Versam os vídeos a seguir sobre os julgamentos em que se assentou a impossibilidade de prisão civil por dívida, exceto em se tratando de inadimplemento de obrigação alimentar.
- RE 349.703[A], RE 466.343[B] e HC 87.585[C] (prisão civil do depositário infiel, inclusive decorrente do descumprimento de contrato de alienação fiduciária em garantia).
- HC 92566[6] (prisão civil do depositário judicial infiel. Revogação do verbete 619 da súmula do STF)
Hierarquia dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos a que o Brasil Haja Aderido Antes da Introdução do §3º ao art. 5º da CF pela Emenda Constitucional 45.
Importante problema colocado, e ainda não definitivamente resolvido pelo STF é o relativo à hierarquia dos tratados internacionais sobre direitos humanos a que o Brasil haja aderido antes da introdução, pela Emenda Constitucional 45/2004, do §3º ao art. 5º da CF:
Claro está que, após a entrada em vigor do referido preceito, somente os tratados internacionais de direitos humanos aprovados: (a) em dois turnos e; (b) por três quintos dos membros do Parlamento, terão hierarquia constitucional. Resta estabelecer, todavia, qual a posição, no quadro normativo, das demais situações, identificadas pelo Eminente Ministro Celso de Mello:
Os tratados relativos à prisão civil por dívida, é bem de ver, enquadram-se na segunda hipótese, qual seja a de haverem sido promulgados na vigência da Constituição de 88, mas antes da introdução do §3º ao art. 5º pela emenda constitucional 45. Eis os dispositivos em questão:
Eis as posições sobre o tema:
Entendimento Anterior do STF, abandonado nos julgamentos em questão: Hierarquia Legal dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos.
A despeito da expressa vedação legal estabelecida pelos tratados internacionais antes indicados, considerou o STF subsistente a possibilidade de prisão civil por dívida em nosso ordenamento, e recepcionadas disposições como as contidas no decreto lei 911/69 e no art. 11, I do dec 1.102/1903. Válido e eficaz seria também o art. 652 do Código Civil de 2002:
Entendimento assente até os julgamentos retratados nos vídeos era o de que os tratados possuiriam hierarquia legal[1], e deste modo o princípio da especialidade afastaria a possibilidade de revogação (rectius: suspensão da eficácia) das supracitadas normas de direito interno (específicas) pelos aludidos pactos (gerais).
Incompatibilidade do Princípio da Supremacia da Constituição com a outorga de Hierarquia Supraconstitucional aos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos.
Estão de acordo os Ministros que até aqui se manifestaram quanto à impossibilidade de reputarem-se supraconstitucionais[2] os tratados internacionais sobre direitos humanos, dado que atribuir-lhes tal posição colocá-los-ia acima da própria Constituição, limitando a atuação do constituinte e servindo como parâmetro de controle de constitucionalidade, inclusive de normas editadas pelo constituinte originário[3].
Estado Atual dos Debates: Controvérsia sobre serem Constitucionais ou Supralegais os Tratados Internacionais Sobre Direitos Humanos anteriores à EC 45/04
Abandonado o anterior entendimento que conferia aos aludidos tratados hierarquia legal, e excluída a possibilidade de atribuir-lhes caráter supraconstitucional, gravitam os Ministros entre as posições que os situam nos patamares constitucional e supralegal.
(Obs. Incorreta, a respeito, a apuração oficiosa veiculada em site da rede de ensino Luiz Flávio Gomes, no ponto em que averba haver o Ministro Marco Aurélio aderido à tese da supralegalidade. Referido Ministro consignou expressamente que somente se manifestará sobre a matéria quando assim o exigir o caso concreto. Confira-se em: trecho do vídeo 1 e trecho do vídeo 2 .)
Consequências Práticas Do Estabelecimento da Hierarquia
Hierarquia Supralegal dos Tratados Internacionais Sobre Direitos Humanos
Para compreender os fundamentos sobre que se assenta tal entendimento, além da consulta aos vídeos ora reproduzidos recomenda-se a leitura do voto do eminente Ministro Gilmar Mendes no RE 466.343-1. Para baixá-lo, clique na imagem seguinte:
Link alternativo: Prisão civil por dívida. Voto do Ministro Gilmar Mendes.
Para a corrente de que é representante o Ministro, somente poderiam equiparar-se às emendas constitucionais os tratados anteriores à EC 45 se fossem submetidos a nova votação pelo Congresso Nacional, e atendessem os requisitos do §3º do art. 5º da CF[4]. Sem a satisfação dessas exigências, seu status é supralegal[5]: estão abaixo da Constituição, mas acima das leis ordinárias.
Hierarquia Constitucional dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, quer sejam anteriores à CF/88, quer hajam sido promulgados em sua vigência, mas antes da introdução do § 3º ao art. 5º da CF
A corrente representada pelo eminente Ministro Celso de Mello, de outro lado, averba que, a despeito das exigências formais do §3º do art. 5º da CF (introduzido pela EC 45/2004), ainda os tratados internacionais de direitos humanos promulgados até a entrada em vigor desse dispositivo seriam constitucionais, dado que:
O §2º do art. 5º teria recepcionado, com status constitucional, os tratados ratificados anteriormente à CF de 88.
Aqueles celebrados após a edição da CF/88 e antes da EC 45/04 integrariam o bloco de constitucionalidade, sendo materialmente constitucionais.
Para maiores detalhes sobre referido entendimento, clique na imagem abaixo e faça o download do voto proferido pelo Ministro Celso de Mello no HC 87585:
Link alternativo: Prisão civil do depositário infiel. Voto do Ministro Celso de Mello.
- Confira também o específico ponto do vídeo em que o Ministro Celso aborda a matéria clicando em: Vídeo. Posição do Ministro Celso de Mello sobre a Hierarquia dos tratados de direitos humanos.
- Veja, ainda, exemplificativamente, trecho do vídeo relativo ao voto do Ministro Cézar Peluso:
Senhor Presidente, eu vou tomar uma posição e eu estava até recentemente um pouco hesitante em relação à taxonomia dos tratados em face da nossa Constituição, mas eu estou seguramente convencido hoje, Senhor Presidente, de que o que a globalização faz e opera em termos de economia no mundo, a temática dos direitos humanos deve operar no campo jurídico.
Os direitos humanos hoje já não são propriedade de alguns países, mas constituem o valor fundante de toda a humanidade, e por isso, Senhor Presidente, eu adiro expressamente à postura do grande publicista Paulo Borba Casella, que sustenta que a temática dos direitos humanos, por dizer respeito aos direitos fundamentais, que têm primazia na Constituição, são sempre ipso facto materialmente constitucionais, e que é possível extrair da conjugação do §2º e do §3º, que o que nós temos é pura e simplesmente uma distinção em relação aos tratados que não tenham status de emenda constitucional, que são materialmente constitucionais, e os do §3º que são material e formalmente constitucionais, e que portanto têm apenas uma distinção. Que distinção? A de regimes jurídicos. Com qual consequência? Com uma única consequência, que é saber os efeitos ou os requisitos do ato de denúncia pelo qual o Estado pode desligar-se dos seus compromissos internacionais. Esta é a única relevância na distinção entre o §2º e o §3º da Constituição, e acho que o Tribunal não deve com o devido respeito, ter receio de perquirir qual a extensão dos direitos fundamentais, até porque eles são históricos, ou seja, é preciso que a Corte no curso da História, diante de fatos concretos, vá descobrindo, e vá revelando, e vá dispensando outorga jurídico-constitucional aos direitos humanos que estejam previstos no contrato, nos tratados internacionais e que sejam objeto da nossa interpretação.
Sua Opinião
Esteja à vontade para valer-se da seção “comentários” e deixar a sua opinião a respeito da hierarquia que devem os tratados internacionais sobre direitos humanos ocupar em nosso ordenamento jurídico.
[1]No RE 80.004 assentou o STF a hierarquia legal dos tratados internacionais. No HC 72131 explicitou a Casa, por maioria, já na vigência da CF/88, a validade da tese também para os relativos a direitos humanos.
[2]Do voto proferido pelo eminente Ministro Gilmar Mendes no RE 466343, transcreve-se a lição de Bidart Campos sobre a possiblidade de atribuir-se hierarquia supraconstitucional aos tratados internacionais sobre direitos humanos:
"Si para nuestro tema atendemos al derecho internacional de los derechos humanos (tratados, pactos, convenciones, etc., con un plexo global, o con normativa sobre un fragmento o parcialidad) decimos que en tal supuesto el derecho internacional contractual está por encima de la Constitución. Si lo que queremos es optimizar los derechos humanos, y si conciliarlo con tal propósito interpretamos que las vertientes del constitucionalismo moderno y del social se han enrolado - cada una en su situación histórica - en líneas de derecho interno inspiradas en un ideal análogo, que ahora se ve acompañado internacionalmente, nada tenemos que objetar (de lege ferenda) a la ubicación prioritaria del derecho internacional de los derechos humanos respecto de la Constitución. Es cosa que cada Estado ha de decir por sí, pero si esa decisión conduce a erigir a los tratados sobre derechos humanos en instancia prelatoria respecto de la Constitución, el principio de su supremacía - aun debilitado - no queda escarnecido en su télesis, porque es sabido que desde que lo plasmó el constitucionalismo clásico se ha enderezado - en común con todo el plexo de derechos y garantías - a resguardar a la persona humana en su convivencia política.
[3]O retorno à tese da supralegalidade foi esboçado pelo Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento do HC 79785. Do referido voto do eminente Ministro Gilmar Mendes, transcreve-se:
É de ser considerada, no entanto, a dificuldade de adequação dessa tese à realidade de Estados que, como o Brasil, estão fundados em sistemas regidos pelo princípio da supremacia formal e material da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico. Entendimento diverso anularia a própria possibilidade do controle da constitucionalidade desses diplomas internacionais.
Como deixou enfatizado o Supremo Tribunal Federal ao analisar o problema,"assim como não o afirma em relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição (...) e aquele que, em consequência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, b). [RHC 79.785/RJ. Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, D.J 22.11.2002].
[4] Foi o que explicitamente consignou o eminente Ministro Gilmar Mendes em seu voto:
De qualquer forma, o legislador constitucional não fica impedido de submeter o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica, além de outros tratados de direitos humanos, ao procedimento especial de aprovação previsto no art. 5°, § 3°, da Constituição, tal como definido pela EC n° 45/2004, conferindo-lhes status de emenda constitucional.
[5] Do mencionado voto do eminente Ministro Gilmar Mendes, colhe-se:
Por conseguinte, parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade.
Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana.
[6] Publicado, em 05/06/2009, o acórdão referente ao habeas corpus 92566/SP. Eis a sua ementa:
PRISÃO CIVIL - PENHOR RURAL - CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA - BENS - GARANTIA - IMPROPRIEDADE.
Ante o ordenamento jurídico pátrio, a prisão civil somente subsiste no caso de descumprimento inescusável de obrigação alimentícia, e não no de depositário considerada a cédula rural pignoratícia.
[A] Publicado, em 05/06/2009, o acórdão referente ao julgamento do RE 349703/RS, que ficou assim ementado:
PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 50 DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.
Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002).
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DECRETO-LEI N° 911/69. EQUIPARAÇÃO DO DEVEDOR-FIDUCIANTE AO DEPOSITÁRIO. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDUCIANTE EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
A prisão civil do devedor-fiduciante no âmbito do contrato de alienação fiduciária em garantia viola o princípio da proporcionalidade, visto que: a) o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, de forma que a prisão civil, como medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passa no exame da proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; e b) o Decreto-Lei n° 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando o devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e penais, criou uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão "depositário infiel" insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição e, dessa forma, desfigurando o instituto do depósito em sua conformação constitucional, o que perfaz a violação ao princípio da reserva legal proporcional.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
[B] Publicado, em 05/06/2009, o acórdão referente ao julgamento do RE 466.343. Eis a sua ementa:
PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.
[C] Publicado, em 26/06/09, o acórdão relativo ao julgamento do HC 87.585, que ficou assim ementado:
DEPOSITÁRIO INFIEL - PRISÃO. A subscrição pelo Brasil do Pacto de São José da Costa Rica, limitando a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia, implicou a derrogação das normas estritamente legais referentes à prisão do depositário infiel.
Parabéns pelo artigo. Ele está bem escrito, claro e foi-me bastante útil!
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