Na ação penal 447, cujo vídeo do julgamento ora se disponibiliza, examinou o STF diversas questões, que serão individualizadas nesta e nas vindouras postagens.
Destaca-se, na presente comunicação, a averbada necessidade de, em se tratando de crime de prevaricação (CP, art. 319), restar comprovado o especial fim de agir, consistente em “satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
Segundo a denúncia, Prefeito (posteriormente diplomado deputado federal) e sua Secretária Municipal de transportes e serviços públicos …
(…) em conjunção de vontades e comunhão de esforços praticaram, ato de ofício, contra disposição expressa de lei (Código de Trânsito Brasileiro, nos artigos adiante especificados), consistente em determinar que os fiscais municipais de trânsito deixassem de autuar os veículos da Prefeitura Municipal, por qualquer infração de trânsito que fossem flagrados, além de determinar o não-lançamento no sistema informatizado do DETRAN dos autos de infração lavrados pelos mesmos fiscais, para satisfazer interesse pessoal (dos denunciados) em encobrir as infrações de trânsito de sua própria administração municipal.
Eis o excerto da ementa que interessa ao ponto:
AÇÃO PENAL. CRIME DE PREVARICAÇÃO (ART. 319 DO CP) E DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO (ART. 1º DO DECRETO-LEI Nº 201/67). AUSÊNCIA DE PROVAS. IMPROCEDÊNCIA. ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS.
1. A configuração do crime de prevaricação requer a demonstração não só da vontade livre e consciente de deixar de praticar ato de ofício, como também do elemento subjetivo específico do tipo, qual seja, a vontade de satisfazer "interesse" ou "sentimento pessoal". Instrução criminal que não evidenciou o especial fim de agir a que os denunciados supostamente cederam. Elemento essencial cuja ausência impede o reconhecimento do tipo incriminador em causa.
(…)
4. Improcedência da ação penal. Absolvição dos réus por falta de provas, nos termos do inciso VII do artigo 386 do Código de Processo Penal.
Crime de Prevaricação. Elemento Subjetivo Específico do Tipo: “Satisfazer Interesse ou Sentimento pessoal”.
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Ministro Carlos Ayres Britto
13. Como visto, a materialidade do tipo incriminador em causa exige um especial fim de agir do acusado. É dizer: para que se configure o crime de prevaricação é necessária a demonstração não só da vontade livre e consciente do agente em retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, como também a de demonstrar o elemento subjetivo específico do tipo, qual seja, a vontade de satisfazer "interesse" ou "sentimento pessoal". Elemento cuja ampla comprovação é exigida pela reiterada jurisprudência desta Suprema Corte. A título de amostragem, colho trecho da ementa do HC 81.504, da relatoria do ministro limar Galvão:
Remansosa a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de ser indispensável à configuração do delito de prevaricação a demonstração concreta do interesse ou sentimento pessoal que teria movido o agente público, sem o que é atípica a conduta, por faltar elemento essencial ao tipo.
(...) "
14. Tenho que a diretriz adotada no precedente se ajusta ao caso destes autos. Caso em que a denúncia ministerial pública simplesmente acusa os denunciados de praticar ato de ofício contra expressa disposição legal, consistente “em determinar que os fiscais municipais de trânsito deixassem de autuar os veículos da Prefeitura Municipal, por qualquer infração de trânsito que fossem flagrados, além de determinar o não-lançamento no sistema informatizado do DETRAN dos autos de infração lavrados pelos mesmos fiscais, para satisfazer interesse pessoal (dos denunciados) em encobrir as infrações de trânsito de sua própria administração…”
15. Ora bem, mas que exato interesse pessoal motivou os acusados a tentar encobrir as infrações de trânsito da sua própria administração? Para essa pergunta não encontrei resposta no detido exame dos elementos coletados no curso da instrução criminal, sendo, para mim, insuficiente dizer que o interesse dos denunciados era "encobrir as infrações de trânsito de sua própria administração". É que o preenchimento do elemento subjetivo (específico) do tipo está na precisa demonstração do proveito, ganho ou vantagem a ser alcançada pelo agente, embora não necessariamente de natureza econômica. O que, no caso dos autos, não aconteceu.
16. Por outro ângulo de visada, entendo que a instrução criminal não evidenciou o especial fim de agir a que os denunciados supostamente cederam. Elemento essencial, esse, cuja ausência impede o reconhecimento do crime de prevaricação.
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Ministro Joaquim Barbosa
De qualquer forma, mesmo que se tenha como aplicável, no caso, a regra do art. 70 do Código Penal (concurso formal), entendo, tal como também entendeu o eminente relator desta ação penal, que não foi apontado o elemento subjetivo específico do crime de prevaricação, isto é, o fim de "satisfazer interesse ou sentimento pessoal" (CP, art. 319) .
Com efeito, segundo a denúncia, os réus praticaram os fatos em questão “para satisfazer interesse pessoal (dos denunciados) em encobrir as infrações de trânsito de sua própria administração municipal” (fls. 3).
No entanto, como bem anotou o relator, não restou esclarecido em que consistiu, exatamente, o interesse pessoal dos acusados. A expressão “encobrir as infrações de trânsito de sua própria administração municipal” (fls. 3) é por demais genérica e não indica, com precisão, qual seria o interesse ou sentimento pessoal dos réus.
É possível argumentar que tal interesse pessoal consistiria em não assumir o ônus político decorrente das diversas multas que recaíram e viriam a recair sobre veículos pertencentes ao município administrado, à época, pelo denunciado Sérgio Ivan Moraes, auxiliado pela denunciada Maria Neli Groff da Silva, o que poderia comprometer as pretensões políticas de ambos.
Também é possível imaginar que o interesse pessoal dos acusados residiria em não assumir o ônus financeiro resultante do pagamento das multas pelo Município, que, depois, poderia cobrar, dos denunciados, o respectivo montante pago.
Todavia, tais hipóteses não passam de especulações ou, no máximo, presunções, que sequer constam da denúncia. Esta, a propósito, levanta uma outra hipótese: a de que o interesse pessoal dos réus (além de consistir, genericamente, "em encobrir as infrações de trânsito de sua própria administração municipal") seria também o de não assumir o ônus imposto pelo art. 230, II, do Código de Trânsito Brasileiro. Isso porque o acusados, de acordo com a inicial acusatória, teriam determinado o transporte de pessoas no compartimento de carga de um caminhão da municipalidade. Entretanto, não há prova de que os réus tenham ordenado ou autorizado tal transporte.
Por essas razões, não vejo como possa prosperar a acusação quanto ao delito de prevaricação, razão por que acompanho o eminente relator no que diz respeito especificamente à conclusão de que não restou demonstrado o dolo especifico exigido pelo art. 319 do Código Penal, consistente na vontade de “satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.
acho um absurdo uma pessoa ser presa por esta jogando o dinheiro e dele pior e ta roubando
ResponderExcluirMuito esclarecedor o assunto, para mim, de muita valia.
ResponderExcluirExtremamente vago o conceito do elemento subjetivo do tipo atinente a prevaricação. Palraram muito, mas não disseram quase nada. Afinal, o que significa, em termos claros e objetivos, "interesse ou sentimento pessoal" contido no art. 319 do CP?
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