Quem assista ao vídeo abaixo e o coteje com a respectiva ata da sessão constatará divergência entre o voto da eminente Ministra Cármen Lúcia e o que acerca dele se consignou. Daí servir o material de ponto de partida para identificar, e distinguir, duas inconfundíveis situações, e seus respectivos tratamentos, a saber:
- A de a proclamação final não refletir, com fidelidade, a votação.
- A de, após a proclamação definitiva do resultado, desejar o julgador alterar o seu voto (ainda que na mesma sessão em que proferido).
O ponto de identidade entre ambas reside na modificação ulterior da proclamação. A distinção está em que:
- na primeira hipótese - que vídeo ilustra e a ser examinada nessa sede - a alteração visa a retratar o que durante o julgamento se resolveu;
- naquela a ser analisada no próximo texto, a mudança objetiva transfigurar uma imagem já fiel à sessão, por não estar o artista satisfeito com o resultado da obra. Dito de modo mais direto, cuida-se de o magistrado pretender modificar o próprio voto e, em consequência, alterar o exato resultado já proclamado.
Incorreção na Proclamação
Pode ocorrer de a proclamação não espelhar, com fidelidade, a votação, a exemplo do que se passou na espécie, em que averbou o Ministro Cézar Peluso - no-lo comprovam tanto o vídeo quanto a ata da sessão - que teria ficado vencido apenas o Ministro Marco Aurélio em relação a determinada matéria, consistente na impossibilidade de conhecimento de hipóteses estranhas ao processo e postas a julgamento mediante questão de ordem (vide detalhadamente o que se passou consultando-se o texto acerca da competência para a concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário sobrestado). Para assistir ao específico trecho relativo ao tema em exame, clique em proclamação do resultado.
Eis o excerto da ata:
Decisão: O Tribunal, por maioria, decidiu que, quando reconhecida repercussão geral sobre a questão, for sobrestado recurso extraordinário sobre ela, admitido ou não na origem, é da competência do tribunal local conhecer e julgar ação cautelar tendente a dar-lhe efeito suspensivo e, em conseqüência, deu-se por incompetente, determinando devolução dos autos ao Superior Tribunal de Justiça, vencidos a Senhora Ministra Cármen Lúcia e o Senhor Ministro Marco Aurélio, que só reconheciam a competência do tribunal local quanto a recurso ainda não admitido na origem, como se deu no caso. O Senhor Ministro Marco Aurélio não conhecia das demais hipóteses.
Consiste a incorreção em não se haver registrado que a Ministra Cármen Lúcia acompanhara a divergência também em relação ao não conhecimento das hipóteses suscitadas por meio de Questão de Ordem. Para ver o correspondente trecho do voto, clique em: voto da Ministra Cármen.
Curiosamente, o informativo do próprio STF, de nº 528 registrou, no ponto, as coisas tal como efetivamente se passaram, discrepando da ata e ratificando o que se expõe em Direito Integral:
Em seguida, resolvendo outra questão de ordem, suscitada pelo Min. Cezar Peluso, o Tribunal deliberou avançar para estender a orientação também às demais hipóteses possíveis de ocorrerem, tendo em conta estar-se diante de instituto novo. Vencido o Min. Marco Aurélio, que, salientando não ser o Supremo órgão consultivo, entendia, quanto à questão de ordem levantada pelo Min. Cezar Peluso, que o julgamento deveria ficar restrito às balizas do processo, no que foi acompanhado pela Min. Cármen Lúcia, e, quanto à questão de fundo, só reconhecia a competência do tribunal local quanto a recurso ainda não admitido na origem, como se dera no caso. O Tribunal, por fim, considerou a observação feita pelo Min. Celso de Mello no sentido de que, se o recurso, apesar de sobrestado, estiver no Supremo, o seu relator, ante a natureza de urgência da tutela cautelar, a fim de não frustrar o princípio da efetividade do processo, poderá decidir.
(Claudicou, porém, o informativo ao não assinalar que a Ministra Cármen filiara-se ao posicionamento do Ministro Marco Aurélio também quanto à “questão de fundo”, e a esse respeito está correta a ata. A apreensão do exato resultado da assentada depende, assim, da conjugação de ambos os documentos).
Retificação da Ata após a Proclamação
Ante esse quadro, cabe perquirir sobre a possibilidade de correção do equívoco (na hipótese, está claro, de não se flagrá-lo, e saná-lo, de imediato) .
Possibilidade de Correção Ex Officio, inclusive em sessões ulteriores, e cabimento de Embargos de Declaração após a Publicação da Decisão.
A respeito, transcreve-se a lição de José Carlos Barbosa Moreira:
Ao nosso ver, se houve equívoco no anúncio do resultado e no momento não se deu por ele, é lícito a qualquer dos juízes que participaram do julgamento requerer, na sessão seguinte, que se retifique a ata, para fazer constar o que verdadeiramente se decidira. Se vem o acórdão com o mesmo equívoco, há contradição entre o que se julgou e o que se afirma ter sido julgado; cabem, portanto, embargos de declaração (art. 535, nº I; […]).
E a de Araken de Assis:
“Se, infelizmente, ninguém notou o erro no curso da sessão, nem por isso há preclusão. O art. 463 autoriza o órgão judiciário a corrigir, ex officio, as “inexatidões materiais” e retificar os erros de cálculo. Ao redigir o acórdão, o juiz encarregado da tarefa – em geral, o relator; mas, ficando este vencido, o autor do primeiro voto vencedor (art. 556, caput, in fine) – às vezes percebe a discrepância entre o resultado, constante do extrato juntado aos autos, e o conteúdo dos votos proferidos. Em qualquer sessão subsequente (e não, necessariamente, na seguinte) o processo voltará à mesa, por iniciativa dos juízes, retificando-se a tira (ou extrato) do julgamento. A possibilidade decorre da competência para corrigir erros materiais. O art. 198, §1º, do RITJRS autoriza a correção do extrato e da ata, “se não corresponder ao que foi decidido”, lançando-se o novo resultado na ata da sessão em que ocorrer a retificação.
O defeito talvez subsista no acórdão. O redator da peça absteve-se de propor a prévia retificação ou ignorou o pormenor – em tal hipótese ‘há contradição entre o que se julgou e o que se afirma ter sido julgado’, ensejando a correção através de embargos de declaração (art. 535,I). Segundo decidiu a 4ª Turma do STJ, ‘não há ofensa ao art. 556 na falta de coincidência entre o resultado proclamado e a conclusão do acórdão posteriormente publicado, ‘sendo perfeitamente lícito ao órgão julgador proceder à retificação da proclamação, inclusive no bojo de embargos de declaração’ ”.
Manual dos Recursos, RT.
Possibilidade de Correção Ex Officio após a Publicação do Acórdão, e desnecessidade da interposição de embargos de declaração para pleitear a retificação.
Resta saber se, publicado o acórdão e transcorrido in albis o prazo recursal, subsiste ainda a possibilidade de correção ex officio, e se pode a parte suscitar a questão mediante simples petição. A se dar ao fato a qualificação jurídica de inexatidão material –a exemplo do que faz Araken de Assis – a resposta há de ser positiva, ante o teor do art. 463 do CPC, verbis:
Art. 463 - Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:
I - para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo;
Sobre o dispositivo mencionado, ensinam José Miguel Garcia Medina, Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier:
“Sabe-se da dificuldade que existe no que diz respeito à definição de erro material. Em nosso entender, os dizeres do art. 463,I do, do CPC se encartam nesse conceito: as inexatidões materiais e os erros de cálculo são erros materiais. Cândido Dinamarco utiliza a expressão ‘manifesto equívoco’ e observa, com razão, que esses erros podem e devem ser corrigidos de ofício ou por provocação da parte, feita por meio de petição simples, sendo rigorosamente desnecessária a interposição de embargos de declaração. Concordamos, mas pensamos, também, que os embargos de declaração podem, sim, veicular pretensão no sentido de se verem corrigidos erros materiais.”
“O art. 463 do CPC dispõe no sentido de que o juiz pode alterar a sentença, de ofício ou a requerimento da parte, para corrigir-lhe inexatidões materiais ou erros de cálculo. Se pode fazê-lo de ofício com relação às sentenças, evidentemente poderá fazê-lo também no que concerne a uma decisão interlocutória relativa à inadmissibilidade do recurso e, a fortiori, tendo havido provocação da parte (embargos declaratórios). Se o erro é material (tenha-se presente que o erro de cálculo é uma espécie de erro material), os embargos de declaração são dispensáveis, embora, obviamente, não tenham o condão de prejudicar a parte, se interpostos”.
Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil. vol. 2. RT
Aplicando o Direito à Espécie
De acordo com o resultado de acompanhamento realizado hoje, 05 de janeiro de 2009, ainda não sobreveio o acórdão relativo ao feito em exame. Assim, aplicando-se-lhe os ensinamentos supratranscritos, tem-se que:
é possível, nessa fase, que a correção se faça ex officio, pleiteando o Relator em sessão vindoura a retificação da ata. (A apresentação do processo em mesa, que de ordinário deveria ocorrer, note-se, é impossível na espécie, dado que já foram os autos remetidos ao STJ).
Consagrando o lapso o futuro acórdão:
visto o problema sob o ângulo da iniciativa das partes comporta ele duas soluções, a saber:
a interposição de embargos de declaração;
a arguição da matéria por meio de simples petição.
enfocada sob o prisma da cognoscibilidade ex oficcio a questão, tem-se que subsistirá a possibilidade de retificação independentemente de provocação das partes, ainda depois de publicada a decisão (cpc. art. 463).
2) Modificação de Voto após a Proclamação do Resultado.
Supondo-se que houvesse a eminente Ministra Cármen Lúcia votado exatamente tal como consigna a ata, poderia ela “retificar” o entendimento exarado, ainda que imediatamente após a proclamação definitiva do resultado, para acompanhar o Ministro Marco Aurélio? O tema será abordado no próximo texto.
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