do Idoso, Forense, 2007).
[2] Sérgio Bermudes (atualizador) nos Comentários ao Código de Processo Civil de Pontes de Miranda; Egas Dirceu Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II. Ed. Forense, 10ª ed., 2005.
[3] Lições de Direito Penal- Parte Geral, Heleno Cláudio Fragoso. Atualizador: Fernando Fragoso. Ed. Forense, 17º ed., 2006:
Crimes próprios são todos aqueles em que se apresentam como elementos constitutivos qualidades, estados, condições e situações do sujeito ativo, de forma explícita ou implícita. Entram, pois, nesta categoria aqueles casos em que se exigem determinadas relações do agente com o sujeito passivo, com o objeto material, o instrumento ou o lugar, ou, ainda, um comportamento precedente do sujeito ativo. Exemplos dessa última categoria temos no recebimento da moeda falsa de boa-fé, no crime previsto no art. 289, § 2°, CP. Da primeira, na omissão de socorro (art. 135, CP), que só pode ser praticada por quem tenha encontrado criança abandonada ou extraviada ou pessoa inválida ou ferida etc.
[4] Álvaro Mayrink da Costa. Direito Penal – Parte Especial. Ed. Forense, 6ª ed., 2008:
O sujeito ativo é aquele que tem sob sua autoridade, guarda ou vigilância (vínculo de sujeição) o sujeito passivo, para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia. O vínculo de sujeição é que outorga o exercício dos poderes disciplinários coercitivos e corretivos. Deve, portanto, haver entre o autor típico e o sujeito passivo uma relação de poder, traduzido em autoridade, guarda ou vigilância. A autoridade é o poder, derivado do direito público ou particular, exercido por alguém hierarquicamente superior sobre outro hierarquicamente inferior (diretores de colégio e alunos; diretores de unidade prisionais e encarcerados); já na guarda prevalece o dever de assistência permanente, no sentido de zelar preservando a incolumidade pessoal (pais, tutores, curadores, professores, enfermeiros, carcereiros etc.), e a vigilância, que é a assistência acautelatória (guias turísticos, guarda-vidas)
Bibliografia
Aragão, Egas Dirceu Moniz de. Código de Processo Civil Comentado, vol. II. Ed. Forense, 10ª ed. 2005
Carvalho, Djalma Eutímio de. Curso de Direito Penal – Parte Especial, vol. II. Ed. Forense, 2009.
Costa, Álvaro Mayrink da. Direito Penal – Parte Especial, 5ª ed. Ed. Forense, 2001.
Fragoso, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – Parte Geral. 17ª ed. Ed. Forense, 2005. Atualizador: Fernando Fragoso.
Moreno, Denise Gasparini. O Estatuto do Idoso. Ed. Forense, 2007
Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Código de Processo Civil Comentado. Ed. Forense. Atualizador: Sérgio Bermudes.
Silva, César Dario Mariano da. Manual de Direito Penal – vol. II, Parte Especial. 3ª ed. Ed. Forense, 2006.
Tavares, José de Farias. Estatuto do Idoso. Ed. Forense, 2006;
Vilas Boas, Marco Antônio. Estatuto do Idoso Comentado. Ed. Forense, 2005.
quero receber modelo de proscesso de crime ambiental degradação ao meio ambiente,contaminação as Águas dos rios etc. licença ambiental.
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